Esta opção foi adotada pelo presidente Lula já em 2008, ao introduzir políticas sociais que contribuíram, decisivamente, para o ingresso no consumo (e por esta via na cidadania) de milhões de brasileiros antes marginalizados pela pobreza e pela concentração de renda.

Quando escrevo ‘ingresso no consumo’, estou me reportando não só ao acesso aos bens duráveis, ou à chamada ‘linha branca da indústria, mas também ao acesso de milhões de jovens ao ensino universitário (ainda que precário) e mesmo ao lazer, de que são exemplo os aeroportos repletos de pobres, para incômodo de nossa classe media, que, todavia, passou a viajar mais e viajar para o exterior, mesmo após a desvalorização do real. Em outubro último os gastos dos brasileiros no exterior romperam a casa dos 2 bilhões de dólares.

Anualizado, quanto dará?

O fato é que, em plena crise capitalista – crise estrutural e de longa duração–, e ainda crescendo muito aquém do que precisamos (a previsão do Banco Central para o PIB caiu de 1,27% para 1,03% em 2012 e de 3,7% para 3,5% em 2013) logramos conviver com uma economia de virtual pleno emprego, e, por isso, ainda imune ao baixo crescimento e às indicações de aumento da expectativa de inflação que, segundo o Boletim Focus, subiu de 5,43% para 5,58%.

Não esteve longe do governo a compreensão de que essa política, para sobreviver, careceria de sustentação estrutural, esta representada por investimentos públicos e privados, principalmente nas áreas de logística e infraestrutura geral (por exemplo, rodovias, aeroportos e portos) fundamentais para reduzir os entraves à circulação de pessoas e de mercadorias, e naqueles segmentos de maior efeito multiplicador na geração de empregos, como a construção civil. Todas, medidas tendentes a assegurar um melhor aproveitamento das potencialidades de nosso mercado interno. Daí, pari passu, os incentivos à indústria de transformação (os setores automobilístico e de bens de consumo doméstico), as desonerações fiscais, e, principalmente, o PAC, este, porém, desde sua origem, remando contra as estruturas do arcaico Estado brasileiro, a gritar por uma reforma que lhe dê um mínimo de eficiência.

Essa política não apenas teve continuidade no governo Dilma como chegou mesmo a ser aprofundada, quando a presidente decidiu confrontar os banqueiros e forçar a queda da taxa dos juros reais, uma das causas do estrangulamento de nosso desenvolvimento, contra a qual tanto se bateu o saudoso José Alencar. A queda dos juros visava, a um tempo, a abrir condições para o investimento privado e ao aumento do consumo (determinando o aumento da produção), para o que foi decisiva tanto a política de redução das tarifas cobradas pelos bancos estatais (que o tucanato queria ver privatizados), quanto a continuada política de desoneração de impostos.

A presidenta Dilma, todavia, não ficou aí, pois rompeu com a era Meireles e recolocou o câmbio em patamares toleráveis, restituindo ao produto brasileiro um mínimo de competitividade nos mercados interno e externo.

A indústria, porém, não respondeu como era justo esperar. Após um tímido crescimento no primeiro trimestre de 2011 (o primeiro ano de Dilma), crescendo 0,7%, inicia, já no semestre seguinte, um ciclo de queda (0,1%) que chega no segundo trimestre de 2012 a -0,9%. Mesmo considerando a reação prevista pelo BNDES (1,0 e 1,7% no dois últimos trimestres deste ano), teremos, no ano, uma queda de 2,4%, e, dado ainda mais preocupante, no trimestre agosto-outubro de 2012, em comparação com igual período de 2011, sabemos que a produção da indústria de bens de capital conheceu uma redução de 2,0%.

Os empresários não estariam acreditando na recuperação do setor?

