A Lei da Ficha Limpa trouxe importante contribuição ao adotar medidas de combate às consequências da corrupção eleitoral. Agora é necessário extirpar sua causa.   E a causa fundamental da corrupção eleitoral  está no financiamento privado de campanha. Sua superação exige uma Reforma Política. Por isto emergiu nos últimos dias a Reforma Política.

Ocorre que há propostas antagônicas de Reforma Política. Há a Reforma Política Democrática e a Reforma Política Antidemocrática, elitista. . A primeira visa aprofundar a democracia e ampliar a participação popular nas instâncias de poder. Visa, também, elevar o nível de consciência política da sociedade e consolidar partidos identificados com a as aspirações da maioria do povo. A segunda visa restringir a democracia ampliando mais ainda a presença dos representantes do poder econômico  nas instâncias  de poder. 

O Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Joaquim Barbosa, saiu em defesa de uma Reforma Política Antidemocrática.  Em entrevista à imprensa, nos últimos dias, afirmou que  “existe um sentimento difuso na sociedade em favor da diminuição do peso dos partidos políticos na vida brasileira”. Em sua fala indica concordar com esta formulação. Evidentemente uma posição antidemocrática porque não há democracia sem partidos políticos. O que se trata é de adotar medidas que criem condições para uma identificação político-ideológica dos partidos e o consequente aumento da representatividade.

Em palestra proferida no IESB (Instituto de Educação Superior de Brasília), o Presidente do Supremo havia afirmado que  “o sistema distrital permitiria uma qualificação do Congresso Nacional. Cada distrito poderia escolher pessoas, personalidades que poderiam dar grande contribuição ao país. Tenho certeza de que a representação nacional ganharia e muito com a representação dessas pessoas em qualidade”. E mais “Hoje temos um Congresso dividido em interesses setorizados Há uma bancada evangélica, uma do setor agrário, outra dos bancos. Mas as pessoas não sabem isso, porque essa representatividade não é clara”. E mais reclamou da existência de bancadas ligadas ao  setor agrário e aos banqueiros. No entanto,  sem falar na influência do poder econômico neste resultado eleitoral o atribuiu ao sistema eleitoral  proporcional .

Os defensores da Reforma Política Democrática consideram que a raiz da crise de representação está no financiamento privado de campanha. Razão da formação de bancadas representativas de grupos econômicos e da baixa representatividade das camadas populares nas casas legislativas. Apoiados pelo poder econômico os parlamentares que assim se elegem passam a defender os interesses dos que financiaram suas campanhas e não os interesses de seus eleitores. Com isto provocam uma justa indignação da sociedade que se expressa no movimento em curso.

O financiamento privado de campanha é o mais importante meio pelo qual o poder econômico exerce sua influência para compor governos e representações parlamentares à sua imagem e semelhança.

Na Audiência Pública realizada no Supremo Tribunal Federal para discutir a Ação Direta de Inconstitucionalidade da OAB sobre o financiamento privado de campanha o Deputado Henrique Fontana denunciou que os gastos gerais da campanha eleitoral de 2002  foram de 827 milhões de reais e em 2010 4 bilhões e 900 milhões. E que dos 513 deputados eleitos nas últimas  em 2010  369  estão entre os que dispunham de mais recursos  para suas campanhas.

Na mesma oportunidade o diretor de Pesquisas do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, Geraldo Tadeu, declarou que tem havido um aumento da contribuição de empresas e uma redução da  pequena contribuição de pessoas físicas. Em 2008 empresas doaram 86% dos recursos da campanha eleitoral. Em  2010  doaram 91,30% e em 2012 95,10%. Tais números são mais fortes do que qualquer denúncia da influência do poder econômico no processo eleitoral. Desvirtuando gravemente o resultado eleitoral e a vontade do cidadão.  

Além do financiamento privado de campanha determinar o perfil da representação política, ele é o canal da corrupção eleitoral que tem gerado indignação na população.

Os representantes das elites, contrários ao financiamento público de campanha ,tentam confundir a opinião pública alegando que esta medida representará gasto de recursos públicos com os políticos.

O argumento é falacioso. O dito financiamento privado, na verdade é público. O empresário que faz o financiamento privado através do ilegal “caixa dois”, porta aberta para a corrupção eleitoral, recebe através do superfaturamento de obras e muitos outros mecanismo um volume de recursos públicos é muitas vezes maior do que sua “doação” de campanha.

