“Quem vota não decide coisa alguma. Quem conta os votos decide tudo”
Joseph Stalin

 

Se Stálin disse ou não disse, não posso garantir. A frase virou folclore. Para que alguma eleição signifique alguma coisa, os que contam os votos têm de ter mais respeito pela integridade da democracia, do que ânsia de poder.

Dos tempos de Stálin até hoje, a tecnologia mudou. Com máquinas de votar eletrônicas, que não deixam marcas impressas e são programadas por programas proprietários, o resultado de uma eleição pode ser decidido de véspera. Os que controlam o programa podem programar as máquinas para elegerem (as máquinas, não os eleitores) o candidato que o programador deseje eleger. As máquinas eletrônicas de votar não são transparentes. Quando se vota em máquina eletrônica, não se sabe em quem se está votando: só a máquina sabe.

Segundo a maioria das pesquisas, a corrida pela Casa Branca está empatada. A história já mostrou que eleição muito apertada, quando não se espera que o eleito vença por grande diferença, é a mais fácil de fraudar. Mais importante que isso: a diferença nas pesquisas de boca de urna, muito pequena nesse caso, tanto podem indicar o vencedor real quanto o resultado roubado, sem que haja como distingui-los.

Os mesmos que podem roubar a eleição podem facilmente meter ‘especialistas’ nas televisões, que se porão a explicar que a divergência entre as pesquisas de boca de urna e os votos contados está “na margem de erro”, ou “não tem significado estatístico” ou, então, aconteceu porque as pesquisas de boca de urna ouviram mais (ou menos) mulheres, ou mais (ou menos) uma ou outra minoria racial ou mais (ou menos) membros de um ou do outro partido.

Já circularam notícias segundo as quais as pesquisas de boca de urna em 2012, na eleição presidencial, serão feitas com amostras menores, para reduzir custos. Se forem notícias verdadeiras, já não haverá meio algum para detectar o roubo de votos.

Eleições digitais

Em artigo fascinante para Harper’s Magazine (26/10/2012) Victoria Collier[1] observa que, em mundo da velha tecnologia, os roubos de votos dependiam do poder das máquinas eleitorais dos próprios candidatos, como do senador Huey Long, da Louisiana, para não serem descobertos.

Com o advento da moderna tecnologia, diz Collier, “emergiu todo um bravo novo mundo de falcatruas eleitorais”. O bravo novo mundo do roubo de votos foi criado pela “adoção em massa de tecnologia eleitoral computadorizada e com a terceirização das eleições, que foram entregues a um punhado de empresas que operam nas sombras, com pouca ou nenhuma supervisão e praticamente sem ter de dar explicações a ninguém porque não há quem lhe peça explicações. A privatização das eleições aconteceu sem que a opinião pública tenha consentido e sem que tenha sido, sequer, informada, o que levou a uma das crises mais perigosas e menos bem compreendidas de toda a história da democracia nos EUA. Perdemos completamente qualquer capacidade de recontar votos ou conferir resultados de eleições.”

A velha fraude de urnas era localizada e de curto alcance. As máquinas eletrônicas, hoje, permitem fraudar eleições em escala estadual e nacional. Além disso, em votações eletrônicas não há urnas cheias de votos a serem encontradas em fundos de quintal na Louisiana. Com programas proprietários, os proprietários dos programas decidem: a contagem dos votos indicará o número previsto no programa proprietário.

As duas primeiras eleições presidenciais nos EUA no século 21 têm história vergonhosa. A vitória de George W. Bush sobre Al Gore foi decidida pelos Republicanos na Suprema Corte dos EUA, que mandaram suspender a recontagem de votos na Florida.

