Há duas semanas, a Grécia votou sob o signo do protesto, e os dois partidos que vêm dirigindo o país nestes dois anos de crise sofreram enormes perdas eleitorais e, associados, não lograram formar um governo. Daqui a duas semanas, o país votará de novo, mas agora a expectativa do establishment é que vote sob o signo do medo e derrote o Partido da Esquerda Radical, o grande vitorioso das recentes eleições.

Não é bom agir dominado pela cólera, mas tampouco pelo medo. E isto não vale apenas para a Grécia; vale para a zona do euro, que não sabe o que fazer diante do grande erro que cometeu ao criar o euro.

Em tempos normais, a prudência é a melhor conselheira; já em tempos anormais os governos precisarão agir sem medo e inovar, se quiserem evitar grandes danos econômicos e humanos.

Já está claro que o euro é um jogo de soma menor que zero -um jogo em que todos perdem. Perdem os rentistas e os financistas que deles recebem comissões, porque as taxas de juros estão negativas; perdem os empresários, porque não têm oportunidade de investir e realizar lucros; perdem os trabalhadores, porque ficam desempregados. E perdem todos os países: a Grécia, que foi irresponsável; a Espanha e a Itália, que foram responsáveis fiscalmente, mas incorrerem em deficits em conta corrente; a Alemanha, que fica sem ter para quem vender e é obrigada a dar descontos. Mas os jogadores mais fracos pagam mais: os trabalhadores, porque ficam desempregados por longo tempo até que os salários caiam em termos reais e a necessária desvalorização interna ou implícita ocorra; os países devedores, porque é deles que se pede “austeridade”, ou seja, a depressão, para que a desvalorização cambial ocorra. E, afinal, todos perderão muito mais se uma crise descontrolada se desencadear.

Mais racional é extinguir de forma acordada o euro, e, na mesma reforma monetária, desvalorizar a moeda dos países deficitários.

Dado o absurdo de cada país soberano da zona do euro ter uma moeda comum “estrangeira” (moeda que não podem nem emitir, nem desvalorizar) e dado o custo que já está sendo incorrido, sua extinção é questão de tempo. E, na prática, já está sendo viabilizada. Conforme assinalou Martin Wolf, no “Valor Econômico”, “com uma parte crescente do risco transnacional agora sendo assumida pelo Banco Central Europeu, o caminho para o desmembramento vai ficando mais desimpedido” (porque agora os bancos devem para o BCE, em vez de para bancos de outros países).

Ao contrário do que se afirma, a extinção do euro não destruirá a União Europeia; pelo contrário, a fortalecerá, porque essa união extraordinária deixará de estar sob a ameaça do euro. E não implicará caos ou hiperinflação; pelo contrário, tranquilizará os mercados financeiros que trabalharão com bônus que voltam a ser emitidos por Estados-nação soberanos, porque os bancos serão socorridos, e porque os países logo voltarão a crescer.

No futuro, depois que os países tiverem dado um poder fiscal muito maior ao poder central, e no momento em que decidirem ceder sua soberania, eles poderão formar um Estado Europeu, e ter de volta o euro. Por enquanto, terão a União Europeia, o que não é pouco.

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Fonte: Folha de S. Paulo