Começa agora a batalha de propaganda contra a Grécia de Tsipras. Uma trupe composta por direitistas espumando de raiva, esquerdistas sempre prontos a excomungar quem não se curva perante os seus mantras abstratos, e antigos esquerdistas para quem o fracasso dos outros serve de justificação para a sua própria mutação liberal-libertária, coligam-se para bater insistentemente na tecla da «capitulação de Tsipras». Que digo eu: «a primeira capitulação» como no título escolhido pela «Médiapart». Porque, é claro, haverá mais! É um dado adquirido! É tempo de desmoralizar completamente! Ele acabou de entrar em casa, de preparar as bandeiras para fazer de lenços, de apagar as luzes e cobrir a cabeça com cinza fria.

Jean Michel Aphatie [1] ditou de imediato o diagnóstico: Tsipras prometeu tudo e mais alguma coisa, e agora, como todos os outros, tem de «se inclinar perante a realidade». Esta realidade é a política dos interesses alemães com os quais somos chamados a colaborar no nosso próprio interesse! Esta visão da realidade não é factual. Ela é somente uma peça no jogo dos nossos inimigos. O objetivo da nossa luta é a vitória. O jogo desenrola-se num período que não é de apenas oito dias. Há que conciliar dois ritmos. Em primeiro lugar, o ritmo da opinião pública grega porque é dela que depende a sobrevivência do governo do Syriza. Em segundo lugar as eleições nos países da Europa onde a brecha pode aumentar: Espanha, Irlanda e nós, nas regionais francesas do final de 2015. Podemos imaginar o que aconteceria se colapsasse o país que é suposto iniciar o nosso ciclo na Europa?

A Alemanha desempenhou um papel odioso ao criar uma crise com a Grécia. O mal-humorado Schäuble foi tão desagradável com os gregos que o ministro Varofoukis foi colocado perante a impossibilidade de lidar diretamente com este fanático prepotente e insultuoso. A ilusão social-democrata, Sigmar Gabriel, vice chanceler de Merkel, por favor, confirmou que só a capitulação seria aceite pelo governo da direita e do PS da Alemanha.

Subitamente «El País», o diário espanhol próximo do PSOE publica o título “A Alemanha impõe a sua lei”. Saudar a Alemanha com estas palavras é politicamente correto. Sem esquecer que a imprensa alemã dedica na manchete um «danke! Herr Schäuble», «obrigado, senhor Schäuble», com uma voz trémula como só os lacaios «éticos e independentes» sabem fazer quando se trata de dinheiro. Tudo isto demonstra aquilo que eu tenho vindo a dizer sobre a arrogância do partido alemão na Europa, que é indiferente aos redatores entusiastas dos seus narizes empinados. O partido de Merkel não precisa de se preocupar com os modos. Os seus noivos franceses olham para o lado. O partido dos ursinhos carinhosos pró-qualquer coisa do momento desde que leve o carimbo «Europa» e «economia de mercado» dá garantias [2]. Criticar a Alemanha é considerado racismo por Cohn-Bendit e pelos seus iluminados da matilha dos liberais-libertários. Que um alemão defenda a Alemanha é sempre simpático, não é, Jean-Patou? Que um francês defenda o seu país e os povos que sofrem, a começar pelos doze milhões de alemães pobres isso é chauvinismo, não é Marie-Syphilde? Nós sabemos bem. Já nos conhecemos há muito tempo.

Então, trata-se essencialmente duma batalha de comunicação e propaganda, cujo desafio é a capacidade de contágio da rutura grega! Uma batalha. O objetivo dos eurocratas políticos e mediáticos, passado o tempo da raiva e da injúria, passada a sua deceção por não terem visto a extrema-direita chegar a um nível que lhes permitisse fazer a chantagem do voto útil da carneirada assustada, é isolar Tsipras. Isolá-lo diplomaticamente e isolá-lo do povo desconsiderando a alternativa Tsipras para dissuadir as outras peças do dominó. Nestas circunstâncias, não é de estranhar que o número do diário espanhol «El País» que elogia a vitória da Alemanha sobre a Grécia seja igualmente consagrado à tarefa de caluniar e atacar com insinuações obscenas o Podemos. O «El País» ocupa duas páginas inteiras do interior do jornal com o título tenebroso «A face oculta de Pablo Iglésias». Embora muito mais vendido que o «Le Monde» – uma informação confidencial – o «El País» é o seu homólogo em Espanha.

Obviamente, o Podemos é um perigo eleitoral maior que nós e o «El País» não tem uma extrema-direita para sobrevalorizar como o seu homólogo francês. O «linchamento mediático» do Podemos ocupa um lugar muito maior do que aquele que em França é reservado para denegrir a Front de Gauche no jornal do cartoonista Plantu e das reportagens-publicitárias Lepenistas [3].

