Há uma década, o governo Lula criava a Secretaria de Reforma do Judiciário (SRJ), no Ministério da Justiça, inaugurando uma nova forma de enfrentar os graves problemas da administração da Justiça.
À época, poucos percebiam o potencial transformador da SRJ, que atingiu seu ápice na aprovação da emenda constitucional (EC) 45/2004. A nova secretaria teve papel político destacado nos trabalhos parlamentares para a reformulação das bases constitucionais da Justiça. Ali se iniciou o processo de reforma.
Apesar das resistências às inovações trazidas pela EC 45, é inegável que o Judiciário alcançou um novo patamar, como constatou esta Folha em editorial recente (“Insistir na reforma”, de 7/4).
A grande transformação se alicerçou na criação dos órgãos de controle da magistratura (CNJ) e do Ministério Público (CNMP).
O CNJ se consolidou como fiscalizador da conduta dos juízes e planejador administrativo da organização judiciária. Destacou-se atuando em temas sensíveis, como a proibição do nepotismo, e reavivou o princípio de que a Justiça deve servir ao cidadão, não a si mesma, por ser um serviço público essencial.
A EC 45/04 ainda merece elogios por realçar a autonomia da Defensoria Pública, melhorando as condições de acesso dos mais necessitados à Justiça.
A proteção dos direitos humanos também foi reforçada, pois o julgamento de graves violações pode se deslocar à Justiça Federal quando necessário.
Por meio de institutos, aumentou-se a segurança jurídica e diminuiu-se o volume de processos no STF (Supremo Tribunal Federal), permitindo que a Corte priorizasse a missão de guarda da Constituição. A duração razoável do processo foi reconhecida como mais um direito fundamental.
Nesses dez anos, várias leis processuais foram aperfeiçoadas, com a celebração de dois pactos republicanos. A iniciativa articulou os três Poderes para melhorar o funcionamento da Justiça.
O desafio continua sendo superar os entraves ao pleno acesso à Justiça. Quanto menor o poder aquisitivo de quem busca seus direitos, maior a dificuldade para realizá-los. O excesso de processos demorados afasta o Judiciário dos que dele mais precisam.
A nova fase da reforma tem, portanto, dois objetivos centrais: ampliar o acesso à Justiça e modernizar a administração judiciária. Enfoca-se o sistema de Justiça como um todo, e não apenas o Poder Judiciário.
É preciso tomar por referência o processo judicial eletrônico, contando com o apoio do CNJ. Os centros de mediação de conflitos também serão difundidos. No governo Dilma, a SRJ já vem se dedicando a essa tarefa, por meio de iniciativas como a Escola Nacional de Mediação e Conciliação.
Os novos desafios compreendem ainda fortalecer a Defensoria, vocacionada a representar os desfavorecidos em suas demandas inadiáveis.
Nosso sistema de recursos também se beneficiará de uma organização mais racional, desde que não se comprometam os direitos fundamentais à ampla defesa, ao contraditório, ao duplo grau de jurisdição e ao devido processo legal.
Trata-se de garantir maior efetividade às decisões de primeiro e segundo graus, de modo que os tribunais superiores possam se concentrar no desempenho de suas principais competências constitucionais.
O momento é de união de esforços, para superação dos problemas remanescentes. Faz-se indispensável a participação de magistrados, defensores, advogados, promotores, parlamentares, administradores públicos, pesquisadores e organizações da sociedade civil.
Só assim o sistema de Justiça se tornará ainda mais acessível, democrático, rápido e eficiente, como querem e merecem os cidadãos brasileiros.

MÁRCIO THOMAZ BASTOS, 77, é advogado criminalista. Foi ministro da Justiça (2003-2007)
JOSÉ EDUARDO CARDOZO, 54, é ministro da Justiça

Publicado em Tendências/Debates da Folha de S. Paulo de 14/5/13