Neste dia 15 de maio, completam-se dois anos da inesperada irrupção do movimento 15M na política espanhola, a partir daqueles acampamentos nas praças das principais cidades que, dando a volta ao mundo, converteram-se em um símbolo de um amplo rechaço, até então subterrâneo, da ordem existente e suas elites tradicionais.

No segundo aniversário do movimento, parece estar na moda perguntar se ele segue vivo ou não e qual é seu legado e suas conquistas, se é que elas existem. O 15M nasceu com a crise econômica e foi, ao mesmo tempo, um reflexo e um precipitador e agravante da crise econômica e institucional. De tal maneira que qualquer análise do movimento e sua evolução deve se integrar à análise da crise geral de regime que se desenvolveu nesses dois anos extremamente intensos da política espanhola.

O 15M nasceu em um contexto de decadência e lento desgaste do Partido Socialista Obrero espanhol, que, após uma primeira gestão caracterizada por uma política timidamente progressista em matéria de direitos civis, com os primeiros sintomas da crise financeira entregou seu governo ao programa de cortes e de ajuste estrutural da Troika (o Fundo Monetário Internacional, o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia, com a Alemanha na liderança), abrindo o ciclo político da austeridade. Nas sucessivas eleições autônomas, locais e, mais tarde, gerais, a direita do Partido Popular acabou ficando praticamente com todo o poder institucional — menos por méritos próprios e mais pelo desgaste do Partido Socialista, que é a quem os protestos políticos entregaram a maior fatura.

Desde sua constituição, o governo de Mariano Rajoy desenvolveu um agressivo programa político que não deve ser lido como uma soma de cortes de gastos, mas como uma ofensiva política oligárquica destinada a transformar a natureza, as funções e a composição social do Estado espanhol a favor das elites financeiras. Por um lado, em um sentido de destruição da participação — ainda que subalterna — das organizações sindicais e políticas dos setores populares no Estado, de eliminação da proteção social e dos direitos trabalhistas e sociais, e de uma massiva e regressiva redistribuição da renda em direção às minorias mais ricas.

Por outro lado, o programa de ajuste estrutural, que, na prática, entrega às instituições europeias a soberania nacional e suspende a democracia, supõe uma periferização da economia espanhola na divisão europeia do trabalho e um empobrecimento generalizado das camadas populares e médias por meio da privatização de serviços públicos e da mercantilização do que antes eram direitos ou prestações universais — educação, saúde, até certo ponto, a previdência –, o desemprego, a precarização, a alta dos impostos indiretos ou o ataque aos salários.

Esta ofensiva está tendo alguns custos sociais imensos, com mais de 6 milhões de desempregados — em um total de quase 23 milhões da população economicamente ativa –, centenas de milhares de famílias despejadas de suas casas — 185.000 apenas em 2012, em um ritmo de aproximadamente 500 por semana — que ainda se veem obrigadas a continuar pagando o empréstimo ao banco, milhares de jovens forçados à emigração econômica e um drástico empobrecimento de amplas maiorias sociais.

Neste contexto, o 15M foi o estopim principal da abertura de um novo ciclo de ação coletiva e mobilização social, que contribuiu de maneira decisiva com uma nova gramática, novos repertórios de protesto, abertos e flexíveis, de organização. O 15M converge hoje com os protestos sindicais e as “marés cidadãs” na defesa dos serviços públicos (a verde, pela educação pública, a branca pela saúde etc.) com as lutas contra os despejos. O mais relevante, em todo caso, não é medir quanta gente se mobiliza sob a “marca 15M”, mas em que medida este impactou a política espanhola.

É, sem dúvida, o terreno da cultura política onde mais se apreciam os efeitos do movimento, que produziu importantes mudanças no que Gramsci chamava de “senso comum de época”. O 15M politizou de maneira determinante “dores” ou privações que antes eram vistas como problemas privados — a falta de acesso à moradia dos jovens, a exclusão das universidades pela alta das mensalidades, a precariedade extrema que bloqueia os horizontes vitais, o desemprego etc. — e hoje são contestações contra a ordem existente e contra sua fatalidade como necessidade técnica imposta “pelos mercados”.

Além disso, foi um fator decisivo na crise de legitimidade das elites políticas tradicionais e de seus partidos-cartéis. O 15M criou, de forma sensível e acessível para as camadas menos ideologizadas, todo um novo léxico relativamente transversal que permite conectar as muitas demandas sociais frustradas e sua articulação em uma dicotomização do campo político, que situa, de um lado, uma ampla maioria mal representada e desrespeitada — o povo, o 99%, a cidadania, a gente comum, os significantes são menos importantes do que a operação de significação que cristalizam — frente a uma minoria que, apesar de suas diferenças formais, compartilha de um mesmo egoísmo e subordinação do interesse geral aos poderes econômicos de origem não democrática.

Crise do regime

O aumento da precariedade, da pobreza e do mal estar social, a acumulação de necessidades e aspirações frustradas, a deslegitimação das elites políticas — fortalecida pela opacidade dos partidos e os permanentes casos de corrupção — precipitaram uma autêntica crise de regime. É todo um modelo de Estado que entrou em uma situação de evidente decadência inclusive para os intelectuais e para os meios mais conservadores.

A transição para a democracia compactuada com a oligarquia franquista e a constituição de 1978 assinaram um grande pacto social que incluiu, de forma subalterna, as principais organizações dos trabalhadores no Estado, e constituíram um amplo consenso social que produziu — talvez com a excepção do País Basco — três décadas caracterizadas geralmente pela estabilidade e a instabilidade e a integração, marginalidade e/ou dispersão dos protestos.

É esse regime, e não apenas um governo, que entrou em crise acelerada e evidente. As tensões nas nações periféricas são difíceis de serem acomodadas no modelo territorial de Estado e se retroalimentam com uma tendência recentralizadora do Partido Popular; o modelo de desenvolvimento baseado no trabalho barato dos imigrantes, a especulação imobiliária e o turismo demonstram, com a crise, sua fragilidade, e a “lumpemoligarquia” espanhola não é capaz de pôr em prática um projeto includente de país; o sistema político, por último, se encontra transbordado pela acumulação de descontentamento que os canais institucionais e de representação não conseguem processar, pois são acumulados fora deles e disponíveis para uma contestação geral ante todo o sistema político e suas principais figuras.

No entanto, esse descontentamento crescente se desenvolve sobre um terreno marcado pela fragmentação social, crise das identidades tradicionais — começando pelas de classe — e as dificuldades das narrativas de esquerda para catalizar esse desafeto. Além disso, é produzido em um Estado com aparatos eficazes e bem untados, e com um controle notável da regulação social e do território. Portanto, uma estrutura que, apesar de seu colapso político, não desmorona ante catástrofes econômicas nem ante a multiplicação dos protestos.

A situação, então, depende da relação entre a capacidade dos atores políticos continuístas para recuperar parte dos consensos quebrados e reconstruir o maltratado bloco dominante, avançando ao mesmo tempo na mutação oligárquica e de periferia do Estado; e a fortuna e a virtú dos setores de ruptura para construir um povo e dotar-se de ferramentas políticas que permitam transformar a indignação acumulada em uma proposta de país com vontade e horizonte de poder.

* Íñigo Errejón é doutor e pesquisador em Ciências Políticas da Universidade Complutense de Madri.