Virou uma lei não escrita no Brasil que é proibido contestar as pesquisas de opinião, como se elas fossem absolutamente científicas e infalíveis. Desde 2010 está provado que não são. Naquele ano, todos os institutos de pesquisa foram incapazes de detectar a subida da candidata Marina Silva, então no PV, o que acabou estancando sua arrancada e a impediu de ir ao segundo turno, dando lugar a José Serra, do PSDB, para quem se direcionaram os chamados votos úteis. A partir daí, pessoalmente parei de divulgar pesquisas, sejam boas ou más para os meus próprios candidatos. Não posso provar que elas estejam erradas –nem que estejam certas. Portanto, passei a ignorá-las.
Em 2010, especialistas criticaram o excesso de pesquisas e afirmaram que a metodologia utilizada possui falhas graves. Chamados a explicar-se, os institutos de pesquisa admitiram que não é possível obter resultados precisos e que seriam necessários “ajustes pontuais”, mas defenderam a metodologia utilizada no Brasil, que não é a mesma de alguns países, como a Inglaterra. Segundo os diretores dos institutos, seria “inviável” usar outro método porque não há cobertura de telefonia fixa em todo o País e não seria possível fazer as pesquisas por meio de celulares porque não existem listas de proprietários dos aparelhos (veja a reportagem da própria Folha sobre o assunto aqui). Isso explicaria as eventuais discrepâncias entre as tendências de voto e o resultado propriamente dito. Não me parece uma explicação satisfatória.
Nesta eleição, os dois maiores vexames foram protagonizados pelo Ibope na Bahia e no Rio Grande do Sul. Na Bahia, o instituto errou fragorosamente o resultado pela terceira vez consecutiva. Repetiu-se o ocorrido em 2006: naquele ano, o candidato do PT, Jaques Wagner, iria, segundo o Ibope, perder no primeiro turno para o candidato do DEM, Paulo Souto; ocorreu o exato oposto e Wagner foi eleito governador na primeira volta. Este ano, no dia 4 de outubro, na véspera do pleito, após meses dando o mesmo Paulo Souto na frente, o instituto apresentou pela primeira vez um empate técnico entre ele e o petista Rui Costa. Apenas na pesquisa de boca-de-urna Rui apareceu na frente –e ganhou no primeiro turno. Detalhe: um instituto local, o Bapesp, foi ridicularizado por mostrar, todo o tempo, resultado oposto –bem como os trackings da campanha petista.
No Rio Grande do Sul, aconteceu algo pior: o Ibope conseguiu errar de forma espantosa a própria pesquisa de boca-de-urna (também errou no Rio de Janeiro). Depois de meses dizendo que a candidata Ana Amélia Lemos, do PP, era a franca favorita para vencer a eleição a governador, o instituto insistiu em colocá-la empatada em segundo lugar na pesquisa feita no próprio dia da eleição, que, por ser feita na “boca da urna”, tem uma margem de erro ínfima. Apurados os votos, não só Ana Amélia não passou ao segundo turno como o vencedor foi Ivo Sartori, do PMDB, que aparecia em terceiro lugar. Tarso Genro, do PT, ficou em segundo. A diretora do Ibope, Márcia Cavallari, disse que o erro aconteceu porque a boca-de-urna “usa metodologia totalmente diferente e tecnicamente não tem o mesmo rigor”. Ora, se não tem rigor, por que é divulgada?
Chama a atenção, tanto no caso do Rio Grande do Sul quanto no caso da Bahia, que os candidatos derrotados (e beneficiados pelas pesquisas durante meses a fio) possuam ligações com as afiliadas da Rede Globo em ambos os Estados. Ana Amélia é ex-funcionária do grupo RBS; Paulo Souto era o candidato de preferência da TV Bahia, propriedade da família do falecido senador Antonio Carlos Magalhães e do prefeito ACM Neto, do DEM. Detalhe: as pesquisas do Ibope foram feitas sob encomenda das emissoras de TV. Como não ficar com a pulga atrás da orelha?