Uma vez mais a resposta do mercado interno será decisiva (embora sua elasticidade, por óbvio, não seja infinita), pois as expectativas oferecidas pelas exportações, tanto de commodities quanto de produtos manufaturados, são, para dizer o mínimo, desanimadoras. Ainda em 2012, a balança comercial deve fechar sem saldo apreciável e este é o preço de um regime de exportações fracas, explicável pelas dificuldades da indústria, pela queda no preço de commodities (cujas exportações também caíram em termos de volume), somadas às barreiras impostas pela Argentina. E os jornais anunciam ameaças russas e iranianas à importação da carne brasileira

O mercado externo. A Comunidade Europeia (manietada pela ausência de alternativas fiscais e cambiais) associa à autofágica recessão (os dois únicos países a crescer foram a Alemanha, a apenas 0,7%, e a França a 0,5%) uma deliberada política de promoção da produção de excedentes exportáveis com a redução de consumo (donde a perseguida queda das importações). Há um consenso, nesse terreno onde o consenso é quase uma impossibilidade: a Europa viverá em 2013 mais um ano de estagnação econômica construindo um rastro de conflitos sociais.

Os EUA vivem seu drama, com o impasse das negociações em face do chamado ‘abismo fiscal’. A ausência de acordo até janeiro determinará cortes no Orçamento (estimam-se cortes na máquina de guerra da ordem de 50%), o fim das isenções e o aprofundamento do conflito entre o Congresso, travado pela disputa entre republicanos e democratas, e a Casa Branca. Segundo mesmo economistas conservadores, o resultado da persistência do impasse serão cortes de US$ 600 bilhões de dólares nos gastos públicos e aumento de impostos. Nesta hipótese, da ausência de acordo, a melhor estimativa é uma redução do PIB em 0,5%. Com ou sem acordo, haverá uma retenção de gastos, e é fácil prever a redução das importações como conseqüência inevitável da queda do ritmo de crescimento da economia.

O mais sensato é esperar dos EUA o que já é fato na Europa: uma agressiva política de exportações. Nossa balança, com eles, já é deficitária.

O Japão, com o PIB caindo 3,5% no terceiro trimestre de 2012, ingressa em sua quinta recessão em 15 anos. Da China – mesmo considerando que ainda está por ser decifrada a política do novo comitê central do Partido Comunista— é possível admitir a continuidade de uma agressiva política de exportações (seu superávit comercial recuou quase 39% em novembro, ficando em US$ 19,6 bilhões, contra os US$ 32 bilhões de outubro) e redução de investimentos, donde menores importações de commodities minerais. Deverá, porém, continuar como uma grande compradora de alimentos, carne e soja. Especialistas prevêem, em 2013, um crescimento por volta de 7,5% (baixo apenas em relação à sua história recente) mas a taxa de investimentos cairá para 40%, mesmo assim ainda mais do que o dobro da brasileira.

Os dois desafios

Estaria aí, nos baixos investimentos, o nó górdio da questão? Sim, a questão que se coloca é esta: o país fez sua parte, como ressalta a presidenta Dilma, mas o empresariado não respondeu. E, ressalte-se a favor do governo, não são pequenos os ganhos de nossa economia nos últimos 12 anos: manutenção do pleno emprego, desoneração de impostos como conseqüência da redução dos gastos com o serviço da dívida, decorrência importante da política de redução de juros (juros esses aliás que, no mercado internacional, nunca foram tão baixos), e a anunciada redução das tarifas de energia elétrica. Não obstante, eis a esfinge, o capital privado nacional e estrangeiro, não aumentou seus investimentos, que caíram de 22% do PIB no segundo trimestre de 2008 para algo como 18% no terceiro trimestre de 2012.

A questão não é curial, simplesmente porque não se encerra nesse desafio, pois também capengam os investimentos públicos, e aí o problema não está nas decisões governamentais, corretas, mas na sua execução, baixíssima. Os investimentos públicos, de que tanto dependemos, esbarram numa estrutura burocrática perversamente montada para consagrar a ineficiência e a irresponsabilidade. Estrutura que o governo de centro-esquerda, que a herdou, ainda não encontrou meios de desmontar.

Esta conjunção é perversa e ameaçadora, pois, para voltarmos a crescer a pelo menos 5% ao ano (e não podemos admitir meta inferior), precisamos voltar a investir.

*Roberto Amaral é vice-presidente do PSB