Poucas vezes tivemos de suportar tamanha quantidade de mentiras como as que lemos e escutamos nesses dias. A “ditadura chavista”, “ataques à liberdade de expressão” na República Bolivariana, a “fraude eleitoral” foram algumas das mais recorrentes no rosário de acusações descarregadas sobre Chávez, visando impedir sua inexorável vitória.

Por que tanto ódio, tanta sede de vingança, que fez políticos e comunicadores sociais, que supostamente deveriam caracterizar-se por seu equilíbrio e sensatez, se converterem em porta-vozes das piores calúnias contra esse personagem? A razão é bem simples: mentem porque os interesses de classe que representam, associados – e articulados politicamente com – aos interesses imperais, exigem varrer o chavismo da face da Terra, e para isso qualquer recurso é válido.

A Venezuela, que encerra em suas entranhas as maiores reservas petroleiras da Terra, é uma presa que suscita os apetites incontroláveis do Império, impaciente em se reapropriar do que já foi seu e deixou de ser por obra e graça de Chávez. Como se trata de um propósito inconfessável, por ser um simples ato de latrocínio, é necessário apelar a argumentos contorcionistas, para que assim o delito se apresente como um ato virtuoso.

Por isso os mentirosos têm de dizer que o chavismo instaurou uma “ditadura” em um país que, desde 1999, até este último domingo (7/10), convocou sua população às urnas em quinze oportunidades para eleger autoridades, deputados constituintes, membros da Assembleia Nacional, ou para referendar com o voto popular a nova constituição, ou ainda para decidir se seria revogado ou não o mandato do presidente.

Das 15 batalhas eleitorais, Chávez ganhou 14 e perdeu uma, o referendo constitucional de 2007, por menos de 1% dos votos – e de imediato reconheceu a derrota. Curiosa uma “ditadura” que opera dessa maneira, como já recordou Eduardo Galeano há alguns anos. Não só isso: acontece que essa “ditadura” estendeu os direitos políticos (além dos sociais e econômicos) como jamais tinham feito os regimes supostamente democráticos que governaram a Venezuela desde o Pacto de Punto Fijo, de 1958, que instauraram uma insípida alternância sem alternativas entre democrata-cristãos e social-democratas, que morreram de morte natural em 1998.

Quando Chávez chegou ao poder, em fevereiro de 1999, um de cada cinco venezuelanos maiores de 18 anos não existia politicamente: não podiam votar, porque não se inscreviam nos padrões e nem sequer possuíam documentos de identidade. Hoje, a “ditadura” chavista reduziu essa cifra a 3,5%. Além do mais, com a Quarta República (1958-1998), o abstencionismo de quem podia votar flutuava em torno de 30% a 35%, chegando, segundo afirmou Daniel Zovatto, diretor do Observatório Eleitoral Latinoamericano, a picos de 80% na década de 60.

Na eleição do último dia 7 de outubro, registrou-se a mais alta taxa de participação, com abstenção de apenas 19%. Se isso é pouco, enquanto a “exemplar” democracia estadunidense se vota em dia útil (a primeira terça-feira de novembro) e a taxa de abstenção ronda os 50%, na “ditadura” chavista se fazem eleições aos domingos, com transporte gratuito para que todos possam acudir aos locais de votação. Foi por isso que Jimmy Carter assegurou que o sistema eleitoral da Venezuela bolivariana é melhor que o dos Estados Unidos e um dos melhores do mundo. Mesmo assim, os condenados ao oitavo círculo do Inferno insistem que há uma “ditadura” e o que mais falta é liberdade.

Sua servil teimosia se reflete também em suas constantes críticas aos supostos limites à liberdade de expressão na Venezuela: era ridículo, e até dava um pouco de pena, ver esses severos paladinos da liberdade de expressão denunciando publicamente as supostas limitações a um direito tão fundamental, sem que ninguém na Venezuela interferisse em seu trabalho.

Diziam pública e histericamente que não existia liberdade! Diante do olhar meio sarcástico, meio perplexo, dos venezuelanos, que não entendiam o que proclamavam esses energúmenos no meio da rua e à luz do dia. Basta olhar os periódicos do país para comprovar o teor das ferozes críticas e perversas difamações que disparam diariamente contra Chávez e seu governo. Obviamente, esses homens santos (e mulheres beatas) que foram à pátria de Bolívar custodiar a ameaçada liberdade de expressão jamais se inquietaram ou manifestaram a menor preocupação pelos 25 jornalistas assassinados pelo regime títere que o imperialismo estadunidense instalou em Honduras após o golpe de 2009.

