Em torno desse esquema, dizem os jornais, funcionaria uma extensa rede de outras empresas, algumas legais, outras apenas de fachada, cuja atividade principal seria dar um aspecto de normalidade a operações financeiras destinadas a “lavar” o dinheiro do jogo e da corrupção.

O ponto de partida dos negócios, ao que tudo indica, é a indústria da jogatina ilegal, tolerada em Goiás à base de propinas e estendida até o Tocantins com o apoio de políticos cujas campanhas eleitorais têm sido financiadas pelo dinheiro de máquinas de apostas. Suspeita-se agora que o senador Demóstenes Torres pode ter se associado ao contraventor ainda antes de abraçar a carreira parlamentar, quando atuava como procurador de Justiça e secretário de Segurança no estado de Goiás.

Manifestações antirrepublicanas

Se o caso é verdadeiro, temos aqui o modelo exemplar para uma investigação jornalística que pode desvendar um dos mais típicos esquemas de corrupção em prática no país – e quem sabe inspirar políticas de prevenção e contenção. Mas, a julgar pelo que dizem os jornais de quarta-feira (18/4), não é isso que está ocorrendo.

Como se tornou prática desde a eclosão do chamado escândalo do “mensalão”, a imprensa brasileira não parece interessada em investigar coisa alguma. A amostra de declarações colhidas sobre o caso Cachoeira-Demóstenes e sua hierarquização nas páginas dos diários revela que a imprensa já começou a dirigir o noticiário com o propósito claro de manipular as evidências.

O núcleo do escândalo começa a se deslocar lentamente da dupla principal para protagonistas secundários, com a proliferação de acusações que, dando a impressão de alcançar um número indefinido e muito amplo de suspeitos, acaba por instalar a ideia de que tudo estaria contaminado pela ação do grupo criminoso.

Ao dar curso a qualquer denúncia de relacionamento com um dos acusados, sem avaliar a frequência e o teor de conversas gravadas pela polícia e confrontar esse conteúdo com fatos reais, como a concessão de obras ou transferências de dinheiro, a imprensa dilui o efeito da investigação e reforça a sensação geral de descrença na democracia representativa. Assim, começam a pulular nas redes sociais digitais manifestações condenando genericamente as instituições republicanas.

Evidentemente, o comportamento de muitos parlamentares e representantes do poder Executivo e do Judiciário não tem contribuído para erigir em nome dos três poderes da República as estátuas de integridade que se espera deles.

Os paladinos da Justiça

A manifestação do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Cezar Peluso, que deve deixar a presidência da Corte Suprema na quinta-feira (19), é uma dessas oportunidades em que o estadista se retira do recinto e deixa atrás de si um rastro em que se podem identificar claramente os sinais de despeito, onipotência, ciúmes e outros sentimentos humanamente rasteiros.

Por trás dos destempero do ministro ressoam seus desentendimentos com a corregedora Eliana Calmon e sua frustração por não ter conseguido, em dois anos no cargo, concretizar o aumento de vencimentos do poder Judiciário.

Mas o conjunto de notícias também induz o leitor atento a notar que há uma disputa de bastidores no Supremo Tribunal Federal em torno do julgamento do caso intitulado “mensalão”.

Depois de muito barulho, período em que a corte se manteve no centro das atenções do país, com a construção de verdadeiros “pais da pátria”, a imprensa revela que os ministros provavelmente não serão capazes de dar um esclarecimento à nação sobre o que foi tudo aquilo.

Os jornais levantam a hipótese de que alguns dos supostos crimes apontados pela acusação poderão prescrever antes de vir uma sentença. Algumas notas publicadas aqui e ali dão a entender que certos personagens demonizados pela imprensa simplesmente vão passar incólumes pelo julgamento, pela falta absoluta de provas para incriminá-los.

No meio do noticiário, há evidências de ligações entre o processo inicial do caso “mensalão” e o caso Cachoeira. Mais um pouco e vamos descobrir que Demóstenes Torres, o antigo paladino da Justiça, tinha outros sócios nesse processo, que a imprensa se verá obrigada a manter no anonimato.

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Fonte: Observatório da Imprensa