Em 2004, George W. Bush venceu na contagem de votos, embora as pesquisas de boca de urna indicassem vitória de John Kerry. Diz Collier:

“Ao final do dia das eleições, John Kerry levava vantagem insuperável, segundo as pesquisas de boca de urna. Muitos deram por consumada a vitória. No final da contagem dos votos, houve grande desvio dos resultados das pesquisas de boca de urna em 30 estados – em 21 desses estados as discrepâncias favoreciam George W. Bush. As maiores diferenças aconteceram nos estados indecisos – Ohio, principalmente. Numa das cabines eleitorais em Ohio, as pesquisas de boca de urna indicavam que Kerry teria recebido 67% dos votos; pela contagem oficial, teve só 38%. A probabilidade de acontecer resultado assim inesperado, explicável como efeito de erro na amostragem, é de 1 em 867.205.553 pesquisas. Citando Lou Harris, considerado há muito tempo como ‘o pai’ das modernas pesquisas eleitorais: ‘Ohio teve a eleição mais suja que jamais aconteceu nos EUA’.”

 

A era do roubo eletrônico de votos, diz Collier, “começou com Chuck Hagel, milionário desconhecido que concorreu a uma cadeira no Senado, por Nebraska, em 1996. Hegel começou muito atrás, na disputa com o popular governador Democrata, eleito dois anos antes por uma avalanche de votos. Três dias antes das eleições, contudo, o jornal Omaha World-Herald mostrou eleição apertadíssima, com 47% dos eleitores preferindo cada um dos candidatos. David Moore, então editor-gerente do Instituto Gallup, disse ao jornal que ‘Não é possível prever o resultado’.”

“A vitória de Hagel na eleição geral, sempre referida como ‘uma reviravolta’, garantiu a cadeira no Senado aos Republicanos, pela primeira vez em 18 anos. Hagel atropelou Nelson, com diferença de mais de 15 pp. Até entre os que trabalharam para derrotar o governador, produzindo uma barragem de spots de ataque pela televisão nos últimos dias, a diferença entre as pesquisas e os resultados levantou suspeitas em todo o país.”

 

“Poucos norte-americanos sabiam, até poucos dias antes das eleições, que Hagel fora presidente da empresa fornecedora das urnas eletrônicas que, a seguir, estariam contando votos para ele mesmo: a Election Systems & Software (então chamada American Information Systems). Hagel deixou a empresa duas semanas antes de declarar-se candidato. Mas não se desfez de milhões de dólares em ações do McCarthy Group, grupo proprietário da empresa ES&S. E Michael McCarthy, fundador da empresa parceira, trabalhava como tesoureiro de campanha de Hagel.”

O roubo de votos pode também explicar a derrota de Max Cleland, senador Democrata da Georgia. Collier expõe os fatos documentados:

“Na Georgia, por exemplo, as urnas eletrônicas declararam a derrota do senador Democrata Max Cleland. Pesquisas iniciais davam sólida vantagem a favor de Cleland, político muito conhecido, contra o opositor Republicano Saxby Chambliss, favorito da direita cristã, da Associação Nacional Republicana e de George W. Bush (que participou várias vezes de comícios pró Chambliss). Com o dia das eleições chegando, a disputa apertou. Chambliss, que fugiu do serviço militar, fez publicar spots de ataque, pela televisão, nos quais denunciava Cleland – condecorado com a medalha Silver Star, e que perdeu as duas pernas e um braço no Vietnã – como traidor, por ter votado contra a criação do Departamento de Segurança Nacional [orig. Department of Homeland Security]. Dois dias antes das eleições, uma pesquisa Zogby dava a Chambliss vantagem de um ponto entre eleitores que declararam interesse em votar, enquanto o Atlanta Journal-Constitution noticiava que Cleland mantinha vantagem de três pontos, no mesmo grupo.”

Jogo de cartas marcadas

“Cleland perdeu por sete pontos. Em autobiografia que publicou em 2009[2], ele acusou as máquinas de votação computadorizadas, “perfeitas para fraudar eleições”. Melhor seria dizer: programadas para fraudar. No mês anterior às eleições, empregados de Diebold, liderados por Bob Urosevich, introduziram software jamais identificado, sem marca (“patches”), em 5 mil urnas eletrônicas que a Georgia comprara em maio.”

