Os líderes europeus foram polidos nas suas respostas, mas deixaram claro que não farão concessões à velha Albion para que permaneça. Foram delicados demais. No fundo de suas almas devem estar dizendo: “Que se vá”. A UE é a mais extraordinária obra de engenharia política de que tenho notícia.

O fato de estar em crise por ter dado um passo em falso -haver criado prematuramente o euro- não muda em nada a incrível realização política que foi associar e tornar solidários países que durante séculos guerrearam entre si.

O Reino Unido entrou tardiamente na União Europeia, em 1973, e desde a sua entrada constituiu-se para esta mais em um passivo do que em um ativo. De Gaulle sabia que seria assim, e sempre se opôs.

Constituiu-se em um passivo porque o objetivo dos fundadores da UE foi sempre o de gradualmente formar um Estado, mas o Reino Unido, associado aos EUA, sempre se opôs a todos os grandes passos que a UE tentou dar nessa direção.

Ao mesmo tempo, sempre advogou, juntamente com os EUA, sua ampliação com a incorporação de mais e mais membros, porque sabia que, dessa forma, tornava-se mais
difícil dar a todo o sistema político a coesão social necessária para transformá-lo em um Estado.

Sua decisão de não entrar no euro quando este foi criado foi acertada, mas também expressou essa atitude geral do país em relação ao projeto europeu.

Quando, em 2005, um referendo na França e outro na Holanda recusaram a aprovação da nova Constituição, a revista “The Economist” manifestou literalmente seu regozijo, afirmando que essa recusa havia sido uma vitória para seu país.

Recentemente o governo Cameron se opôs ao novo sistema de regulação bancária adotado pela União Europeia.

Agora, diante da crise da Europa e da diminuição do apoio ao projeto europeu que essa crise desencadeou, o premiê britânico adota uma estratégia eleitoral, e se compromete a realizar um plebiscito depois das eleições.

E, em seu discurso, falou da “decepção pública” com a UE, e da “decadência dos padrões de vida” da população devido a decisões tomadas “muito longe dela”.

Eu creio que ele está cometendo um erro grave. O Reino Unido perderá mais do que a União Europeia com a sua saída. “The Economist” não tem dúvida a respeito.

Em 8 de dezembro, afirmou que esse seria um erro, que “os ganhos seriam largamente sobrepujados pelos custos da saída britânica”.

Cerca de 50% das exportações do país são para o restante da União Europeia, e estas exportações certamente sofrerão com esse “desastre em câmara lenta” que está sendo o processo de saída.

Mergulhada na sua crise -na crise do euro que a mantém estagnada-, a Europa precisa da união de seus membros. Cameron caminha na direção oposta; aproveita a crise, ao invés de contribuir para sua solução. Assim o seja. Um Reino Unido que não sabe ser solidário não interessa à União Europeia.

*Luiz Carlos Bresser-Pereira é professor emérito da Fundação Getúlio Vargas, onde ensina economia, teoria política e teoria social. É presidente do Centro de Economia Política e editor da “Revista de Economia Política” desde 2001. Foi ministro da Fazenda, da Administração e Reforma do Estado, e da Ciência e Tecnologia. Escreve a cada duas semanas, aos domingos, na versão impressa de “Mundo”.