A obsessão em encontrar os vestígios de uma vida desaparecida na guerrilha do Araguaia marcou a trajetória da pesquisa da jornalista. Aquele que sendo seu tio e padrinho fora predestinado a cair nas teias da história de nosso país. E foram estes fortes laços envolvendo a vida do sepeense militante comunista elementos determinantes à inquietação da menina e da jovem. Pois, foi no dia do batizado de Liniane que Cilon Cunha Brum foi visto pela última vez por seus familiares em Porto Alegre.

Buscando elos entre o silêncio e os olhares, Liniane vai costurando a trajetória do jovem estudante revolucionário que partiu para a guerrilha. Reunindo depoimentos, fotos, jornais, arquivos, a jornalista vai desvendando a vida entrecortada por ações daquele que, vivendo na clandestinidade, desaparecera e que, até hoje, sua tumba (vazia) aguarda seu corpo no Cemitério Municipal de São Sepé/RS.

As crônicas escritas com profunda sensibilidade trazem à luz um momento crucial da história nacional a partir dos relatos brotados do ponto de vista familiar. Cresceu Liniane entre o medo e o tabu quando o assunto era o seu padrinho. Passados os tempos de chumbo, ela vai em busca dos  caminhos sinuosos e sombrios que alçaram a armadilha aos que, com coragem e determinação, se embrenharam no Araguaia.

O peso das mãos de ferro caiu sobre eles, mas não silenciou os gritos que ainda ecoam entre o emaranhado e o descampado e seguem pelas correntezas do rio. É interessante constatar que estes homens e mulheres, na sua maioria jovens, se entregaram a atos extremos, deixando falar mais alto os anseios de liberdade. Isto se verificou em vários pontos do país e fora dele, como temos o exemplo de outro sepeense, Luiz Renato Pires de Almeida, desaparecido na Bolívia.

A silhueta do tio que não conhecera vai sendo desenhada a partir dos caminhos da universidade, das luzes e sombras da selva, das estratégias de guerrilha, dos relatos de companheiros e delatores, enfim, do percurso de vários anos da afilhada pelos mesmos passos do padrinho. O livro resgata os momentos de ternura vividos em família, aliados à determinação política de Cilon Cunha Brum de opor-se ao regime de repressão instalado no Brasil (1964-1985).  E apesar disso, este talvez não tenha sido o seu retrato fiel, mas o retrato possível revelado nas comoventes cartas que escreve à sua avó Lóia.

Considero ainda que a tenacidade da autora de devolver o Cilon Cunha Brum pós 9 de junho de 1971 a sua avó (já ausente) e a sua família foi um ato de coragem. Antes do Passado deve ser lido por todos os sepeenses, de modo especial, pois do encontro com o seu personagem principal vêm à tona páginas escondidas da história do país, ao mesmo tempo em que expõe as sequelas de um drama familiar.

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Filósofa, escritora e membro do Conselho Editorial da Autores Associados

Publicado no Jornal A Fonte. São Sepé (RS), 05 de maio, Opinião, p. 2.