Ibope e Datafolha também protagonizaram erros no Estado de São Paulo que prejudicaram o candidato do PT, Alexandre Padilha. Padilha chegou a 18,22% na apuração final, apenas 3% a menos que o candidato Paulo Skaf, que pontuou em segundo lugar durante toda a campanha. Na última pesquisa feita pelos institutos, Padilha aparecia com 11%, segundo o Ibope –só a boca-de-urna mostrou resultado próximo à realidade, com o petista aparecendo com 20%. Segundo o último levantamento do Datafolha, que não faz boca-de-urna, Padilha teria 13%. Os 7% a menos, em média, para o PT nas pesquisas viraram uma praxe dos institutos em todas as eleições em São Paulo (clique aqui para ver um levantamento). Ratifico: apenas com os candidatos do PT a “falha” ocorre.
Alguém dirá: “mas são ninharias, apenas percentuais”. Uma ova. O fato de pontuar abaixo dos dois dígitos nas pesquisas durante quase toda a campanha trouxe uma série de prejuízos a Alexandre Padilha. A Rede Globo, por exemplo, deixou de cobrir suas atividades diariamente sob a justificativa de que o petista ia mal nas pesquisas –como um nanico qualquer. Nos telejornais da emissora apareciam apenas as campanhas de Paulo Skaf e Geraldo Alckmin, do PSDB. Para um político pouco conhecido no Estado como Padilha, é óbvio que aparecer nas telas da principal emissora de TV ajudaria a impulsionar sua candidatura.
Teve mais. Na edição do sábado, véspera do dia da eleição, a Folha de S.Paulo publicou artigos escritos pelos candidatos ao governo e simplesmente ignorou Padilha: somente Alckmin e Skaf escreveram seus textos, intitulados, respectivamente “São Paulo, terra da inovação permanente” e “Chega de pasmaceira, SP merece renovação”. Era como se o candidato petista não existisse. A justificativa dada mais uma vez foi a de que o petista pontuava mal na pesquisa que o instituto Datafolha, do mesmo grupo Folha, fez –e errou. Como compensar este prejuízo? Silêncio.
Novamente chamados a explicar as diferenças entre as pesquisas e as urnas, os diretores do Datafolha e do Ibope lançaram mão de explicações pífias. O diretor do Datafolha, Mauro Paulino, disse que as pesquisas não são elaboradas para fazer previsões, mas para “contar a história da eleição até a manhã de sábado”. Cavallari, do Ibope, foi na mesma toada, e disse que “o que se divulga representa sempre o momento para trás, não para frente”. Apelou-se até à “troca de idéias entre amigos e familiares” como fator para as discrepâncias nos resultados. Mas não era científico o negócio?
Estamos começando agora o segundo turno das eleições e é a vez de os institutos de pesquisa (assim como os veículos de comunicação a que são ligados) responderem a algumas perguntas, em nome da lisura do pleito. Se a metodologia não é a melhor possível, por que as pesquisas têm tanto destaque? Se não são feitas para acertar, apenas para “indicar tendências”, para que são divulgadas? Se são um retrato do passado, por que são tratadas pela mídia como se fossem capazes de prever o futuro? As pesquisas induzem o voto e têm o poder de modificar resultados. Isto os próprios institutos de pesquisa admitem. Deviam, no mínimo, ser tratadas com mais reserva.
UPDATE: A revista Época tirou da cartola pesquisa de um tal instituto Paraná na qual Aécio Neves aparece com 54% e Dilma Rousseff com 46% no segundo turno. Apesar de o instituto ser totalmente desconhecido, a revista da Globo destacou a pesquisa que mostra o tucano na frente curiosamente em um momento em que é necessário uma pesquisa positiva para exibir no horário eleitoral.
Publicado em 8 de outubro de 2014 em Carta Capital