“Não se mexam. Esperem aqui.” Esperamos na porta deste café de Bruxelas que fica ao lado do Parlamento Europeu. Com uma cerveja na mão, os dois agentes da manutenção da Sociedade Nacional dos Caminhos de Ferro Belgas parecem perdidos no meio da infinidade de homens de terno concentrados em seus computadores, com o crachá estrelado do Parlamento na lapela. “Tudo bem. Não vejo nenhum conhecido”, tranquiliza-se nossa informante, que hesita uma última vez, nos faz jurar sob palavra de honra que ficará anônima e depois nos leva até o fundo da sala, atrás de uma parede, antes de lançar uma última olhada inquieta em volta. Únicos locais de socialização no austero bairro europeu, os estabelecimentos da Praça de Luxemburgo, como este – que propõe como prato do dia raviólis de trufas –, atraem os poderosos: “Para um lobista, este é the place to be [o lugar para estar]”, solta um entre eles, que surpreende nossa conversa.

Nesse microcosmo, as precauções de nossa guia se explicam por sua audácia: deputados, assessores, conselheiros políticos, altos funcionários, todos, ou quase, se recusaram a nos encontrar. Em discussão em fevereiro de 2014, a “diretiva de execução da diretiva 96/71/CE” (sic) sobre o trabalho de estrangeiros terceirizados (ler mais na p. 24) trata, no entanto, de cerca de 1,5 milhão de pessoas na União Europeia. Mas o assunto se revela particularmente sensível num período de crise: esse dispositivo cristaliza parte da rejeição da Europa que podemos observar nas vésperas das eleições de maio de 2014. Como disse publicamente um relatório de informação do Senado francês, ele “pode provocar no seio da população o sentimento de uma captação de empregos por assalariados estrangeiros necessariamente mais baratos”.1 Poderíamos então imaginar que os projetos que visam emendá-lo provoquem fogosos enfrentamentos parlamentares, que os povos sejam interpelados, que o debate se alastre nas mídias… Não é esse o caminho, pois ele incomodaria a renegociação em andamento.

Os raviólis e seu cogumelo excepcional finalmente chegam. Lamentando mais uma vez nossa escolha – um bife raquítico –, nossa interlocutora começa a dar a resposta para a pergunta que nos levou a Bruxelas: como nascem as diretivas como a 96/71/CE, sobre os trabalhadores terceirizados? Aqui, “tudo começa com uma proposta da Comissão, que mantém o monopólio da iniciativa legislativa. O texto é em seguida examinado pelo Parlamento e pelo Conselho da União Europeia, que reúne os ministros dos Estados-membros. Se não chegam a nenhum acordo ao cabo de duas leituras, inicia-se uma fase de conciliação”.

Durante uma conversa anterior, um funcionário nos descreveu o processo como sendo interminável: “Os debates em plenária cansavam todo mundo. Como vocês querem que 750 deputados entrem num acordo, e como organizar debates ao vivo em 28 línguas? Tentem ironizar em português depois da intervenção de um deputado eslovaco e vocês vão entender a situação…”. Nossa “fonte” pousa seus talheres e assume um tom confidencial, com a cabeça baixa: “Demora muito principalmente porque os lobbys intervêm a todo momento. Para todos os lados, junto a comissários, ministros, deputados… e tudo isso em nome da especialidade”. Antes de retomar a postura, sorridente: “Mas pode acontecer de a União Europeia ser mais rápida e proceder mais discretamente”.

Eis a razão do aparecimento dos “triálogos”. Não previstas pelos tratados, essas reuniões tripartites informais reúnem pequenas equipes de negociadores para cada instituição colegisladora – Parlamento e Conselho da União Europeia –, com a mediação da Comissão. A renegociação da diretiva relativa aos estrangeiros terceirizados, inicialmente votada em 1996, “aconteceu neste momento em triálogo”, conclui nossa interlocutora, lendo o cardápio das sobremesas, uma ode à acrobacia gastronômica. Foi então para “acelerar o processo legislativo” que o destino de milhões de trabalhadores não foi mais decidido publicamente, mas entre poucos, numa sala… ou em um restaurante como este que acabamos de deixar.

