O México quebrou em 1995 e o Brasil quase quebrou com a crise cambial de 1999. O México foi promovido na semana passada pela empresa de classificação de riscos Moody’s, recebendo o grau A para títulos da dívida do governo, reservado até então na América Latina apenas ao Chile. O Brasil teve sua nota colocada em perspectiva negativa pela Standard & Poor’s e pode ser rebaixado sem perder seu grau de investimento. As idiossincrasias das agências é o que explica as diferenças de tratamento dedicado aos dois países.

Dos quatro motivos para a promoção do México pela Moody’s, três se referem às reformas aprovadas pelo Congresso e seus prováveis benefícios. As reformas – abertura no setor de petróleo, tentativa de quebra de monopólios privados nas telecomunicações, aperfeiçoamento do sistema de ensino e nova lei fiscal- não foram regulamentadas ainda, e é ignorado o quanto do ímpeto reformador inicial subsistirá. Mas as duas primeiras dessas reformas já foram feitas há mais de uma década pelo Brasil, durante o governo de Fernando Henrique. A instituição de um sistema meritocrático na educação foi implantada há algum tempo em vários Estados brasileiros.

Com base na reforma, a Moody’s diz que a capacidade de crescimento do México, que ficava abaixo dos 3%, se elevou para 3,5% a 4% (a do Brasil, segundo o FMI, volta a 3,5% em breve). Para a Moody’s, as reformas representam uma “mudança estrutural cujo significado para o perfil de crédito do México provavelmente será comparável ao do Nafta em alguns anos”, isto é, se aproximará mais dos EUA e do Canadá. A afirmação é de um otimismo tão exuberante como temerário.

Como vigia da capacidade de pagamento das dívidas dos países, a Moody’s gostou da reforma da lei fiscal, que vai “fortalecer ainda mais um já robusto perfil fiscal”. O Fundo Monetário Internacional também dá seu aval à nova lei fiscal, mas não é tão laudatório sobre as finanças públicas mexicanas. Lá como cá, por exemplo, usou-se a “contabilidade criativa”. As metas fiscais, diz relatório do FMI, “não refletiam as necessidades de financiamento do setor público”. O governo mexicano usou significativamente “operações não recorrentes para financiar gastos”. O uso persistente dessas operações financeiras teve na prática “impacto negativo” nas finanças públicas de 1% do PIB.

O México tem um PIB de US$ 1,2 trilhão, pouco mais da metade do brasileiro, e possui uma dívida externa bruta bem maior, de US$ 372 bilhões – a pública é de US$ 270 bilhões. Na comparação, o Brasil deve US$ 312 bilhões e o setor público, US$ 121 bilhões. A dívida externa bruta mexicana equivaleu a 29% do PIB em 2013, a do Brasil, a 14%. O Brasil tornou-se, com acumulação de reservas de US$ 375 bilhões, um credor líquido, mas o México, não – suas reservas são metade das brasileiras, de US$ 184 bilhões.

Entre 2010 e 2012, o governo mexicano teve déficit primário médio de 0,7% do PIB, e não superávit, como o Brasil. E, quando obteve superávit primário, por exemplo entre 2005 e 2009, ele foi de 1,7%, inferior ao esforço fiscal brasileiro no período. O déficit nominal do México foi de 2,4% do PIB em 2013, ante 3,3% do Brasil. Uma das grandes vantagens do México sobre o Brasil é a sua baixa conta de juros, de 3% do PIB, ante mais de 5% do Brasil. Mais: a taxa real de juros que incidiu sobre o débito do governo em 2013 foi de apenas 0,3%, enquanto que o Brasil gasta no mínimo dez vezes mais que isso. O Banco Central mexicano, que estourou o teto da meta de inflação (4%) em 2009, 2010, 2012 e 2013, mantém juro real negativo. Com a inflação ao consumidor de 4,48% no ano passado, a taxa básica foi de 3,5%.

A nova lei de responsabilidade fiscal amplia o controle dos gastos e veio sabiamente acompanhada de aumento de impostos. O México pode fazer isso, o Brasil não – a receita mexicana não passa em muito da metade da média da OCDE – 18% do PIB (no Brasil, ultrapassa 35% do PIB). A reforma retira o caráter procíclico do orçamento, ao colocar limite para despesas nas épocas de crescimento – elas não excederão o PIB potencial. Para isso, foi criada uma nova categoria, a do “gasto corrente estrutural”, que cobre todas as despesas primárias, inclusive transferências a Estados, e exclui despesas automáticas, como pensões.

Boa parte dos indicadores de vulnerabilidade do Brasil é melhor que os do México. Ambos caminham perto no rating das agências e uma avaliação objetiva os manteria assim. O otimismo com o México é tão exagerado quanto o pessimismo com o Brasil.

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