Publicado jornal Valor Econômico em 12/03/2013

Na luta contra o processo inflacionário que se trava hoje no Brasil, além das causas físicas evidentes, que continuadamente desequilibram a evolução da oferta e da demanda globais, emerge – poderosa e de difícil controle – a “expectativa” da sociedade sobre o seu futuro. Uma vez estabelecida, induz o comportamento de todos os agentes econômicos a tentar anulá-la, antecipando a correção do seu poder de compra.

Desse desejo não se livra nem o governo, que indexa e antecipa os seus tributos. Consequentemente, a inflação de hoje depende, de alguma forma, da inflação de ontem, corrigida por fatores que tenham importante impacto sobre ela como, por exemplo, um aumento do desemprego produzido pela política econômica.

Não é de estranhar que todos os modelos da macroeconomia construídos depois de Keynes, em 1936, envolvam alguma forma de modelagem das expectativas. Na proposta original, elas estavam escondidas nas inexplicáveis variações do “espírito animal” dos empresários.

Em seguida, introduziu-se explicitamente a hipótese de que as expectativas eram adaptativas, o que gerava uma dinâmica com resultados medíocres. Era cada vez mais evidente que os economistas estavam diante de um conceito fugidio, que não sabiam como se formava.

A brilhante ideia de que a explicação da formação das expectativas deveria ser feita a partir da análise do comportamento do agente maximizante, que supostamente tinha completo conhecimento de si e de sua circunstância, descarrilou a macroeconomia.

O conceito de incerteza essencial de Keynes foi submetido, por John Muth (1961), a uma modelagem (que ele chamou “Rational Expectations”), onde se afirma: “As expectativas das empresas (ou, com maior generalidade, a distribuição subjetiva de probabilidade dos possíveis eventos) tendem a ser distribuídas, para o mesmo conjunto de informações, em torno da previsão da teoria (a probabilidade objetiva da distribuição dos eventos)”.

Está morta a ideia de que todos conhecem o modelo

A partir daí deu-se a melódia! Sem pedir licença, Robert Lucas (1972) aplicou a ideia à macroeconomia e dela deduziu a fantástica proposição de que a ação do governo não influenciava o comportamento dos agentes. Como praga, as “expectativas racionais” dominaram a imaginação da profissão, com suas teorias do “ciclo real”, do “mercado perfeito” etc.

No fundo, a hipótese das “expectativas racionais” resume-se a uma absurda proposição que joga fora a criança com a água do banho:

1) o “modelo” usado pelos agentes para tomarem suas decisões e prever o futuro é o construído pelo economista (ou seja, por ele, Lucas!); 2) as expectativas dos agentes, portanto, serão realizadas. O problema da incerteza essencial teria sido inventado por mentes menores, como a de Keynes (e de Knight), mas não resistiu à genialidade de Lucas.

O grande idiota foi Karl Popper, que em 1990 (depois de 18 anos da descoberta de Lucas!) ainda insistia que “mesmo deixando de lado o fato de que não conhecemos o futuro, esse é, objetivamente, não fixado. O futuro é aberto: objetivamente aberto”.

Além disso, como nos ensinou o grande Georgescu-Roegen (1971), é mais do que duvidoso utilizar as distribuições estatísticas (que podem valer para um mundo ergódico) nas áreas de ciências sociais.

Com os resultados obtidos pelos construtores da modelagem das “expectativas racionais” não há como deixar de concordar com Clower, que em 1989 disse: “A economia está tão distante de qualquer coisa que remotamente pareça o mundo real que é às vezes difícil para o próprio economista levá-la a sério”.

Aliás, em 2008, o sólido Solow (“The State of Macroeconomics”) perguntava o que justifica essa paixão dos economistas, que “desejam que tudo seja deduzido do egoísmo, da racionalidade e do equilíbrio, sem prós ou contras e sem exceções”… “senão que ela leva à recomendação do “laissez-faire”, que se ajusta como uma luva à virada política que se iniciou nos anos 70 e que pode, ou não, estar terminando agora?”

Aleluia! o recentíssimo livro editado por Roman Frydman e Edmund Phelps (“Rethinking Expectations”, Princeton University Press, 2013) canta a separação da economia da esdrúxula doença da “expectativa racional”, que a empobreceu e a retirou de caminho mais modesto e, provavelmente, mais frutífero. Trata-se de um verdadeiro réquiem para embalar o seu tardio desaparecimento.

Pela primeira vez, a nova modelagem, que vem sendo construída cuidadosamente pelo próprio Roman Frydman e Michael Goldberger, pelo nome de Imperfect Knowledge Economics (IKE), é exposta juntamente com outras alternativas da realidade em que vivemos, não do mundo imaginário.

Primeiro, a informação não é perfeita. É ajustada a cada nova observação e não tem nada a ver com modelos desenvolvidos pelos economistas. A hipótese de expectativas racionais (HER) supõe um modelo “verdadeiro”, resultado do consenso entre economistas construído em torno de Lucas e sua tropa (Thomas Sargent, Finn Kydland, Edward Prescott e outros menores), que deve ser incorporado e obedecido pelos agentes.

Segundo, o papel da “calibragem” será minimizado. Terceiro, o modelo admite que há no mundo especuladores, inovadores e é aberto à emergência. Nele, os agentes formam suas expectativas com base em informações imperfeitas.

Assim, está morta a ideia de que todos conhecem o modelo e que suas informações vêm da única e infalível teoria do mundo (a HRE). Requiescat in pace.

Não esqueçamos que a absurda HER continua bem viva nos modelos da maioria dos nossos economistas. É por isso que devemos tomá-los cum grano salis…

Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento.