Quando em 2010 o ministro Mantega usou a expressão “guerra cambial”, para caracterizar a consequência não intencional da política de afrouxamento monetário dos bancos centrais dos países desenvolvidos, foi submetido a um impiedoso ataque dos sacerdotes que se supõem os guardiões da “verdadeira” teoria econômica com relação à qual, aliás, diziam que ele teria pouca familiaridade…

Assistimos a um festival externo e interno de obviedades e cinismo. Ben Bernanke, do Fed, declarou que o valor do dólar americano flutuava “ao sabor do mercado” e que nunca fora objeto de preocupação explícita da política econômica dos EUA. Mario Draghi, do Banco Central Europeu, disse quase a mesma coisa. Revelou que o valor do euro era sim uma preocupação da política econômica da Comunidade Europeia, mas não era seu objeto.

As respostas ignoravam o problema levantado pelo ministro brasileiro. Ele nunca afirmou que havia uma política explícita de desvalorização das moedas. O que ele afirmou, e afinal verificou-se que é verdade, é que, mesmo não tendo essa intenção, a política monetária que expande a liquidez para combater a recessão produz aquele efeito colateral. E o que importa é o efeito da medida, não a sua intencionalidade.

Pois bem. Um recente e competente trabalho dos economistas Reuven Glick e Sylvain Leduc (“Unconventional Monetary Policy and the Dollar”, abril, 2013), do Federal Reserve Bank de San Francisco, concluiu que, “mesmo quando o Fed não objetiva o dólar, o anúncio de mudanças na política monetária pode alterar o seu valor. Antes da crise financeira de 2007-2009, o valor do dólar costumava cair quando o Fed reduzia taxa básica (“federal funds”). Desde a crise, os anúncios da expansão monetária, através de mecanismos não convencionais (o “monetary easing”), têm tido efeito semelhante no valor do dólar”.

O trabalho mostra que as “surpresas” produzidas pelo aumento da liquidez que resulta da política monetária laxista têm um efeito substancial sobre o valor do dólar. “De fato –conclui o artigo–, um afrouxamento monetário não esperado que reduz em 1% a taxa de juros dos bônus do Tesouro de longo prazo, produz, em 30 minutos, um declínio de 3% do valor efetivo do dólar”.

Como todo trabalho econométrico, este também espera contestação. Enquanto ela não vier temos de nos render ao fato de que o ministro tinha alguma razão.

Isso mostra como é ilusória a ideia que, em algum lugar ou em algum tempo, tenha existido um sistema de câmbio livremente flutuante, independente das políticas fiscal e monetária.

“O câmbio” foi publicado em coluna da Folha de S. Paulo em 24/4/13