Na tormentosa época atual, alguns fenômenos despontam aos nossos olhos com significativo simbolismo. Um deles, mais destacado na observação da realidade contemporânea, é o da crescente velocidade da decomposição do capitalismo especulativo, do imperialismo e da assombrosa devastação que produz em suas sombrias, violentas, prolongadas e críticas contorções.

Em antítese, desponta a trajetória do gradual revigoramento, na proporção inversa ao transcurso do tempo, das ideias e das expectativas de reversão do calamitoso processo de degradação civilizatório, desde a percepção das saídas para o imenso retrocesso mundial.

É o momento em que, entre impasses e sinais de uma caótica realidade política que sucedeu o desmonte das primeiras experiências socialistas, emerge renitente o ideário dos grandes protagonistas da humanidade que contribuíram para impulsionar à esquerda a roda da História. Nesse prumo, registra-se hoje mais um ano do desaparecimento físico de Lênin, há 90 anos, num panorama contemporâneo em que os povos miram e vivenciam um agudo momento das grandes contradições sociais e da luta de classes.

As nove décadas do desaparecimento de Lenin completam-se em pleno encontro dos donos do mundo, na patética reunião do Fórum Econômico de Davos, que se debruça sobre os escombros de sua maior obra: a ampliação da concentração e da desigualdade em patamares inéditos na trajetória do desenvolvimento social. Diante de seu voraz apetite pela acumulação, a devastadora constatação que aprofunda a tragédia social em escala planetária: um por cento dos seus capitalistas detém a metade da riqueza mundial.

Coube a uma “ONG humanitária” (Oxfam) revelar a dimensão da desigualdade social que incide sobre uma comprometida estabilidade internacional. Anuncia-se que 85 fortunas acumulam a mesma riqueza que 3,5 bilhões de pessoas — a metade da população do planeta —, num caótico ambiente atribuído sobretudo aos magnatas da gangorra financeira especulativa. De modo revelador, o dramático perfil contempla, em primeiro lugar, os EUA, onde 95% do crescimento gerado após a crise de 2008 seriam absorvidos por 1% da sua população. E, em seguida, a decadente Europa, onde as dez maiores fortunas equivalem a todos “os pacotes de resgate” que envolveram os países da região entre 2008 e 2010, num volume de cerca de 200 bilhões de euros.

O documento da Oxfam, intitulado “Working for the Few” (Governar para as Elites – Sequestro Democrático e Desigualdade Econômica), sentencia: “Este fenômeno global levou a uma situação na qual um por cento das famílias do mundo são donas de quase metade (46 por cento) da riqueza do mundo. No último ano, 210 pessoas tornaram-se bilionárias, juntando-se a um grupo restrito de 1426 indivíduos com um valor líquido combinado de 5,4 trilhões de dólares”.

Tais revelações somam-se aos indicadores expostos logo no início de 2014, segundo os quais as 300 maiores fortunas mundiais cresceram em 524 bilhões em 2013, reproduzindo uma concentração da riqueza relacionada diretamente à elevação das perdas salariais da classe operária e dos trabalhadores em geral, impactando os serviços básicos de saúde e educação, em especial, a ampliação da insegurança, da crise do endividamentos dos países, da aceleração do desequilíbrio econômico e dos conflitos sociais em todo o mundo. Ricos progressivamente mais ricos traduzem a realidade apresentada pela atualização da lista da agência Bloomberg das 300 pessoas mais afortunada do planeta.

Uma alucinante concentração e desigualdade sob a qual a única prosperidade assegurada para imensos contingentes da humanidade é a da miséria que se abate, em fome e subnutrição, segundo a FAO (Fundo para a Agricultura e Alimentação), sobre 1 bilhão de pessoas no mundo. Um ambiente no qual 14% da população mundial — um em cada seis dos seus habitantes — estão submetidos a um genocídio no qual se dizima uma criança com menos de cinco anos de idade a cada minuto, num sistema produtivo em que a produção de grãos (arroz, feijão, soja, milho e trigo) seria suficiente para alimentar mais de 10 bilhões de pessoas.

É neste ambiente que Lênin, protagonista da mais prodigiosa experiência socialista conhecida pela humanidade e o autor mais publicado e influente do século 20, rejuvenesce, redivivo na consigna da utilidade de se realizar a experiência da revolução, muito mais que escrever acerca de sua excelência. Do mesmo modo que a vida é incansável na arte de comprovar que de fato o tempo não para e, em seu curso, renova as energias das transformações indispensáveis à marcha que se antepõe à barbárie, posicionando a humanidade e os povos no rumo do progresso, da paz e da plena realização dos melhores propósitos civilizatórios.

* Desde o início dos anos ‘70 atuou no Jornal dos Esportes, O Globo, Última Hora e Diário de Noticias, nos semanários Opinião e Movimento. Assessor parlamentar no Congresso Nacional desde 1995.