“Justamente para propor baixos salários”

Os debates visam preencher “planilhas gigantescas de Excel”, poeticamente intituladas “documentos de quatro colunas”, diverte-se um habitué. A “proposta” da Comissão preenche a primeira coluna, o “relatório” do Parlamento fica na segunda, enquanto os “trabalhos” do Conselho ocupam a terceira. Só fica faltando conseguir fazer que a última coluna, intitulada “propostas de compromisso”, não fique em branco…

Em seus escritórios vazios, a menos de 100 metros do Parlamento, Daniel Guéguen prefere “não nomear” quais são os casos sobre os quais trabalham seus cerca de dez funcionários. Anteriormente diretor da Associação Europeia dos Produtores de Açúcar, depois do Comitê das Organizações Profissionais Agrícolas da União Europeia – Comitê Geral da Cooperação Agrícola da União Europeia (Copa-Cogeca), “a voz unida dos agricultores europeus e suas cooperativas”, aquele que hoje preside sua própria empresa de aconselhamento em lobby pragueja tanto que se esquece de beber seu café. Os triálogos? “Uma grande disfunção. Abrem a porta para os acordos ocultos: dez caras que negociam numa salinha ou num bistrô, isso é completamente opaco, é antidemocrático! São verdadeiros conclaves: no fim, temos uma fumaça branca, e o voto em plenária é apenas uma ratificação.”

Esse sexagenário bem rodado em intriga institucional nos corredores de Bruxelas sente saudade do período bendito da “transparência” legislativa, que oferecia aos lobistas “confortáveis margens de manobra. Você encontrava os deputados, eles ficavam contentes em vê-lo. Hoje, é um sistema absolutamente fechado. Fazemos, então, um trabalho novo, muito técnico, concentrado nos desk officers [funcionários de base]. Por que ir a Estrasburgo instalar uma grande equipe no bar do Parlamento e apertar mãos, se tudo acontece no triálogo?”.

A vida de Guéguen devia ser particularmente fácil para que ele reclame hoje de obstáculos intransponíveis, pois os triálogos não deixam os lobistas desempregados, como nos confirmou uma funcionária do Parlamento que disse receber, diversas vezes por semana, “telefonemas da Microsoft, da Apple, da Silicon Valley, das câmaras de comércio europeias”, todos desejosos de lhe explicar “as benfeitorias do destacamento”…

No dia 21 de março de 2012, a Comissão apresentava um projeto de diretiva de execução, um instrumento jurídico que permite evitar uma revisão completa da diretiva inicial. O “combate contra o dumping social”2 ao qual se tinha comprometido seu presidente, José Manuel Barroso, revela-se, no entanto, tão tímido que uma participante das negociações se rebelou. A resposta de László Andor, comissário encarregado do emprego, foi fulminante, e ficará gravada em sua memória: “Mas esta diretiva foi justamente feita para propor baixos salários! Você não vai matar o bebê!”.

Dezembro de 2013. Foi a vez de os ministros se reunirem no seio do Conselho. Eles chegaram a um compromisso que o governo francês apresentou como um triunfo da França: “Este dia marca um progresso para a defesa dos trabalhadores e para a recusa do dumpingsocial”,3 felicitou-se o ministro do Trabalho. O progresso, no entanto, revelou-se relativo: os controles “reforçados” não eram, pelo que se sabe, proibidos pela diretiva de 1996, enquanto os controles “reforçados” dos funcionários desligados só vão intervir no setor da construção e não levarão em consideração as numerosas terceirizações que protegem os patrões…