Vejamos agora onde estamos realmente. Uma assembleia de orquestradores da fraude fiscal na Europa, até ontem ainda presidida por um homem que tinha feito essa especialização no seu próprio país, o senhor Junker, congratula-se com o plano grego e sente-se «particularmente encorajado pelo forte compromisso [grego] com o combate à evasão fiscal e à corrupção». Ah! Ah! Com estas palavras, adivinhamos qual é a comédia em cena. Aquilo que eles cederam, eles agora querem dar a impressão de que o estão a organizar. A ideia é humilhar a Grécia e apresentar o seu governo como traidor do seu próprio povo. Que esta trégua não é do nosso gosto, isso nem era preciso dizer. No entanto, precisamos de uivar em coro com esta matilha e fazer de advogados de acusação? Devemos considerar que não é nada em plena Europa da austeridade e num país mártir ser mantida uma lista de “reformas progressistas”? Porque para além da luta contra a evasão fiscal e a corrupção, a lista de reformas inclui, segundo um resumo feito pelo governo grego, uma série de medidas a favor dos mais pobres, em conformidade com o programa eleitoral do Syriza. Trata-se, nomeadamente, do fornecimento de eletricidade gratuita para as famílias mais carenciadas, acesso gratuito aos serviços de saúde, distribuição de senhas alimentares e de transporte para os mais carenciados. Sem esquecer os quatro meses ganhos para preparar a próxima ronda!

Ninguém ouviu aqueles que berram contra Tsipras denunciarem a manobra do Banco Central Europeu para estrangular a Grécia privando-a de liquidez, por isso ninguém se podia dar conta de que a negociação estava a ser feita sob coação. Com um prazo. O governo grego não podia “aguentar-se” para além de terça-feira, tendo em conta o nível de fuga de capitais levado a cabo pelos gregos perante o anúncio de que o BCE os ia espoliar dos seus bens. O meu post anterior explica como funciona esse mecanismo. Ganhar tempo sem renunciar a nada, esse era o objetivo. Todos os amigos do atual governo grego foram mobilizados com todos os meios de que cada um dispunha. Foi também com esse intuito que contribuímos, nas ruas, para contrabalançar esta relação de forças através das nossas manifestações de apoio à Grécia.

Proclamar o governo alemão como responsável pelo estrangulamento da Grécia é não apenas coerente com a realidade mas também necessário à preparação ideológica das próximas etapas da nossa luta. Vejamos quais.

Comecemos pela Grécia. Tsipras não pode perder o apoio popular. Ele tem de ampliá-lo. O Syriza ganhou com 36% dos votos. A grande maioria continua a acreditar nos «benefícios da Europa» ou nas ameaças da propaganda liberal a esse respeito. Não passa pela cabeça de ninguém impor um colapso do sistema bancário um mês depois de ganhar as eleições. Nós, franceses, sabemo-lo bem, porque tivemos de sobreviver a quatro desvalorizações, um controlo de câmbios e um empréstimo forçado nos primeiros meses do Governo de Programa Comum a partir de 1981 [4]. É preciso que o povo grego compreenda a profundidade da responsabilidade da Alemanha, a responsabilidade do governo Merkel na expulsão da Grécia da zona euro para que, no caso de tudo isso vir a acontecer, não seja imputada à atual maioria a responsabilidade dos aspetos desagradáveis que disso resultariam. O braço de ferro, as negociações com voltas e reviravoltas, fazem parte da pedagogia de massas de um poder popular. Deve ficar claro para todos que o problema da Europa está centrado na Alemanha.

Obviamente, o jogo do inimigo é proclamar uma derrota quando as medidas violentas não podem ser imputadas à coragem dos gregos.

Vejamos a brecha que se abre na Europa. Imaginemos o que seriam as eleições em Espanha, na Irlanda, aqui na França e noutros países, se o balanço da mudança na Grécia fosse o colapso ao fim de um mês! E mais não digo. A minha intenção é apenas fazer compreender que uma jogada destas não se pode fazer pelo método tranquilo da alternância, do rotativismo de cavalheiros. O continente europeu está em chamas! A guerra ressoa nas fronteiras do leste da Ucrânia, nas mãos de provocadores irresponsáveis neonazis e agentes norte-americanos. Os países recentemente anexados pela União Europeia ou aqueles que entram na categoria de candidatos à entrada na União conhecem todas as convulsões sociais que põem em causa todos os equilíbrios e os pequenos cálculos. Mais de 50 mil pessoas do pretenso micro Estado do Kosovo saem do seu país para tentar trabalhar na Alemanha, com base no simples rumor de um visto mais fácil. Constatamos que nada fica como antes nestas construções absurdas da «Europa» que protege. Quando mais de metade dos imigrantes da Europa vêm dos próprios países europeus, o caos avança. Quando, numa visão estritamente mercantil do tipo pós-colonial, o governo alemão pensa compensar o envelhecimento acelerado da população com vagas migratórias gigantes, está a brincar com o fogo que já está aceso num país onde o odor etnicista está em plena ressurreição.