Muito menos se incomodam de informar que, dos 111 canais de televisão existentes no país, apenas 13 são públicos, tendo uma audiência de apenas 5,4%, como demonstraram Jean-Luc Mélenchon e Ignacio Ramonet em uma matéria recente. Nos meios impressos, a situação é ainda pior, porque 80% estão nas mãos da oposição, radicalmente enfrentada com o governo. Diários que, como os dominantes da Argentina, violaram a vedação eleitoral venezuelana, propalando sub-repticiamente versões via Twitter nas quais garantiam o triunfo irreversível de Henrique Capriles. Patricia Bullrich, uma deputada argentina, ‘tuitava’, com base nessas fontes, “52,8 Capriles, 47,2 Chávez”, e Federico Pinedo, outro deputado argentino, escrevia alvoroçado “Ganhou @Capriles!”. Nenhum deles pediu desculpas por terem enganado milhares de pessoas com tamanhas falsidades. E mais, em declarações posteriores se orgulham de terem atuado como fizeram, empreendendo um duro combate contra a “tirania chavista”.

Contrastam com essas infames atitudes a seriedade, neutralidade e profissionalismo do Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela, um órgão público com representação multipartidária, que, tal como havia antecipado, só comunicaria os resultados das eleições quando as tendências do voto fossem irreversíveis. Assim fez poucas horas depois de terminado o pleito, quando cerca de 90% das urnas confirmavam uma vantagem inalcançável a favor do presidente Hugo Chávez (com 54% dos votos), chegando a 55% ao fim do escrutínio. Com uma diferença de mais de 1.600.000 votos, a discussão sobre fraude teve que ser discretamente arquivada. Melhor não pensar como seria se Chávez ganhasse por 2% ou 3% dos votos.

Desiludidos e derrotados, os porta-vozes do império tiraram da manga o novo assunto para acossar a Venezuela bolivariana: a saúde de Chávez. As usinas do império se encarregaram de reconfigurar a agenda e seguramente insistirão com esse assunto, enquanto buscam novas formas de desestabilizar o governo. Já tinham aludido a isso antes, prognosticando como dizia a apresentadora da CNN, Patricia Janiot, que a Chávez lhe restavam 9 ou 12 meses de vida. Essa foi uma das façanhas do presidente: derrotar o câncer. A outra: sustentar um enorme investimento social que mudou para sempre as condições de existência – tanto objetivas como subjetivas – das classes populares, apesar da necessidade, reconhecida por Chávez, de melhorar a gestão da coisa pública.

Derrotados nas eleições, agora voltam à carga porque o líder bolivariano demonstrou ser um formidável aglutinador da tradicionalmente dispersa dirigência latino-americana, o que lhe permitiu neutralizar com eficácia a regra de ouro de qualquer império: “dividir para reinar”, como ensinavam os romanos. Esse sim é um pecado imperdoável, que merece muito mais que a descida ao oitavo círculo do inferno para fazer companhia a tantos pseudo-jornalistas (na verdade, publicitários de grandes empresas que utilizam os meios de comunicação para facilitar seus negócios) e supostos republicanos cuja preocupação evidente é garantir a continuidade da ditadura – ainda que com roupagens democráticas – do capital.

O pecado de Chávez, murmuram por baixo (e às vezes vociferam, como faz o lamentável Mitt Romney), é intolerável e imperdoável, e há de se acabar com ele o quanto antes. Ignorantes das leis que regem a dialética histórica da direita, acreditam que a longa marcha da América Latina e do Caribe rumo a sua segunda independência é a obra maléfica de alguns espíritos malignos, como Fidel, Che e Chávez. Parafraseando aquele célebre título do discurso de Fidel no julgamento de Moncada, da direita imperial e seus porta-vozes regionais: “A história os condenará”.

*Atilio Borón é doutor em Ciência Política pela Harvard University, professor titular de Filosofia da Política da Universidade de Buenos Aires e ex-secretário-executivo do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (CLACSO).

Fonte: Correio da Cidadania