Sobre a decisão do Ministro Celso de Mello quanto a aceitabilidade do agravo regimental dos réus da Ação Penal 470 algumas ponderações carecem ser feitas.

Inicialmente, não me parece adequada qualquer tentativa de adivinhação quanto ao conteúdo da decisão do Ministro. Por certo ele já declarou ponto de vista favorável a aceitação dos embargos, mas em outra feita no mesmo caso, quando decidiu, a meu ver equivocadamente, pela competência do STF para cassar mandatos de parlamentares condenados também contrariou decisão-mais que opinião-anterior sua.

Quase 30 anos de exercício da advocacia me ensinaram que por mais que coerência nas decisões judiciais seja um direito fundamental do cidadão, não é incomum juízes surpreenderem em suas decisões. O dito popular expressa sabedoria quando diz que urna e cabeça de Juiz são indecifráveis “a priori”.

Também importante lembrar que a decisão é colegiada, ou seja, independentemente do que decida Celso de Mello não é o responsável único pela decisão. Trata-se de decisão colegiada e mais 5 ministros, de qualquer forma, terão igual peso e reponsabilidade no resultado.

Estes os primeiros fatores que mostram o despudor da pressão midiática que se opõe no intuito de influenciar e até coagir o ministro a decidir contrariamente aos embargos.

O recurso de embargos infringentes incide apenas sobre decisão parcial do julgamento, aquelas que condenaram réus com 4 votos a eles favoráveis. Não tem o condão de “reabrir“ o julgamento como um todo.

É bem verdade que alguns réus poderão ter seu regime de cumprimento de pena alterado caso vitoriosos no mérito dos embargos mas, de qualquer forma, permanecerão condenados por penas pesadas nos principais crimes que foram acusados. Condenados por crimes infamantes e com penas pesadas. Isso é inalterável, é jogo jogado.

Por isso o sem sentido dos queixumes explícitos e implícitos da mídia comercial quanto à suposta leniência excessiva do STF com os réus caso aceitos os embargos. Pura pressão indevida dos veículos comerciais, pois não fundada em fatos. O que pode provocar certa insatisfação de setores sociais ao resultado eventualmente favorável é, mais uma vez, a criação de uma narrativa midiática que não guarda relação alguma com o que acontece no processo e que gera um clima histérico próprio de linchamentos e não de julgamentos racionais e civilizados.

Essa histeria, linchadora de qualquer forma, não será e não deve ser satisfeita. Num país civilizado, seu destino é a sua não satisfação em caso algum.

Decisões do STF têm natureza contra-majoritária no sistema, servindo à Constituição e não a maiorias ocasionais. Não há na teoria moderna do direito quem discorde disso. Atribuir à decisão judicial o papel de caixa de ressonância da opinião pública ou “dos contribuintes“ não é uma expressão que represente de forma adequado o papel do Judiciário num Estado democrático de Direito como o nosso.

Seja qual for a decisão do Ministro Celso de Mello, não há sentido algum em criticá-lo pela decisão.

Ao contrário de outras decisões tomadas no caso, como a meu ver a da competência para cassação de mandatos parlamentares, onde a mensagem da Constituição é clara e direta, sendo realmente equivocada a decisão adotada, no caso da aceitabilidade dos infringentes a questão é mais complexa.

Trata-se daquilo que hoje em dia se convenciona chamar de “hard case”, ou seja, um caso no qual mais de uma interpretação é possível de ser tida do texto do ordenamento jurídico aplicável e elas são contraditórias entre si.

Tanto o conhecimento como a rejeição de plano dos infringentes são posições jurídicas que contam com argumentos consistentes em seu favor.

Meu ponto de vista é pelo conhecimento dos embargos, creio que o caso exige do intérprete ponderar com valores para sua decisão, não seus valores pessoais, mas os postos na Constituição, e aí creio que o princípio do duplo grau de jurisdição deve prevalecer. Como decisão relativa à defesa em processo crime e na dúvida o entendimento em favor dos réus deve ocorrer.

Já tive a oportunidade de escrever artigo mais alongado sobre o tema, e expressaram posições semelhantes a minha juristas da grandeza de José Afonso da Silva e Celso Antonio Bandeira de Mello, certamente os dois maiores publicistas brasileiros vivos.

Mas caso o STF decida em sentido contrário, rejeitando de início os embargos por não os conhecer, não poderei afirmar que a decisão carece de inconsistência de argumentação. Nenhum dos defensores das duas posições pode seriamente afirmar isso caso haja a decisão contrário ao que postula.

Decidir é a pior das funções que minha profissão atribui a alguns. O ministro Celso de Mello, felizmente muito experiente e competente no exercício da judicatura, passa por momentos delicados na medida em que se quis deixá-lo na berlinda da opinião publicada, de forma a pressioná-lo.

Mas o que cabe dizer é que, independente de qual seja sua decisão, esta não apenas deve ser respeitada, como o ministro não deve ser sujeito a críticas intensas por seu conteúdo, pois não se trata de caso de fácil deslinde.

*Pedro Estevam Serrano é professor de Direito Constitucional da PUC/SP. É mestre e doutor em direito pela PUC/SP e pós-doutorando na Universidade de Lisboa.