Neste contexto europeu, o governo de Tsipras obteve uma vitória. Isso porque a relação de forças era-lhe totalmente desfavorável. Alexis Tsipras é primeiro-ministro há menos de um mês. Ele teve de fazer estas negociações ao mesmo tempo que instalava o seu governo e com um país à beira da asfixia financeira. Estava sozinho na mesa das negociações, sem aliados, apenas com alguns Estados a desempenharem o papel de mediadores. Ele lidera um país que tem apenas 11 dos 334 milhões de habitantes da zona euro. A Grécia representa apenas 2% da produção anual da UE. Que todos os doutores em ciências revolucionárias meditem sobre o quer dizer relação de forças nacional!

O governo grego negociou com a pistola do tempo apontada à cabeça. O acordo chegou a oito dias do fim do plano de «resgate» atual, quando a UE e o FMI deveriam entregar 7,2 milhões de euros. A Grécia tinha sobretudo a faca do BCE ao pescoço. Sabemos que, desde 4 de fevereiro, o BCE apertou o canal de refinanciamento fundamental dos bancos gregos. E não renovava o outro canal de refinanciamento senão por períodos de 15 dias conforme o método da chantagem permanente. Neste contexto, os levantamentos nos balcões dos bancos gregos dispararam nos últimos dias. Algumas fontes indicam que o governo grego teria sido forçado a limitar os montantes levantados esta terça-feira, assim como alguns bancos não teriam podido abrir. Neste contexto, quantos governos não teriam passado por cima dos seus compromissos? Mas não foi o caso de Tsipras.

O acordo prevê o prolongamento do financiamento europeu por quatro meses, até ao fim de junho. Isso inclui o pagamento de 7,2 milhões de euros: 1,6 milhões de euros da parte do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira, 1,6 mil milhões do BCE que reembolsará os juros sobre a dívida grega, e 3,6 bilhões de euros do FMI. O governo grego obteve também uma extensão do fundo destinado à estabilização do sistema bancário. É verdade que o governo grego não conseguiu recuperar para o orçamento grego os 11 milhões de euros destinados à banca. Mas o alemão Schäuble também não conseguiu que esse fundo fosse dissolvido e que os demais 18 países recuperassem esse dinheiro como ele pretendia.

O governo grego alcançou muitas coisas. Em primeiro lugar, um financiamento para quatro meses que lhe permitirá reembolsar 1,4 milhões de euros ao FMI em março e fazer face a receitas fiscais muito abaixo das previstas pelo governo anterior. Este pagamento e o tempo ganho vão permitir ao governo começar a implementar o seu programa. Esta extensão não é um fim em si mesmo, como exigia a Alemanha, uma vez que o comunicado do Eurogrupo deixa claro que «esta extensão irá também estabelecer uma ponte temporal para as discussões de um possível dispositivo de acompanhamento entre o Eurogrupo, as instituições e a Grécia». Para mim, a perspetiva dum tempo de transição é uma clara vitória dos gregos.

Tsipras conseguiu mais do que isso. Não teve de aumentar o IVA, nem de tornar mais rígidas as condições de acesso à reforma, nem de baixar as pensões de reforma como exigia a troika e conforme estava previsto pelo antigo governo de direita. Tsipras também conseguiu um levantamento parcial da tutela sobre o seu país. O acordo prevê efetivamente que é o governo grego quem de hoje em diante vai propor as reformas e que «as instituições», quer dizer, o BCE, o FMI, a Comissão Europeia e os outros Estados da zona euro deverão aceitá-los, em parte, a partir desta terça-feira, 24 de fevereiro, em parte, até ao fim de abril. Como disse o ministro Varoufakis, a Grécia deixa de ser um aluno submetido à troika para passar a propor «o seu próprio roteiro». Assim, o governo grego fez saber que as reformas do direito do trabalho ficam dentro da «soberania nacional». Manteve portanto a promessa de restabelecer os contratos coletivos que protegem os trabalhadores.

