A União Européia é a terceira potência econômica do mundo, mas suas elites conservadoras a colocam no 201º lugar em matéria de dignidade e civilidade. Acabam de promover uma ação que escandaliza não só por ofender o ordenamento jurídico internacional, mas por revelar a vassalagem da elite europeia aos caprichos imperiais dos EUA. Frente à hiperpotência dominante, se mostraram uma hipocolônia submissa.

Os dirigentes da Itália, França, Espanha e Portugal proibiram o avião do Presidente do Estado Plurinacional da Bolívia, Evo Morales – que retornava da Rússia depois de participar de um encontro de países exportadores de gás -, de sobrevoar os respectivos espaços aéreos dos seus países, por suspeita de estar dando carona a Edward Snowden.

Colocaram a vida do maior mandatário da Bolívia em risco, cometendo o crime de tentativa de magnicídio. O governo de François Hollande, embora tenha autorizado o plano de voo do avião de Evo em 27/06, cancelou a autorização quando a aeronave já se aproximava do espaço aéreo francês ontem, 02/07, obrigando o avião presidencial fazer um pouso emergencial em Viena, na Áustria.

O “preço de captura” de Edward Snowden vale o atentado contra um presidente de uma nação latino-americana porque ele é um cidadão estadunidense que foi técnico da CIA, depois trabalhou para uma empresa prestadora de serviços de segurança e espionagem para a CIA e denunciou ao mundo que seu país [EUA] bisbilhota e controla o tráfego de informações da telefonia, internet e redes sociais em todo o planeta.

François Hollande é daquelas lendas urbanas criadas pela mídia faceira e colonizada. Assim como com Barack Obama, que se revelou uma decepção monumental correspondente às ilusões superlativas da sua eleição, com François Hollande se sucedeu o mesmo. O alívio subjetivo do povo francês com o fim do período soturno de Sarkozy gerou mais que expectativas positivas com a vitória de Hollande, mas uma verdadeira miragem dum deserto previsível da tradição conservadora do Partido Socialista Francês, que é parte da equação neoliberal da Europa, e não alternativa a ela.
Hollande, subserviente, se agachou ante a hiperpotência que espia ilegalmente seu próprio povo através do Facebook, Google, Skype, Youtube, Twitter. Desonra a França do iluminismo, da ilustração, da racionalidade, das luzes, da democracia. E mancha a história do país com as marcas do obscurantismo obsessivo-paranoico dos EUA.

A Presidenta Dilma correspondeu ao gigantismo moral deste Brasil que “não fala fino com Washington, nem fala grosso com a Bolívia e Paraguai”, como afirmou Chico Buarque, e expressou a “indignação e repúdio ao constrangimento imposto ao Presidente Evo Morales por alguns países europeus, que impediram o sobrevoo do avião presidencial boliviano por seu espaço aéreo, depois de haver autorizado seu trânsito”.

Afirmando que essa “atitude inaceitável é grave desrespeito ao Direito e às práticas internacionais e às normas civilizadas de convivência entre as nações”, a nota da Presidenta Dilma completa que “causa surpresa e espanto que a postura de certos governos europeus tenha sido adotada ao mesmo momento em que alguns desses mesmos governos denunciavam a espionagem de seus funcionários por parte dos Estados Unidos, chegando a afirmar que essas ações comprometiam um futuro acordo comercial entre este país e a União Européia”.

E, finalizando, diz que “o constrangimento ao Presidente Morales atinge não só à Bolívia, mas a toda América Latina. Compromete o diálogo entre os dois continentes e possíveis negociações entre eles. Exige pronta explicação e correspondentes escusas por parte dos países envolvidos nesta provocação”.

A manifestação do governo brasileiro honra a grandeza do país e reforça seu papel ativo na construção de um mundo multipolar, com paz, respeito às soberanias, liberdade de expressão, sem impérios, sem imperialismos e sem colonialismos. O Brasil bem que poderia conceder o asilo político solicitado por Edward Snowden – daria um salto na afirmação desses valores e na liderança positiva do Brasil na região e no mundo.

Fossem outros os tempos, como na época de FHC, aquele Brasil colonizado e subserviente não só falava fino com Washington, como sofria a humilhação de ver seu Chanceler tirar o sapato em procedimento de revista para poder ingressar nos EUA em missão oficial!

(*) Analista político.

Publicado em Carta Maior