A Casa Civil, a Advocacia-Geral da União (AGU), a Secretaria de Portos (SEP) e Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) discutem os últimos detalhes das medidas. Embora um pequeno grupo defendesse também a privatização de algumas companhias Docas, como forma de potencializar investimentos, a possibilidade foi descartada no curto prazo, diante das dificuldades práticas. Seria preciso reduzir o número de empregados e limpar o passivo trabalhista antes de abrir o capital das estatais, mantendo ou não o controle acionário com o poder público.

Diferentemente dos aeroportos, onde a Infraero tinha uma rede única em todo o país, as Docas cuidam separadamente dos portos em seus Estados e a experiência internacional de gestão privada da macroestrutura portuária é bastante limitada.

O que deve avançar, no entanto, são os primeiros três leilões de novos portos públicos. O de Manaus, com foco na movimentação de contêineres, deve ser o primeiro. Em seguida, devem ser leiloados os projetos de um porto de águas profundas, no Espírito Santo, e do Porto Sul, na região de Ilhéus, na Bahia. Também pode ir a licitação o porto de Imbituba, em Santa Catarina, o único administrado atualmente pela iniciativa privada, e cujo contrato de concessão expira ainda em 2012.

A Antaq já tem pronta uma minuta de resolução, sob análise na Casa Civil, com a modelagem de concessão a ser usada. São, ao todo, 52 artigos. O rascunho da resolução impõe a necessidade de apresentação de estudos de viabilidade técnica e econômica para fixar volumes de cargas a serem atendidos e obrigações de investimentos, define prazo de até 25 anos para as concessões (renováveis por mais 25 anos), estabelece condições para a formação de consórcios e traz regras gerais sobre os contratos.

Ainda não há definição sobre o que determinará os vencedores dos leilões. Cada edital pode ter uma regra diferente. A SEP prefere o critério de menor valor de uma cesta de tarifas. Diante do ágio médio de 347% no leilão dos aeroportos, em fevereiro, a Casa Civil simpatiza com a ideia de uma disputa pela maior outorga.

Três ressalvas devem ser feitas. Há quem defenda, no governo, a inclusão de Aratu (BA) entre os portos a serem concedidos, mas se trata de posição minoritária. Outro ponto importante: o projeto do grupo Terminal Presidente Kennedy na região, em parceria com o Porto de Roterdã, já com protocolo de intenções assinado com o governo capixaba, foi anunciado sem conhecimento prévio da União e só deve ser autorizado como terminal privativo. Como porto público, empreendimento de envergadura maior, deve ser implantado por meio de licitação.

Por fim, há o caso de Imbituba: embora o contrato vença neste ano, nem os estudos de viabilidade para uma nova concessão estão prontos, o que inviabiliza um leilão até dezembro e praticamente assegura uma extensão da outorga do porto em caráter temporário.

O segundo eixo de medidas envolve a licitação de 98 terminais arrendados antes da Lei dos Portos, de 1993, cujos contratos já venceram ou estão por vencer e não podem ser simplesmente prorrogados. São 58 que já expiraram, 27 com prazo estourando em 2012 e outros 13 com duração até 2013. Eles representam quase um terço de todos os arrendamentos e estão espalhados por 15 portos do país.

Há terminais da Petrobras no Nordeste e instalações localizadas na área do Saboó, em Santos, que são consideradas o “filé mignon” do setor: Rodrimar, Termares e Deicmar. O governo corre contra o tempo para promover as licitações no segundo semestre, mas sabe que os prazos ficaram escassos e estuda alternativas. Normalmente, esse tipo de licitação é feita pelas Docas de cada Estado.

Um decreto da AGU pode centralizar o processo na Secretaria de Portos, na tentativa de dar mais agilidade. Já se trabalha com a possibilidade de algumas prorrogações em caráter temporário e emergencial, com prazos “curtos”, de dois a três anos, no máximo. Essa solução provisória já foi adotada no caso do terminal de granéis sólidos da Cargill, também em Santos, licitado no fim de 2009 e mantido com a multinacional americana depois de ela ter vencido a disputa.

Nem os novos portos públicos a serem leiloados, nem os arrendamentos em instalações já existentes podem ser confundidos com outro tipo de empreendimento, como o superporto do Açu. Construído pelo grupo EBX, do empresário Eike Batista, trata-se de um terminal de uso privativo, apesar de levar nome de porto. A diferença é que os terminais privativos podem ser construídos mediante autorização – e não uma disputa com concessão -, desde que a maior parte de suas cargas sejam próprias. É por isso que Eike pretende levar para o litoral fluminense negócios como siderúrgica, montadora de veículos e uma pelotizadora.

O último dos três eixos do “pacote” oficial é a revisão dos contratos de portos delegados. Dezesseis portos da União, que representam 32% de toda a carga movimentada no sistema, tiveram sua administração delegada a governos estaduais ou municipais. A prioridade é mexer nos contratos de Paranaguá (PR), Itaqui (MA) e Rio Grande (RS).

O Palácio do Planalto tem vários interesses com essa repactuação. Para começar, pretende transformar as superintendências responsáveis pela administração em empresas públicas, na forma de sociedades de economia mista – o mesmo formato das Docas.

A União quer indicar representantes próprios nas diretorias-executivas desses portos e participar mais ativamente da gestão. Depois, incluirá nos contratos metas de desempenho, ausentes nos documentos em vigência. Como julga que tem assumido sozinho os investimentos, como dragagem e prolongamento de molhes, o governo busca compartilhar tais obrigações.

Na avaliação do governo, há portos delegados que não cumprem à risca a exigência de reinvestir integralmente o lucro obtido com as tarifas. Em alguns casos, as receitas portuárias entram em um caixa único das prefeituras ou dos Estados, gerando confusão no momento de definir o orçamento para obras nos terminais.

O Valor apurou que o caso mais complicado é o de Rio Grande, com a segunda maior movimentação de cargas entre os portos delegados, cuja administração está vinculada à Secretaria Estadual de Infraestrutura e Logística. Isso faz com que a receita obtida pelo porto possa bancar, indiretamente, a folha de pagamento dos servidores gaúchos.

Por envolver negociações com governadores e prefeitos, tanto da base aliada quanto da oposição, a revisão dos contratos é tida como um processo “sensível” politicamente – principalmente em ano eleitoral. O início das conversas pode demorar alguns meses. Não por problemas políticos, mas porque o governo espera a versão final do Plano Nacional de Logística Portuária, que traçará um perfil dos portos e um diagnóstico das necessidades de investimentos até 2030. A elaboração do plano está em fase final.

Além dos três portos escolhidos como prioritários, outras 13 instalações têm a administração delegada a governos estaduais ou municipais: Antonina (PR), Cabedelo (PB), Forno (RJ), Imbituba (SC) – que é uma concessão estadual ao setor privado-, Itajaí (SC), Macapá (AP), Manaus (AM), Recife (PE), Pelotas (RS), Porto Alegre (RS), São Sebastião (SP), São Francisco do Sul (SC) e Suape (PE).

Com essas medidas, o Planalto considera possível dar uma nova cara ao setor. “Até agora, o que fizemos de forma pesada foi dragagem, mas os problemas persistem e precisamos de investimentos”, diz um interlocutor da presidente Dilma Rousseff.

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Fonte: Valor