Com dois comediantes a comandar as rédeas da política, Beppe Grillo e Silvio Berlusconi, a Itália poderia ser vista como uma grande ópera-bufa. No entanto, há momentos em que o único lugar onde a verdade está a ser contada é exatamente na comédia. Por isso, há ao menos três lições importantes a serem tiradas da última eleição italiana.

A primeira diz respeito à esquerda italiana e sua incapacidade congênita de absorver o descontentamento social com uma política suicida de austeridade imposta pelo sistema financeiro europeu por meio de um “governo de tecnocratas”. Tal incapacidade é o lado trágico da ópera-bufa e apenas coloca em lente de aumento a indigência programática de boa parte da esquerda europeia. Uma esquerda que, no fundo, se tornou o verdadeiro partido da ordem.

Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, a Itália emergiu com o mais dinâmico Partido Comunista do Ocidente. Crescendo de maneira constante em todas as eleições, o PCI governou por anos regiões como a Úmbria, Toscana e Emília-Romanha ou cidades como Bolonha. Criou uma bem-sucedida política de desenvolvimento econômico e justiça social. Crítico do modelo soviético, o PCI chegou a se colocar contra a invasão da Hungria em 1956. Tudo isso lhe valeu, ao final de uma curva ascendente terminada com a eleição de 1976, 34% dos votos. A Itália só não teve um governo comunista porque o caso Aldo Moro mudou de vez o destino de sua história.

Para fazer frente ao PCI, a direita italiana, impulsionada pela influência brutal da Igreja Católica na política da Península, era obrigada a construir alianças heteróclitas e instáveis. Dificilmente, um primeiro-ministro italiano durava mais de um ano no cargo. Como se descobriu, na década de 1980, com a Operação Mãos Limpas, a relação dos partidos da direita italiana com a máfia era simplesmente umbilical. Quando essa relação ficou evidente e tais partidos foram varridos do mapa, a esquerda conseguiu, a partir de 1996, governar pela primeira vez com a participação dos comunistas.

No entanto, para mostrar sua capacidade de governar “de maneira responsável”, ela implementou todos os ajustes fiscais que permitiram à Itália entrar na Zona do Euro. Nenhuma criatividade política, apenas a adoção escrupulosa de um programa que poderia ter sido realizado por qualquer partido de direita. Assim, a partir daí, a esquerda italiana se transformou no partido da ordem, a ponto de a liberal The Economist ter apoiado na última eleição, vejam vocês, o ex-comunista Pier Luigi Bersani.

Nesse contexto, Berlusconi apareceu como aquele capaz de representar a revolta contra a lei, contra a política, contra os impostos. Vale para ele o que o filósofo Max Horkheimer falava sobre o fascismo: a rebelião contra a lei institucionalizada ganha a forma de um poder que expõe, a todo momento, sua ausência de lei. Poder que convida à reação individualista do “salve-se quem puder”.

Sua surpreendente votação atual não é resultado de alguma forma de crença popular em suas capacidades administrativas. Todas as vezes que governou a Itália, a economia estagnou e a renda deteriorou. A grande vantagem de Berlusconi é que você pode votar nele sem precisar de nenhuma convicção ou crença. Ele é a garantia de que a lei será reduzida à sua condição de aparência.

O que aparece como a última defesa daqueles que sabem que não é possível levar a sério as promessas do poder e a racionalidade da economia atual. A fraqueza da esquerda italiana e a força de Berlusconi vêm do fato de o segundo compreender que a política é a mobilização contínua da antipolítica, da revolta contra os limites da política atual. Essa é a segunda lição das eleições italianas.

Por essa razão, por mais paradoxal que possa parecer, o advento de Beppe Grillo é o choque do qual a Itália não tinha como escapar. Ele mostra, primeiro, que uma política de austeridade que deixa 37% dos jovens italianos sem emprego e, mesmo assim, é saudada pela grande imprensa como um sucesso, só pode ser vista como uma piada maior do que um comediante no poder.

Segundo, ele lembra uma verdade: não há escolhas possíveis dentro do sistema político italiano. Por isso, nessas condições só resta voltar a política popular para a sua fonte originária. Essa fonte indicada pelo italiano Maquiavel, segundo quem o povo sempre sobe à cena da política para dizer “não”.

No entanto, esse “não” bruto não pode ser desconsiderado como reação irracional. Ao contrário, ele é profundamente racional. Se ele aparece na Itália como “nem de direita nem de esquerda”, é porque todos os extremos foram testados nos governos, desde os comunistas até os neofascistas aliados a Berlusconi.

Contrariamente à França, que jogou o descontentamento para os extremos do espectro político (Front National e Front de Gauche), a Itália não tinha mais os extremos livres. Só restou a brutalidade de um “não” sem predicados. Ele pode ser o primeiro momento para a reinvenção necessária da política. Essa é a terceira lição vinda da Itália.