Em 2002, após o resultado das eleições francesas que colocou a extrema direita de Jean-Marie. Le Pen no segundo turno, lembro-me de ouvir explicações da mesma natureza.
Um professor universitário amigo demonstrava, por exemplo, que o problema todo fora a inépcia do governo socialista em marcar eleição em época de feriado escolar, o que teria aumentado a abstenção dos professores.

Como no caso de Adorno e Horkheimer, ninguém queria ver o óbvio, a saber, que havia uma enorme faixa de eleitores racistas, xenófobos dispostos a, agora, falar em voz alta. Faixa que devia ser combatida como prioridade política número um, em vez de “analisarmos sem preconceitos”.

Exatos dez anos depois, um fenômeno semelhante acontece. Agora, a França é o país europeu que tem a extrema direita mais forte (17,9% para sua candidata, Marine Le Pen).

No entanto esse número é muito maior, já que seu presidente, Nicolas Sarkozy, é daqueles que não sente dor no coração quando mobiliza os sentimentos mais baixos da população (como a islamofobia, a caça a ciganos e os discursos sobre “o homem africano que não entrou na história”).

O verdadeiro objetivo maior dessa eleição era retirar a Frente Nacional da posição de definidor da pauta do debate político. O único candidato que compreendera isso foi o esquerdista Jean-Luc Mélenchon, que levou uma batalha solitária contra os temas da extrema direita e em favor de uma sociedade mestiça. Ele chegou a aparecer em terceiro lugar nas pesquisas, mas perdeu fôlego na reta final.

A razão para tal esgotamento lança luz sobre a estupidez da inteligência. Um dos traços maiores dessa eleição foi a exposição da inutilidade dos intelectuais.

Em vez de insistir na importância de retirar a Frente Nacional da cena política, os mais midiáticos se deleitaram em atirar contra Mélenchon e seus traços “jacobinos” (como o fez Michel Onfray e os verdes) ou fazer pregação suicida pelo voto nulo (como o fez Alain Badiou), como se estivéssemos em 68, com suas brigas entre a esquerda libertária, os comunistas e a miríade de grupelhos.

Com isso, os intelectuais de esquerda só serviram para desmobilizar e fazer vista grossa diante de uma catástrofe anunciada. Prova de que a inteligência é sempre a última a ver o abismo. Há de perguntar quem precisa de inteligência parecida.

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Fonte: Folha de S. Paulo