Em contrapartida, o governo grego compromete-se a pagar aos seus credores? Isso não é em nada diferente daquilo que Tsipras disse na sua campanha eleitoral. O governo grego também se comprometeu a não tomar medidas unilaterais que tivessem «um impacto negativo nos objetivos orçamentais, na recuperação económica, na estabilidade financeira». O governo Tsipras sempre disse que não desejava por em causa o equilíbrio financeiro nem fazer declarações unilaterais. É decisivo para o governo demonstrar que se foi forçado a declarações unilaterais nos últimos dias foi em resposta à agressão unilateral do BCE de 4 de fevereiro e à arrogância do ministro alemão ao longo das negociações. A lista de «reformas» propostas pelo governo foram aceites. Se tivessem sido rejeitadas, o ministro Varoufakis já tinha feito saber que consideraria o acordo de sexta-feira «nulo e sem efeito». Esta lista de reformas proposta pelo governo prova a sua determinação. O governo pretende utilizar os próximos quatro meses para começar a implementar o seu programa. O essencial, como se disse, consiste habilmente na luta contra a corrupção e a fraude fiscal. Que objeções poderiam fazer os eurocratas quando este é o seu ponto fraco! E há também uma reforma tributária para «que os impostos sejam repartidos de forma socialmente mais justa». Podemos constatar que a simples palavra «reforma» não quer dizer nada. O que é que há em comum entre exigir um aumento do IVA, imposto injusto, e lutar contra a fraude fiscal dos oligarcas gregos? Nada tirando a palavra «reforma» e, eventualmente, a receita fiscal que dela pode ser esperada. É, aliás, surpreendente que o comunicado do Eurogrupo reconheça que nesta matéria «as prioridades políticas da Grécia possam contribuir para um reforço e melhor implementação do acordo atual». A zona euro descobre assim que o Syriza está mais bem equipado para lutar contra a corrupção que os partidos corruptos que conduziram a Grécia até aqui. Esta é sem dúvida uma homenagem do vício à virtude.

Eis o ponto em que estamos. Se Schäuble rejeitar as reformas gregas, vai assumir a responsabilidade pela rutura. E o mesmo vale para o Bundestag, o parlamento alemão, que tem de se pronunciar sobre o acordo, tal como os parlamentos holandês, estónio e finlandês.

Se tudo correr sem percalços, a batalha vai continuar. O objetivo será «esclarecer e validar» a lista de reformas para validar os pagamentos até ao final de abril. Mais importante ainda será o debate de fundo até ao final de junho na renegociação da dívida grega. Como disse Tsipras, a Grécia virou as costas à austeridade, mas as dificuldades estão por vir. A batalha continua. Vai ser duro. As ameaças e a chantagem podem ser retomadas à medida que se aproxima o fim de junho. Tsipras tem portanto quatro meses para fazer crescer a capacidade do povo grego para aguentar o choque e para encontrar aliados, inclusivamente fora da União Europeia. Da nossa parte, temos quatro meses para fazer crescer a solidariedade com o povo e o governo da Grécia.

Concluo este capítulo com um trecho do discurso de Tsipras de sábado 21 de fevereiro. Eu acredito que a sua palavra tem mais importância e credibilidade que a de um punhado de comentadores interessados na sua derrota. O governo grego não pretende ceder. O discurso de Alexis Tsipras, no sábado 21, deixa isso claro. Deixo-vos alguns trechos do discurso para que atentem no tom combativo e no lugar que ocupa a batalha pela soberania no seu combate. «Atingimos uma etapa decisiva, deixámos a austeridade, o memorando e a troika para trás.

Uma etapa decisiva que vai permitir mudanças na zona euro. [Sexta-feira] não foi o fim das negociações. Nós vamos entrar numa nova etapa, mais substancial, das nossas negociações até atingirmos um acordo final para a transição das políticas catastróficas do memorando para políticas centradas no desenvolvimento, no emprego e na coesão social. É claro que enfrentaremos desafios. Mas o governo grego está empenhado em encarar com ainda mais determinação as negociações que terão lugar entre hoje e junho. Comprometemo-nos com a restauração da nossa soberania nacional e popular. Juntos, com o apoio do povo grego a quem cabe julgar as nossas ações. Como apoiante e participante ativo, o povo grego vai ajudar-nos nos nossos esforços para alcançar uma mudança política. A nossa luta comum continua».

Obrigado, Alexis !

Tradução de Bruno Góis para o esquerda.net

Notas do Tradutor

1 – Jornalista da rádio RTL desde 2003 e cronista político em Le Grand Journal do Canal+ desde 2006.

2- A expressão partido dos Ursinhos Carinhosos é uma referência à série de desenhos animados norte-americana chamada originalmente Care Bears (1985-1988) e que em França se chamou “Bisounours”. A expressão é usada no debate político francês.

3 – Plantu é cartunista do Le Monde.

4 – Governo de coligação entre PS, PCF e MGR-Movimento da Esquerda Radical. O Programa Comum incluía a redução da jornada de trabalho, nacionalização das indústrias estratégicas e de 36 bancos, descentralização e democratização, luta contra o desemprego, abandono das forças de ameaça nuclear, desmantelamento da NATO, defesa da Escola Pública.

Artigo publicado no blogue de Jean-Luc Mélenchon.