“The Economist” faz um balanço pessimista dos quatro anos de governo da presidente Dilma Rousseff (PT) e defende abertamente a vitória de Aécio Neves (PSDB) para a Presidência depois de sua ida ao segundo turno (Valor Econômico, 16/10/20140). 
Na latitude quase exatamente oposta aos dissimulados do esquerdismo infantilizado tupiniquim, a campanha presidencial de 2014 foi, desde a de 1989, a mais politizada de todas. Bem ao invés dos desejos do “doutrinarismo pedante” (Gramsci), essa caricatura do comunismo matraqueou uma campanha eleitoral dita “despolitizada”, num “jogo marcado de democracia burguesa”, de “candidatos da ordem escolhido previamente”. Ora, para quem – como esses – participou de todo o processo eleitoral trata-se de farsa patética!
Politizada, dizíamos, por óbvio conforme o nível da batalha eleitoral dada, sempre enlaçada com as cadeias de acontecimentos globais. Como observou J. Carlos Ruy, ensinou-nos o genial Engels que as formas de luta usadas pelo proletariado não podem decorrer de princípios imutáveis, nem seus objetivos são arbitrários e subjetivos, definidos apenas pela vontade das forças políticas,  pode-se concluir especialmente de seus escritos dos anos 1890, como a Crítica do Projeto de Programa Social Democrata de 1891 (Crítica do Programa de Erfurt) e a Introdução que ele escreveu para o livro As Lutas de Classe na França, de Karl Marx, em 1895. [1]
Sabiamente, Lênin desenvolveu um quarto de século depois (“O esquerdismo, doença infantil do comunismo”), reiterando o mesmo Engels em sua crítica ao “Manifesto dos 33 comunardos blanquistas”, estes defensores de uma política proletária “sem etapas intermediárias e sem compromissos”:
“É claro que os revolucionários muito jovens e inexperientes, assim como os revolucionários pequeno-burgueses mesmo de idade respeitável e grande experiência, consideram extremamente ‘perigoso’, incompreensível e errôneo ‘autorizar que se firmem compromissos’” (Cap. “Nenhum, compromisso?”).
Neotrotskismo XXI: “Nem Dilma, nem Aécio”
Assim, ainda que microscópica, a propaganda “nem Dilma, nem Aécio” –rejeitada fortemente por artistas, juristas, políticos do Psol, jovens etc. – mereceu do intelectual marxista argentino Atílio Boron afiada resposta. Para Boron, igualar Aécio e Dilma enquanto políticos burgueses é tão grosseiro como dizer que o capitalismo brasileiro “é o mesmo que existe na Finlândia ou na Noruega” (capitalismos desenvolvidos com alto padrão social e de renda per capita); posto que, além, Aécio Neves é a versão dura do neoliberalismo: “império irrestrito dos mercados”, o desmantelamento das políticas estatais, a redução dos investimentos sociais, o uso da força repressiva do estado para manter a ordem e conter aos revoltados.  Não à toa – fulmina Boron -, o Clube Militar (“antro de golpistas reacionários, nostálgicos da brutal ditadura de 1964”, diz) decidiu apoiar publicamente Aécio, pois este possuiria “as credenciais necessárias para interromper o projeto de poder do PT, que marcha para à sovietização do país”. [2]
Na medida em que um tipo de esquerdismo patológico do comunismo, desse modo, finge desconhecer a movimentação ostensiva dos fascistas nas eleições presidenciais brasileiras, seria de bom alvitre escutar a lembrança de Boron sobre o trucidamento do líder comunista alemão Thälmann e seus camaradas comunistas, pela Gestapo, “graças à adoção de uma tese que sustentava a igualdade essencial de todos os políticos burgueses” (Boron, idem).
Manobras contra o imperialismo
Campanha politizada – repito -, e envolta num amplo leque de questões fundamentais já há certo tempo; voltada à continuidade brasileira dos combates em defesa de um Projeto de Nação contemporâneo; do desenvolvimento que soterre o neoliberalismo e, para nós, se aproxime de uma virada civilizatória estratégica; articulado ao movimento continental de integração da América Latina. Esses são os móveis concretos da luta anti-imperialista e revolucionária hoje!
Nessa direção, recordo aqui a nossa participação do debate sobre a “América Latina, hoje”, na Festa do L’Humanité (PCF, 12, 13 e 14, setembro último), onde causou forte impressão ao plenário lotado três questões centrais que foram por nós argumentadas acerca da importância do pleito de outubro, vinculadas à questão da politica externa dos governos de Lula e Dilma.