A alteração do sistema eleitoral é uma exigência do aperfeiçoamento do atual sistema eleitoral  e da fim do financiamento privado de campanha. O atual sistema onde as eleições são realizadas em torno de milhares de candidatos torna inviável o financiamento público.

Quanto ao sistema eleitoral existem, com variantes, duas propostas: o sistema eleitoral com lista fechada e o sistema distrital. O Ministro Joaquim Barbosa propõe o sistema distrital como alternativa para aproximar o parlamentar dos eleitores.  Tal justificativa não se sustenta porque a aproximação dos eleitores decorre, essencialmente, da defesa dos interesses da maioria da sociedade e não meramente de  uma aproximação física do eleitor. 

Ao debater sobre o sistema eleitoral, uma insuspeita liderança política, o ex-presidente Tancredo Neves, defendendo o sistema proporcional em pronunciamento num seminário realizado na UNB, em 1980, afirmou  “Tenho pra mim, com base em minha longa experiência de vida pública, sobretudo encarando o aspecto da realidade socioeconômico do Brasil, que o sistema proporcional é o único capaz, como instrumento de ação política, de promover a rápida democratização das estruturas e das instituições brasileiras. O sistema proporcional é realmente uma ação política que determina que as resistências reacionárias, conservadoras e imobilistas têm que ceder à pressão das reivindicações populares, fazendo com que a História siga sua marca implacável”.

E a história política revela que o sistema majoritário, distrital,  foi o primeiro a ser adotado. Ele tinha por objetivo escolher a representação política naquele estágio inicial da representação política.  Os eleitos representavam o poder da elite local sem nenhum compromisso com as camadas pobres da população. 

No sistema eleitoral majoritário, o país é dividido em distritos, sendo eleito o candidato mais votado de cada distrito. Este sistema distorce a vontade dos eleitores e reduz drasticamente a representação das minorias, mesmo sendo elas expressivas. Isto porque, por hipótese, um partido que obteve 51% dos votos em 10 distritos obtém as 10 cadeiras no Parlamento, ao passo que o outro partido que obtive 49% dos votos não terá nenhuma cadeira. Esta é a distorção mais grave do sistema majoritário.

O sistema eleitoral distrital, também, amplia a influência do poder econômico no processo eleitoral porque os recursos destinados à campanha são concentrados em determinada área., inviabilizando eleitoralmente os que não dispõem de recursos. E mais, impede o voto de opinião, o voto dado aos defensores de causas representativas de interesses de amplas camadas da sociedade. O voto em defesa da educação, da saúde, do transporte público de qualidade, da democracia, da soberania do país. Além de outras questões de interesses dos mais diversos segmentos da  sociedade.

Em todos os países do mundo a substituição do sistema majoritário pelo proporcional decorreu de importantes avanços políticos.  No Brasil, o sistema majoritário, distrital, foi adotado por quase 70 anos, no Império e na República Velha. A Revolução de 30 acabou com o sistema distrital e implantou o proporcional como resultado de um avanço democrático. A Constituição de 1946 incorporou em seu texto o sistema proporcional.

Além do sistema distrital puro há o sistema distrital misto, que atenua, mas não altera os problemas causados pelo sistema majoritário. Parte de seus membros são eleitos pelo sistema proporcional  e parte pelo sistema majoritário.
A ditadura militar fez várias tentativas para introduzir o sistema distrital misto. A Emenda Constitucional n° 22 de junho de 1982 estabeleceu o sistema distrital misto que não foi colocado em prática. Com o fim do regime ditatorial a Câmara liquidou com o entulho autoritário, o qual incluía o sistema distrital  misto.

Agora os setores conservadores voltam a insistir no sistema distrital misto. Este sistema é adotado na Alemanha. A conclusão é cristalina. O sistema majoritário puro ou misto visa restringe a participação popular no processo político e assegura para as elites um rígido controle sobre as estrutura de poder, afastando ao máximo a participação popular.

Não é gratuito o fato de que os setores conservadores , em sua grande maioria,  defendem este sistema eleitoral .
Já o sistema proporcional foi uma conquista da democracia. Foi o caminho adotado para alterar a composição do poder político oligárquico, assegurando o voto de opinião e a representação das minorias políticas indispensáveis à democracia.

Os países que adotaram o sistema proporcional o fizeram após uma longa experiência do sistema majoritária. São exemplos disto a Suíça ( 1890), Áustria (1919), Dinamarca( 1918), entre outros. Na França a divisão do País em distritos visou restringir o crescimento das forças de esquerda após a segunda Guerra Mundial.

