No próximo dia 27, a Islândia elegerá seu próximo governo. Símbolo do sucesso de políticas heterodoxas no combate à crise financeira atual, a ilha escandinava ostentou um crescimento de quase 2% em 2012, com um desemprego de apenas 5,8%. Ela já vinha de um crescimento de 2,6% em 2011.

Sem desmontar seu sistema de assistência social mesmo nos momentos mais dramáticos da crise, a Islândia foi laboratório de políticas inimagináveis em outros países europeus.

Por exemplo, famílias cujo valor global de suas dívidas bancárias ultrapassavam o valor de 110% de seus imóveis tiveram tais dívidas perdoadas. Algo muito diferente de países como a Espanha, generosa em cenas de famílias sendo despejadas de suas casas para pagar empréstimos bancários.

Em um plebiscito histórico, a população recusou-se a transformar a dívida privada dos bancos em dívida soberana do Estado. Como os bancos islandeses foram generosos em empréstimos para ingleses e holandeses, uma decisão dessa natureza equivalia a uma declaração de guerra contra os governos dos dois países. Mesmo assim, há três meses, a corte da EFTA (The European Free Trade Association) deu ganho de causa aos islandeses afirmando que o Estado não tinha obrigação alguma de pagar a conta de seus bancos. O peso de tal dívida teria quebrado completamente a capacidade do Estado de reaquecer a economia.

Como se não bastasse, os islandeses compreenderam que a melhor resposta política contra a crise não era entregar o governo para tecnocratas, como vimos na Itália e na Grécia, mas reforçar mecanismos de democracia direta, transparência e controle popular. Assim, um processo de forte participação deu ensejo a uma nova Constituição, que garantia a posse estatal dos recursos do país e ampliava o controle da população sobre os governos.

No entanto, todas as pesquisas de opinião demonstram que a coalizão esquerdista no governo provavelmente perderá as eleições. Há de se perguntar a razão para tal aparente paradoxo. Paradoxo ainda maior se levarmos em conta que boa parte do descontentamento com o atual governo está em sua “excessiva contenção”. Foi por isso, por exemplo, que a mais influente central sindical da Islândia (ASÍ) retirou seu apoio.

Mas o paradoxo se dissolve se lembrarmos que os islandeses perceberam que poderiam ir mais longe. Por exemplo, a decisão de colocar a negociação com os bancos em plebiscito foi uma decisão do presidente contra o Parlamento, comandado pelo governo. A partir deste momento, a batalha simbólica pela ousadia foi ganha pelo presidente. O Parlamento apareceu como “excessivamente contido”. O mesmo Parlamento que agora irá embora.

Publicado na Folha de S. Paulo