Nesse cenário de forte personalização, a eleição francesa indica duas tendências que certamente devem influenciar outros países europeus. A principal delas é a compreensão dos extremos como força propulsora da pauta do debate político.

A Europa já viu isso acontecer por meio da ascensão recente da extrema-direita xenófoba e racista. Nos Países Baixos, Dinamarca, Itália, Finlândia, Bélgica, Suíça, Hungria e na própria França, foi a extrema-direita que encarnou o radicalismo político e a crítica aos “burocratas de Bruxelas”. A ponto de partidos como o Front National, da candidata Marine Le Pen, terem flertado com discursos antissistema financeiro e pró-proteção trabalhista claramente à esquerda. Dessa forma, eles entraram no eleitorado operário, repetindo um fenômeno que a Europa conhecera com o nazismo e o fascismo.

A peculiaridade francesa vem, no entanto, da polarização dos extremos. Hoje, o terceiro colocado nas eleições é o candidato de uma frente de esquerda que engloba comunistas, sociais-democratas radicais, ecologistas e trotskistas, entre outros. Jean-Luc Mélenchon cresceu a partir do momento que iniciou uma verdadeira cruzada contra a extrema-direita, recuperando os votos operários perdidos para o discurso xenófobo. Ele também foi capaz de fornecer uma verdadeira perspectiva de esquerda para a superação da crise social e econômica que abate a Europa. Taxação em até 100% de rendas acima de 360 mil euros por ano, criação de um salário máximo (ou seja, um teto salarial para controlar a desigualdade de renda), nacionalização do sistema de energia, aumento do salário mínimo para 17 mil euros, permissão da requisição de fábricas por conselhos de operários. Essas são algumas de suas propostas.

Por outro lado, esse crescimento eleitoral foi impulsionado por uma impressionante recuperação da história. A verdadeira ação política é ação por meio da qual os agentes sociais deixam de lutar apenas por seus sistemas particulares de interesses, ao perceberem esses tais interesses como a manifestação de processos no interior dos quais ressoam séries de lutas políticas do passado. Ao decidir comemorar o dia da insurreição da Comuna de Paris em um comício para quase 200 mil espectadores na Praça da Bastilha, Mélenchon forneceu a primeira grande manifestação popular de uma eleição que parecia tender a ser decidida em gabinetes de consultoria de marketing. Uma manifestação que permitiu a ressignificação das lutas do presente por meio das promessas e aspirações de passado. Até boinas frígias foram vistas entre os manifestantes. Prova maior de que a história não é a reflexão sobre eventos passados, mas essa dimensão de um tempo que nunca passa completamente.

Dessa forma, os dois candidatos que polarizam os extremos acabam por fornecer a verdadeira dinâmica eleitoral. Os dois outros que disputam o primeiro lugar, Nicolas Sarkozy e François Hollande, acabaram, em larga medida, por criar campanhas que são respostas à pressão dos extremos.

Sarkozy, por intermédio da recuperação da islamofobia e do medo de imigrantes típicos da extrema-direita. Uma recuperação mais que necessária para esconder o resultado desastroso de sua Presidência recheada de resultados econômicos medíocres, desmantelamento do serviço público e inoperância na condução da crise europeia (condução da qual ele foi mero coadjuvante da chanceler alemã, Angela Merkel).

Já Hollande, o candidato centrista de um partido socialista que tem medo de seu próprio nome, viu-se obrigado a investir à esquerda com propostas de criação de taxação de 75% para grandes fortunas e geração de 60 mil postos de trabalho na educação pública.

A França talvez demonstre uma nova reconfiguração de forças políticas que nos acompanhará nos próximos anos. Uma reconfiguração na qual a verdadeira política é feita nos extremos.

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Fonte: CartaCapital