O Governo brasileiro sabia que a crise financeira, que explodiu com a quebra do Lehman Brothers, em 15 de setembro de 2008, estava chegando por aqui. A criação de empregos novos com carteira assinada já “piscava o sinal amarelo”. A criação de empregos com carteira assinada é um dos principais sinais do vigor da economia brasileira. Em outubro de 2008, foram criadas somente 61 mil novas vagas. Mas, em outubro de 2007, haviam sido criadas 205 mil. Nos meses subseqüentes, a situação piorou. Em novembro de 2008, foram criadas 41 mil vagas novas – contra 125 mil do mês de novembro do ano anterior.

A questão fundamental era saber qual a intensidade do impacto da crise financeira internacional sobre a economia brasileira. Em 4 de outubro de 2008, o Presidente Lula, falando sobre a crise financeira internacional, disse “eu estou muito confiante de que se a crise americana chegar aqui, ela lá é um Tsunami, aqui ela vai chegar uma marolinha”.

E… o Brasil, diferentemente dos países avançados, optou por socorrer o “andar de baixo” e a classe média, sem deixar de estimular os grandes investimentos públicos e privados. Foram tomadas medidas de desoneração, ampliação do volume de crédito por intermédio dos bancos públicos e reforço das políticas e programas de transferência de renda.

As principais medidas adotadas foram as seguintes:

(i) nova tabela de imposto de renda para a pessoa física que criava duas novas alíquotas, a saber, 7,5% e 22% – isto significou uma desoneração de mais de R$ 6 bilhões, principalmente, para a classe média.

(ii) o Governo reduziu o IPI do setor automotivo; e, em seguida, houve redução para materiais de construção, bens de capital e motocicletas;

(iii) manutenção da trajetória traçada no Programa de Aceleração do Crescimento e manutenção da dinâmica de investimentos da Petrobras;

(iv) aumento do valor do salário mínimo que passou de R$ 415 para R$ 465. O salário mínimo é um instrumento muito poderoso de distribuição de renda no Brasil, principalmente devido ao impacto positivo que causa na renda daqueles que recebem benefícios da Previdência Social. São pagos cerca de 27 milhões de benefícios por ano pela Previdência Social. Um pouco mais de 2/3 desses benefícios têm o valor de um salário mínimo.

(v) orientação aos bancos públicos, basicamente, a Caixa e o Banco do Brasil, para aumentar a concessão de crédito, reduzir as taxas de juros cobradas e ampliar a participação estatal no mercado financeiro;

(vi) ampliação do período de concessão do seguro desemprego e elevação do seu valor;

(vii) ampliação da cobertura do Programa Bolsa Família, que aumentou em quase 2 milhões o número de famílias envolvidas no Programa – em 2008, atingiu 10,5 milhões de famílias e, em 2009, alcançou 12,4 milhões;

(viii) lançamento do Programa Minha Casa Minha Vida.

A concepção do programa anti-crise brasileiro de 2008-9 estava baseada na idéia que o aumento da renda disponível do “andar de baixo” e da classe média era o combustível necessário à ampliação do mercado interno de consumo – o que poderia compensar o pessimismo empresarial em relação a decisões de investimento. A visão (correta) da equipe econômica era que desonerar a renda das camadas que possuem menor poder aquisitivo ou aumentá-la diretamente dinamizaria o mercado interno de consumo já que essas camadas gastam tudo o que recebem. “Gastam tudo o que recebem” porque o que ganham é insuficiente para atender às suas necessidades e desejos.

Para 2012, novas medidas terão que ser tomadas. Não serão suficientes, embora tivessem sido desejadas, as reduções da taxa de juros Selic realizadas pelo Banco Central em agosto e outubro. Mesmo novas reduções não serão satisfatórias para mitigar os efeitos da crise atual. Cabe destacar, contudo, que na crise de 2008-9, o Banco Central somente iniciou o processo de redução da taxa de juros em janeiro de 2009: um atraso de pelo menos quatro meses!

Para 2012, em janeiro, haverá aumento real do salário mínimo de 7,5%. Excelente! Mas, insuficiente! Afinal, a desaceleração da economia em 2012 pode ser maior do que aquela que está ocorrendo este ano. A crise mundial se agrava, a China faz um “pouso” e a desaceleração na indústria brasileira do final de 2011 está muito forte. É preciso reagir com a mesma concepção de 2008-9: aproveitar a crise para distribuir desenvolvimento. Mas, será preciso mudar o viés e a qualidade do “pacote de reação”.

Na crise de 2008-9, a equipe econômica optou por distribuir renda e estimular o consumo – embora não tenha sido somente isso que foi feito, como já mencionado. Na crise de 2011-12 (e talvez, 2013), o governo deveria optar por distribuir serviços, principalmente, de saúde e educação e aumentar o volume de investimentos que visam melhorar a mobilidade urbana. Não deve ser repetido agora o mega-estímulo dado a indústria automobilística e, também, o aumento do endividamento das famílias. É hora de aproveitar para tentar mudar o costume urbano das classes médias e dos ricos de fazer transporte individual automotivo. Em 2009, foram colocados nas ruas do Brasil, em média, por dia, 10 mil automóveis novos. Por óbvio, este modelo é insustentável.

A saída de 2012-13 tem que ser outra: a construção de infraestrutura de transportes coletivos e a elevação drástica do investimento em saúde e educação, ou seja, construção de escolas, hospitais e contratação de pessoal especializado para essas áreas. Em 2009, tivemos sim uma “marolinha”. Se agirmos corretamente, nem “marolinha” teremos nos próximos anos, assim como podemos aproveitar a oportunidade para preservar a qualidade do ar, reduzir os engarrafamentos, universalizar o acesso à saúde e à educação de qualidade.

(*) Professor-Doutor do Instituto de Economia do Rio de Janeiro.

 

Fonte: CartaCapital