Na primeira, afirmei que a construção do Porto de Mariel, em Cuba, de iniciativa somente materializada e iniciada no primeiro governo de Lula, teve prosseguimento com a presidenta Dilma, que inaugurou a primeira fase do terminal portuário em janeiro passado. O financiamento de quase 1 bilhão de dólares à construtora Odebrecht foi feito pelo BNDES, sendo isso “impossível num governo neoliberal, sendo ademais clara demonstração da posição brasileira de solidariedade e de apostar na integração latino-americana”, enfatizei. Recordei a participação do Brasil na fundação da CELAC (atualmente sob a presidência do presidente cubano Raúl Castro), bem como na Unasul e MERCOSUL, ALBA, como sendo instrumentos diversos, com presença de países com ritmos de consciência e experiências politicas igualmente singulares, mas que se dirigem à integração progressista. 
Lembrei, em segundo lugar, o significado do discurso de denúncia de Dilma Rousseff, na Assembleia da ONU, condenando a espionagem dos serviços de segurança do governo americano às comunicações e correspondências eletrônicas da nossa Presidenta. Acrescentei que Dilma recusou inclusive regalias diplomáticas oferecidas por Obama, caso se dispusesse a manter a agenda de visita à Casa Branca. Concluí então: “Duplamente, o fato é inédito na diplomacia entre os dois países!”. [3]
Em terceiro, falei da importância histórica do recente encontro dos BRICS, no Brasil, em agosto último, onde foi fundado o Banco de Desenvolvimento desses países, com um capital que atinge 100 bilhões de dólares. Destaquei ainda que o banco não se restringirá aos países acionistas, mas servirá também de apoio aos países chamados em desenvolvimento – outra forma que os BRICS encontraram para driblar o controle asfixiante de aríetes do imperialismo como FMI, Banco Mundial etc. Para desvario americano, a reunião de Fortaleza nem de longe fez menção em apoiar a posição imperialista de golpe e sustentação do governo neonazista encravado na Ucrânia; fortaleceram-se as relações bilaterais Brasil-Rússia.   
Dilma na linha de frente da batalha
A campanha presidencial de 2014 dirigida por Dilma Rousseff forjou clara continuidade da rota (sinuosa) percorrida desde a vitória de 2002. As conquistas obtidas à custa de longa luta e determinação do povo brasileiro ainda são pequenas, mas são densamente substantivas. Elas se inserem na nossa capacidade de resposta à permanente ofensiva dos círculos da grande finança capitalista, como demonstra claramente a posição de The Economist.
A propósito, é preciso que não esquecer o que disse a presidenta, ao se pronunciar sobre o a bajulação cínica da revista ao candidato reacionário e neoliberal: “Mas sei qual é a filiação da The Economist, todo mundo sabe. Ela é ligada ao sistema financeiro internacional”. [4] Claríssimo que, em sendo a um só tempo meca e principal porta-voz do padrão “financeirizado” da globalização neoliberal e imperialista, The Economist simboliza tudo que é antagônico ao desenvolvimento, o progresso social e a soberania nacional.
Na atual companha presidencial, trata-se ainda de cegueira política deliberada não compreender as posições avançadas – que precisam ser enaltecidas – defendidas pela presidenta, principalmente, de não aceitação: a) da “independência do banco central”; b) da imposição e rigidez do “câmbio flutuante”; c) do cancelamento da valorização do salário mínimo; d) do ajuste fiscal à custa do povo prometido abertamente por Aécio-Armínio; e) da “reforma trabalhista” cantada em prosa e verso por essa horda de burgueses apátridas, farsantes e bastardos.
Vamos à vitória, camaradas!
NOTAS
[1] Ver: o instrutivo artigo de José Carlos Ruy, “Engels e as eleições”, (Vermelho, 26/09/2010).
[2] São passagens do artigo “A esquerda e o segundo turno das eleições no Brasil”, de Atilio A. Boron (Tradução de Renato Kilpp e Gabriel Eduardo Vitullo), divulgado nas redes sociais recentemente). O texto contém também opiniões severas do autor à trajetória do PT.
[3] Sobre essa candente – questão, que levou a alemã Merkel, junto a Dilma, apresentar documento condenando a espionagem imperialista americana -, Mel Levitsky, funcionário graúdo da espionagem norte-americana acaba de mandar esclarecedor recado “eleitoral” de seu chefão sobre o assunto, em entrevista à FSP: “Os comentários da Dilma sobre as ações americanas contra o Estado Islâmico na Síria e no Iraque [defendendo a via diplomática] foram surpreendentes”; “Lula era equilibrado e centrista, já Dilma tem uma política econômica mais à esquerda”; “a Casa Branca só vai convidar Dilma se tiver certeza que ela não vai cancelar outra vez”; “Aécio deveria ser convidado logo depois da posse. Está na hora de voltarmos a ter uma relação normal”. (Ver: “Está na hora da relação EUA-Brasil voltar ao normal”, Folha de S. Paulo, 22/10/2014, p. A14).
[4] Em: O Globo, 16/10/2014, p. 7.