“É normal quando sabemos a que ponto é difícil arrancar um compromisso do Conselho”, decifra Pervenche Berès, presidente socialista da Comissão Emprego e Assuntos Sociais do Parlamento Europeu. “Na verdade, o risco era reabrir completamente o debate sobre o desligamento. Ninguém queria isso, nem Sarkozy nem Hollande, porque corríamos o risco de terminar sem nada.” A crueza da linguagem reflete a duração das relações de força: “Se tivéssemos questionado o texto de 1996, correríamos o risco de sermos atomizados. Os países que entraram em 2004 e em 20074 são loucos: para eles, essa diretiva é um nicho de resistência regulamentar quase bolchevique que entrava a liberdade de estabelecimento”, diz com arrepios um ex-aluno da École National d’Administration (ENA) próximo do caso.

Livres para jogar com a concorrência entre povos

O texto então retorna ao Parlamento, dando continuidade ao triálogo. Se acreditarmos em Olivier Plumandon, assistente parlamentar, no Conselho “tratamos com pessoas de mentalidade militar, funcionários encarregados de impor um ponto de vista”; no Parlamento, por outro lado, cada um “vive um medo permanente de ver a Europa explodir. Moral da história: os deputados acabam sempre por engolir consensos baratos”. Foi o caso em 5 de março, quanto o triálogo adotou um acordo de princípio validando as propostas formuladas pelo Conselho em dezembro de 2013.

Baratos? Preferimos aqui falar de “senso do compromisso”, uma qualidade que faria parte da cultura política de Bruxelas.5 O que confirma Berès: “Sobre a terceirização, vamos ficar com o mínimo que conseguimos ter imediatamente e vamos ver o que faremos depois das eleições europeias…”. O mais importante é preservar as quatro grandes liberdades garantidas pelos tratados: livre circulação dos bens, dos serviços, dos capitais e das pessoas. E se parece “particularmente perverso apresentar como uma liberdade o fato de que as empresas podem brincar com a concorrência entre os povos como bem querem”, azar, comenta o senador comunista Éric Bocquet. Arriscar essa hipótese no seio das instituições de Bruxelas é atrair para si unânimes reações estrondosas: “O edifício europeu está baseado nisso. Não podemos tocar”, dispara com despeito um funcionário da Comissão.

Felizmente, os povos se recordam às vezes com boas lembranças desse universo saturado de semelhantes. Foi assim que no dia 18 de fevereiro uma exposição fotográfica foi inaugurada no espaço Yehudi Menuhin do Parlamento. Jovens ensanguentados de punhos erguidos, ruas invadidas por gás lacrimogênio, fileiras de policiais ameaçadores: por iniciativa do Partido Popular Europeu eram… a Ucrânia e a multidão insurgida de Maidan que apareciam com destaque. Nos andares, procuramos em vão pelos clichês das mobilizações de estrangeiros terceirizados maltratados no seio da União Europeia. E, no entanto, dos portugueses de Manosque aos poloneses do reator pressurizado europeu (EPR) de Flamanville, passando pelos romenos da agricultura calabresa, eles são muitos…

Pierre Souchon é colaborador do Le Monde Diplomatique (França)

1  Relatório de informação n. 527 feito em nome da Comissão de Negócios Europeus do Senado sobre as normas europeias em matéria de terceirização de trabalhadores estrangeiros, por Éric Bocquet, 18 abr. 2013.

2  Discurso em sessão plenária em Estrasburgo, 15 set. 2009.

3  Comunicado do Ministério do Trabalho, do Emprego, da Formação Profissional e do Diálogo Social, Paris, 9 dez. 2013.

4  2004: Chipre, Estônia, Hungria, Letônia, Lituânia, Malta, Polônia, República Tcheca, Eslováquia e Eslovênia. 2007: Bulgária e Romênia.

5  Cf. Marc Abélès e Irène Bellier, “La Commission européenne: du compromis culturel à la culture politique du compromis” [A Comissão Europeia: do compromisso cultural à cultura política do compromisso], Revue Française de Science Politique, n.3, Paris, 1996.