Todavia o sistema eleitoral proporcional brasileiro tem uma grave distorção,  a lista partidária aberta.  Nele a disputa é feita entre os candidatos do mesmo partido já que o eleito é aquele que obtiver a maior votação. Assim trava-se uma guerra em que os comitês eleitorias se transformam em verdadeiros partidos paralelos cujo único objetivo é a eleição daquele candidato. E o poder econômico passa a ser o diferencial a garantir a eleição.

A solução democrática do problema não está em acabar com o sistema proporcional e sim em combiná-lo com o voto em lista partidária fechada e o financiamento público de campanha. O partido estabelece, através de mecanismos democráticos, sua lista de candidatos. E o eleitor vota no programa do partido e em sua lista de candidatos. Com a definição do número de cadeiras obtidas pelo partido nas eleições  estarão eleitos os primeiros integrantes da lista  correspondentes ao número de vagas.  Esta é sem dúvida a uma alternativa que permite a elevação da cultura política dos eleitores  e abre caminho para um voto consciente.

Todavia há que levar  em conta a atual cultura política do povo brasileiro para que a proposta de Reforma Política esteja em sintonia com ela. E um dos elementos desta cultura é o voto no candidato.

A Ordem dos Advogados do Brasil, o Movimento de Combate à Corrupção  Eleitoral (MCCE) e um conjunto de entidades sociais lançaram um projeto de iniciativa popular onde apresentam uma solução criativa para este problema através da eleição  proporcional em dois turnos.

No primeiro turno as eleições se dariam em torno da plataforma partidária e da lista fechada de candidatos. Neste turno estaria assegurado o debate em torno de ideias, projetos e não em torno de projeto individuais ou de grupos.

Com base no quociente eleitoral seria definido o número de vagas parlamentares a serem preenchidas por cada partido. No segundo turno disputaria o voto popular o dobro das vagas obtidas por cada partido. Assim o partido que obtivesse 5 cadeiras disputaria o segundo turno com os dez primeiros nomes de sua lista partidária. Caberia ao eleitor dar a palavra final sobre quais seriamos os eleitos.

Para assegurar a elaboração de uma lista de forma democrática seria garantido a participação de todos filiados no processo de sua elaboração.

Um dado relevante desta proposta é que ela assegura a coligação proporcional realizada com base em programas  políticos  comuns e sem nenhuma barganha como a concessão de tempo de TV.

Esta foi a proposta de sistema eleitoral apresentada à Presidenta Dilma pelas entidades acima referidas que contou com sua ampla simpatia.

Em relação ao financiamento de campanha o projeto de iniciativa popular incorpora o denominado financiamento democrático que tem o financiamento público como sua base fundamental mas admite o financiamento individual de até R$ 700,00 aos partidos políticos.

Nesta questão do financiamento considero que o financiamento exclusivo o que atende melhor ao objetivo de afastar a influência do poder econômico. As doações individuais poderiam abrir as portas para que grupos econômicos encontrem meios de realizar este financiamento, através de terceiros. Isto desequilibraria a disputa e impediria uma disputa democrática, em igualdade de condições.

Inúmeros projetos de Reforma Política foram apresentados ao Congresso e nenhum foi aprovado pela inexistência de uma maioria expressiva a favor de uma das propostas.  Com isto, na prática,  tem sido vitoriosa a continuidade do distorcido e antidemocrático sistema em vigor no País.

Daí a importância da convocação do plebiscito para a sociedade opinar sobre qual a Reforma Política que atende a seus interesses.   Os setores conservadores já se levantam contra esta proposição pretendendo apresentar um “prato feito” ao povo a ser confirmado ou não por um referendo. A obtusa alegação é a de que  o povo não tem condições de opinar sobre tema tão “complexo”.  Aí fica evidente a demagogia da oposição de querer ouvir as ruas.
A Presidente Dilma e os partidos de sustentação de seu governo confiam no povo e  pretendem ouvi-lo. Com isto estaria formado um pensamento hegemônico  sobre a Reforma Política que atenda aos seus interesses da maioria do nosso povo  e que represente um importante passo para novas e mais profundas mudanças estruturais no  País.

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Mestre em ciência política, membro do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil, diretor presidente do Instituto Nacional de Pesquisas e Defesa do Meio Ambiente (INMA)