Não podemos falar em desenvolvimento sustentável enquanto aproximadamente uma em cada sete pessoas – crianças, mulheres e homens – ficam para trás, vítimas de desnutrição. Seria uma contradição em termos.
A fome e a pobreza extrema também excluem a possibilidade de um verdadeiro desenvolvimento sustentável porque os miseráveis precisam usar os recursos naturais disponíveis para conseguirem comida. Para eles, suprir suas necessidades básicas é a principal primordial de cada dia – planejar para o futuro é um luxo que eles não têm.

Todo ano, entre a colheita e o consumo, jogamos fora 1,3 bilhão de toneladas de alimentos

Paradoxalmente, mais de 70% das pessoas que passam fome no mundo dependem diretamente da agricultura, caça e pesca para sobreviver. Portanto, suas escolhas diárias ajudam a determinar como os recursos naturais do mundo são administrados. Não podemos esperar que o agricultor pobre não corte uma árvore se essa é sua única fonte de energia; não podemos pedir para o pescador artesanal deixar de pescar durante o período do defeso se essa é a única maneira de alimentar sua família. A fome coloca em movimento um ciclo vicioso que reduz a produtividade, aprofunda a pobreza, desacelera o desenvolvimento econômico, promove a degradação dos recursos e a violência.

A fome e a disputa por recursos naturais são fatores de conflitos que, mesmo quando são internos, têm impactos que frequentemente ultrapassam as fronteiras dos países. Então, há também uma ligação direta entre a segurança alimentar e segurança nacional e regional. A busca pela segurança alimentar pode ser o fio condutor que liga os diferentes desafios que o mundo enfrenta e ajudar a construir um futuro mais sustentável.

Na Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, a Rio + 20, temos uma oportunidade de ouro para explorar a convergência entre as agendas da segurança alimentar e a sustentabilidade para assegurar que isso aconteça. Ambos requerem mudanças para modelos de produção e consumo mais sustentáveis. Para alimentar uma população mundial que superará a marca de 9 bilhões de pessoas em 2050, a FAO prevê a necessidade de aumentar a produção agrícola em pelo menos 60%. Para isso, precisamos produzir mais alimentos ao mesmo tempo em que conservamos o meio ambiente.

Mas mesmo com práticas mais sustentáveis, a pressão sobre nossos recursos naturais será extrema. Então, também temos que mudar a maneira que nos alimentamos, adotando dietas mais saudáveis e reduzindo o desperdício e perda de alimentos: todo ano, entre a colheita e o consumo, jogamos fora 1,3 bilhão de toneladas de alimentos. No entanto, mesmo se aumentarmos a produção agrícola em 60% até 2050, o mundo ainda terá 300 milhões de pessoas com fome daqui a quatro décadas porque, como as centenas de milhões de subnutridos hoje, eles continuarão sem os meios para ter acesso à comida que necessitam. Para eles, a segurança alimentar não é problema de produção insuficiente, é uma questão de acesso inadequado.

Para tirar essas milhões de pessoas da insegurança alimentar precisamos investir na criação de melhores empregos, pagar melhores salários, dar-lhes maior acesso a ativos produtivos – especialmente terra e água – e distribuindo renda de forma mais justa e equitativa.

Precisamos trazê-los para dentro da sociedade, complementando o apoio aos pequenos agricultores com oportunidades de geração de renda, com o fortalecimento das redes de proteção social, mutirões de trabalho e programas de transferência de renda, que contribuam ao fortalecimento de circuitos locais de produção e consumo para dinamizar as economias locais. A transição para um futuro sustentável também exige mudanças fundamentais no sistema de governança de alimentos e agricultura e uma partilha equitativa dos custos de transição e benefícios.

No passado, os mais pobres pagaram uma parcela maior dos custos de transição e receberam uma cota menor de benefícios. Este é um equilíbrio inaceitável e que precisa mudar. Erradicar a fome e melhorar a nutrição humana, criando sistemas sustentáveis de produção e consumo de alimentos, e construir uma governança mais inclusiva e eficaz dos sistemas agrícolas e alimentares são cruciais para alcançar um mundo sustentável.

Na Rio+20, estamos numa encruzilhada. De um lado está o caminho para a degradação ambiental e o sofrimento humano; do outro está o futuro que todos queremos. A Rio+20 oferece uma oportunidade histórica que não podemos dar ao luxo de perder. Nós sabemos como acabar com a fome e gerenciar os recursos do planeta de uma forma mais sustentável. Mas precisamos de uma vontade política mais forte para fazê-lo.

Devemos olhar para Rio+20 como o início de um caminho e não como o ponto de chegada. E essa é uma caminhada que não podemos fazer sozinhos. Como a luta contra a fome, o desenvolvimento sustentável é uma meta a que cada um de nós deve contribuir – cidadãos, empresas, governos, movimentos sociais, ONGs e organismos regionais e internacionais. Juntos, trabalhando a partir do nível local ao nível global, podemos construir o futuro que queremos. E esse futuro precisa começar hoje.

 

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José Graziano da Silva é diretor-geral da FAO.

Fonte: Valor