Seis meses depois que um ‘fechamento’[1] forçado do Executivo dos EUA obrigou-o a improvisar uma visita à Ásia, o presidente dos EUA Barack Obama volta ao continente que cresce, para consolidar o engajamento de Washington com a região do Pacífico Asiático.

A visita a quatro países acontece no contexto da política chamada de “reequilibramento [pivoteamento] para a Ásia” do governo Obama, que sugere uma disposição dos EUA para redirecionar prioridades e recursos para o outro lado do Oceano Pacífico.

Washington tem boa razão para pivotear-se na direção da Ásia. A Ásia é hoje a usina de energia da economia mundial; ali estão importantes aliados dos EUA e grande quantidade de significativos interesses dos EUA. País que não veja ou, mesmo, que desconsidere o papel da Ásia, sabe que as consequências pesarão sobre ele mesmo.

Mas isso não é tudo. Por trás da fachada de pragmatismo, há o fator China. Por mais que Washington repetidamente negue, a estratégia de pivoteamento/“reequilibramento” encobre esquema cuidadosamente calculado para engaiolar o gigante asiático que não para de crescer, reconvocando os aliados dos EUA e reforçando a presença norte-americana.

Se, por fora, a lógica de Washington sugere uma potência adaptável e de visão ampla, o que se vê por dentro é a superpotência míope e esclerosada, que se deixou ela mesma aprisionar, pela história recente, numa posição de confrontação belicista, obnubilada por pseudo realismo falsificado e ultrapassado, que a impede de ver que a China orienta-se necessariamente para a paz, não para a guerra.

Esse traço de duas caras é perigoso e insustentável. Com a paisagem asiática já dramaticamente transformada, os EUA têm de libertar-se de suas algemas históricas e filosóficas e atualizar sua política para a Ásia; têm de alinhá-la com as novas realidades, seja para benefícios dos próprios EUA, seja para benefício da região e de todo o planeta.

Como primeiro e mais importante item dessa reformatação que já virá atrasada, Washington que trate de respeitar os interesses centrais e legítimos da China; e que se dedique a trabalhar séria e genuinamente com Pequim para construir confiança mútua e melhorar nossas relações bilaterais.

A interação entre as duas maiores economias é o relacionamento bilateral mais importante, hoje, no mundo. Por isso, apesar de Obama ter ignorado a China nessa sua viagem, a China não ignora Obama[2] em suas andanças com anfitriões japoneses, sul-coreanos, malaios e filipinos.

A dedicação dos dois pesos-pesados, para cultivar um novo tipo de relacionamento entre grandes potências, é estrategicamente estimulante. Mas Washington tem de fazer, em vez de só prometer.

O mínimo que Washington tem de fazer é parar de inflar a teoria lá mesmo inventada de que haveria uma “ameaça chinesa”; e que deixe de se imiscuir, sem qualquer direito ou legitimidade, em disputas marítimas e territoriais legítimas entre a China e alguns de seus vizinhos.

Paralelamente, os EUA que reavaliem seu sistema de hegemonia anacrônica de alianças; e que parem de insuflar parceiros seus, como Japão e Filipinas – que têm inflado as tensões regionais com movimentos de provocação.

Reforçadas pelo – ou, pelo menos, aproveitando-se do – pivoteamento dos EUA para a Ásia, Tóquio e Manila tornam-se mais agressivas e mais beligerantes nos contatos com Pequim nos mares do Leste e do Sul da China.

Em claro sinal do atraso desses malfadados aliados de Washington, o primeiro-ministro do Japão Shinzo Abe e número alarmante de altas autoridades japonesas prestaram homenagens, nos últimos dias, no Santuário Yasukuni, à memória de 14 criminosos de guerra japoneses, julgados e condenados depois da 2ª. Guerra Mundial.

Essas visitas e as homenagens, que ofendem China, Coreia do Sul e outras vítimas do Japão militarista, aconteceram na véspera da visita de Obama – e apesar de o governo dos EUA ter explicitamente suplicado a Tóquio que mantivesse as coisas bem separadas.

A bofetada que o Japão aplicou a Obama deve bastar para arrancar Washington das ilusões em que vive e trazer os EUA de volta à realidade. Esses efeitos colaterais de seu modus operandi na Ásia é que são a ameaça real; e devem ser o principal objetivo das preocupações dos EUA, a serem contidos.

É mais que hora de Obama enviar mensagem clara à Ásia e ao mundo: ele só terá feito por merecer o autoatribuído título de “primeiro presidente pacífico/do Pacífico dos EUA”, se reformatar seu país e o transformar em ator construtivo e responsável na região do Pacífico Asiático. ****

[1] Orig. government shutdown [lit. “trancamento” do Executivo, pelo Congresso]. Acontece quando o Congresso decide não aprovar ou rejeitar as leis necessárias para que as operações e agências do Executivo recebam os fundos necessários para operar. A Constituição dos EUA determina que, em caso de as leis do Orçamento não serem aprovadas no prazo fixado, o Executivo Federal tem de “trancar”, ou providenciar a extinção, das unidades/atividades afetadas (mais sobre isso, em http://en.wikipedia.org/wiki/Government_shutdown) [NTs].

[2] Notícias chinesas sobre as andanças de Obama, em http://search.news.cn/language/search.jspa?id=en&t1=0&t=1&ss=&btn=0&ct=Greece&n1=Japan&np=content

Publicado em 23/4/2014, Xinhua, Pequim
http://news.xinhuanet.com/english/indepth/2014-04/23/c_133282220.htm

Tradução do coletivo Vila Vudu