Enquanto que, por definição, em situações de crise, as IFs Privadas têm autonomia e liberdade de reorientar sua estratégia de atuação, restringindo a oferta de crédito, por exemplo, ou passando a atuar de forma mais conservadora, aplicando seus recursos em ativos de maior liquidez e segurança, tais como, Títulos e Valores Mobiliários (TVM), em operações com garantias reais e/ou subindo a régua dos requisitos de risco para eleger seus tomadores, as IFs Públicas, por função, são chamadas a suprir o vazio de mercado disso decorrente.

Nessas circunstâncias, a tendência é que as IFs Públicas passem a atuar em condição de maior vulnerabilidade e em ambiente mais volátil, atraindo clientes de menor qualidade e maior risco. Junte-se a isso as políticas de menores taxas de juros, resultando em menores spreads e, por conseguinte, baixos resultados operacionais em seus negócios. Da ação das IFs Públicas no sistema, resultam vantagens às IFs Privadas, pouca e quase nunca reconhecidas, nem pelo mercado e nem pela sociedade, quais sejam:

a) Redução dos indicadores de inadimplência das operações de crédito, principalmente daquelas para PJ, que se beneficiam dos efeitos da estabilidade assegurada pela oferta de crédito das IFs Públicas, que, por suas vezes, ajudam na manutenção da atividade econômica e nas capacidades gerais de pagamento do sistema;

b) Melhora do retorno das estratégias operacionais mais conservadoras das IFs Privadas (vide seus resultados nos momentos de crise). 

Enquanto as IFs Privadas se veem diante da confortável situação de baixa inadimplência e melhora dos spreads com resultados mais robustos nos seus balanços proporcionados por um sistema estável, as IFs Públicas operam na margem do sistema, se expondo a um maior contingente de possíveis maus pagadores, elevando as Provisões para Devedores Duvidosos (PDD) e comprometendo seus indicadores de inadimplência efetiva, acabando por minguar seus resultados e a remuneração aos seus controladores.

Por isso, os resultados da CAIXA e a atual situação por que passa decorrem de sua atuação anticíclica – que é o custo pago em favor da sociedade por sua função de Banco Público na estabilidade do sistema financeiro e como executor das políticas de governo nos campos econômico/social. Essa atuação reflete-se em sua estrutura de capital: o Patrimônio Líquido (PL) da CAIXA é o menor dentre os cinco maiores bancos que operam no Brasil.

A reversão dessa situação reside na necessidade de aumento do PL da empresa, que pode ser alcançado por uma política de remuneração do capital de seu controlador que passa pela suspensão temporária ou redução dos repasses de parte do seu Lucro Líquido (LL) ao Tesouro Nacional (a mais viável) ou alienação de alguma empresa coligada ou, em última instância, pela abertura de capital, privatizando parte da instituição.

A proposta de abertura de capital, como ventilada pela mídia e confirmada pela Presidenta da República, (o que levanta contradição com as promessas da campanha eleitoral 2014), não encontra respaldo na maior parte do quadro funcional da instituição e, se publicamente debatido, também poderá não encontrar na sociedade brasileira, principalmente se a finalidade for gerar caixa para ajudar equilibrar as contas públicas.

Essa afirmação se sustenta em amplas e acirradas discussões internas que fundamentaram e definiram na estratégia e na Missão da instituição o papel de um Banco Público, cuja essência se funda em ser grande o suficiente para ter a capacidade de interferir no mercado como instrumento de estratégia anticíclica da política econômica do governo federal, para forçar a concorrência à redução dos juros para o consumidor.

Diferentemente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que se define como banco voltado ao fomento e ao financiamento de projetos de desenvolvimento, composto por uma estrutura enxuta e centralizada, bem como do Banco do Brasil (BB), banco múltiplo de economia mista, consolidada como a maior instituição do setor no Brasil, a CAIXA é um banco múltiplo, 100% público, detentora de domínio técnico sobre uma série de atividades essenciais à sociedade que a torna sem similaridade com qualquer congênere em todo o mundo.

A CAIXA é, pois, uma instituição secular que, além das atividades tradicionais de um banco múltiplo, desenvolveu e domina as técnicas de gestão dos negócios de Penhor, Loterias, Habitação, Programas de Transferência de Renda, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), financiamento de projetos de infraestrutura e de Banco da Poupança do brasileiro – ativos de grande relevância estratégica, de interesse social e de domínio do Estado Brasileiro.

Abrir o capital de uma instituição com esse potencial e perfil, é abrir mão de importante instrumento de execução das políticas públicas e da capacidade do Estado de interferir no mercado em momentos de crise e/ou no desenvolvimento de projetos e processos de interesse nacional estratégicos, tornando-a semelhante ao BB.

Diante disso, é lugar comum a argumentação de que o BB, sociedade de economia mista, não enfrenta empecilhos em ser instrumento de governo para fazer frente à necessidade estatal de intervir no mercado financeiro, no entanto, é importante ressaltar que este se comporta dessa forma por existir a CAIXA a lhe fazer sombra, livre dos interesses do mercado e de regulações específicas, que está 100% à disposição do Estado e do povo brasileiro e, dessa forma, impacta todo o mercado, motivos que a tornam instrumento poderoso e imprescindível ao SFN.

Não custa lembrar a recente crise mundial, quando os países do centro do capitalismo se ressentiram da presença de instituições próprias e robustas comprometidas com aquelas sociedades. Os Estados Nacionais ficaram reféns das instituições de mercado, as quais não cumpriram com as funções esperadas quando receberam vultosas somas de recursos públicos para fomentar a retomada da economia, e que, além de refutarem o compromisso, voltaram-se a especulação em mercados ao redor do mundo.

Enfim, o centro da discussão aqui se firma na perda da autonomia das autoridades do Estado em dispor da instituição para conduzi-la conforme a situação requerida. Abrir mão de uma posição estratégica vencedora no sistema financeiro nacional não se justifica sem uma ampla discussão com a sociedade.

Considerando-se a perenidade do Estado, é fugaz a captação de recursos hoje frente a perda do controle de um poderoso instrumento estratégico amanhã, deixando o povo brasileiro órfão na proteção de seu patrimônio e de seus interesses.

________

Bancário, Pós-graduado em Gestão Pública e Bacharel em Ciências Contábeis