“Fomos informados de que o objetivo era acertar o relógio interno do sistema, o que não foi feito,” disse Chris Hood, consultor da empresa Diebold e ‘vazador’, em artigo de 2006, na revista Rolling Stone. “O mais estranho é o modo clandestino como foi feito (…) Aplicaram um “patch” não autorizado, e continuaram tentando manter tudo em segredo, até do Estado, (…)  Os empregados e consultores recebemos ordens de não falar com ninguém no condado sobre o assunto. Eu recebi instruções diretamente de [Bob] Urosevich. Muito estranho que o presidente da companhia desse instruções daquele tipo, pessoalmente, e que estivesse pessoalmente envolvido naquele nível de detalhe.”

 

Quando a Suprema Corte Republicana impediu a recontagem de votos na Florida e decidiu a eleição entre George W. Bush e Al Gore nas eleições presidenciais em 2000, a resposta dos Democratas foi não protestar, para não abalar a confiança dos norte-americanos na democracia. John Kerry também aceitou e calou em 2004, apesar da vasta diferença entre as pesquisas de boca de urna e os votos acumulados em meio eletrônico. Mas como os norte-americanos poderemos confiar na democracia, se nem há votos para ver e contar e a eleição não é transparente?

Por enquanto, os Republicanos parecem estar com a vantagem tecnológica a favor deles, dado que são donos das empresas que produzem as urnas eletrônicas programadas com software proprietário. No futuro, a vantagem pode passar para os Democratas. Votos antecipados ajudam os assaltantes eleitorais a roubar votos. Para garantir que o roubo de votos seja bem-sucedido e não gere discussões, tudo depende de programar as urnas e máquinas de votar. A vitória tem de ser indiscutível, perfeitamente plausível. Diferenças grandes demais geram suspeitas, mas, mesmo que as suspeitas se encaminhem na direção errada e o assaltante escape, o assalto dá errado. Voto antecipado ajuda os assaltantes a decidir como programar as máquinas.

Eleição 2.0

A falta de transparência é ameaça ao pouco que resta da democracia norte-americana. No verão de 2011, em The Trends Journal, Gerald Celente dizia que “se podemos transferir dinheiro online, podemos votar!”

Vejam só! Por todo o planeta, transações de trilhões de dólares acontecem diariamente, e raramente há algum problema. Se se pode contar dinheiro online até os centavos, claro que se podem contar votos online. O único problema é que há interesses políticos gigantescos ‘programados’ em cada urna ou máquina de votar eletrônica.

A falta de transparência movimenta o mundo jurídico. Dia 29/10, o Washington Post noticiou que “milhares de advogados, representantes dos dois principais candidatos à presidência, partidos, sindicatos, grupos de direitos civis e organizações que fiscalizam o risco de fraude eleitoral estão a postos, por todo o país, posicionados para contestar os resultados das eleições que venham a poder ser atribuídos a vício nas máquinas de votar e urnas, impedimento ao direito de votar ou outras acusações de práticas e atividades ilegais.”

O voto online, se adequadamente organizado, pode assegurar a transparência que não há no atual sistema eleitoral nos EUA. Embora os Republicanos talvez ainda continuem ativos na prática de impedir a manifestação de eleitores vivos, os Democratas mortos, pelo menos, não continuarão votando; e a contagem dos votos de quem consiga, afinal, votar, não ficará sujeita a software proprietário secreto.

Em 2005, a Comissão Federal para Reforma Eleitoral [orig. Commission on Federal Election Reform], não partidária, concluiu que a integridades das eleições estava comprometida pela ação de quem controlou a programação. A propriedade privada da tecnologia de votação é absolutamente incompatível com eleições transparentes. País sem eleições transparentes é país sem democracia.

[1] Em http://harpers.org/archive/2012/11/how-to-rig-an-election/, só para assinantes [NTs]

[2] http://books.simonandschuster.com/Heart-of-a-Patriot/Max-Cleland/9781439126059

Fonte: Rede Photo Castor
Tradução: Vila Vudu