Dia 29 último o governo federal anunciou sua estratégia para enfrentar a crise internacional. Elevou o esforço fiscal em R$ 10 bilhões passando o superávit primário (receitas menos despesas, exclusive juros) de R$ 81,8 bilhões para R$ 91,8 bilhões.

Esses R$ 10 bilhões constituem parte do excesso de arrecadação previsto anteriormente. A decisão do governo foi de usar essa parte do excesso para abater a dívida do governo federal e não usar para outras despesas. Não é o que os analistas ortodoxos querem. A ladainha deles é que haja redução das despesas do governo para reduzir a pressão da demanda, o que permitiria ao Banco Central (BC) reduzir as taxas de juros.

Sob o ponto de vista macroeconômico uma elevação da receita pública tem o mesmo efeito que uma redução do mesmo montante na despesa.

Ao elevar o superávit primário o governo comprou a tese do mercado financeiro de que a Selic só vai cair se houver melhor desempenho fiscal. É o contrário: a Selic caindo é o que dá maior contribuição para a redução das despesas públicas.

A estratégia fiscal do governo é, no entanto, de médio prazo, ou seja, até 2014. Quer que as despesas de custeio cresçam menos que o PIB, indexação das cadernetas de poupança a um percentual da Selic e reduzir a participação da dívida pública atrelada à Selic.

A sinalização do governo de aperto fiscal pode ser a estratégia do possível tentando contornar o enfrentamento dos interesses do mercado financeiro de manter a Selic elevada para aumentar os seus lucros em cima da dívida do governo federal. Não creio que isso funcione, ou seja, o mercado financeiro reagirá sempre à redução da Selic e a forma de fazer isso ficou demonstrada após essa última reunião do Copom.

É importante o governo ter e anunciar seu plano fiscal que cubra o prazo que vá até o final do mandato em 2014. Da mesma forma é importante que no plano constem compromissos de manter as despesas de custeio abaixo do crescimento do PIB para elevar os investimentos, mas isso é insuficiente. A estratégia governamental falha ao não incluir nesse plano o impacto das políticas monetária e cambial sobre as finanças públicas.

Influem com peso nos resultados fiscais a Selic da política monetária e as reservas internacionais na política cambial. A Selic completamente fora da realidade internacional e maior aberração macroeconômica do País, contamina as taxas de juros dos demais títulos do governo pré-fixados ou atrelados a índices de preço. Ao subir a Selic sobem as outras taxas de juros dos títulos públicos, pois o aplicador passa a exigir isso.

Impacto cambial

O impacto fiscal da política cambial se dá através do nível das reservas internacionais. O BC vem elevando essas reservas em dólares e as aplica em títulos do Tesouro americano que não rendem quase nada e paga ao mercado juros atrelados à Selic. Esse diferencial de taxas de juros vezes o nível das reservas deve atingir neste ano cerca de R$ 70 bilhões!

Não há a necessidade de manter tão elevada essas reservas. No auge da crise de 2008 estavam em US$ 204 bilhões e no final de julho atingiram US$ 347 bilhões, crescendo 70%! Outro problema é que as reservas elevadas servem de atração aos especuladores internacionais, pois representam maior garantia de solvência externa aos aplicadores.

Impacto monetário

O impacto fiscal da política monetária é dado através das despesas com juros. Nos últimos 16 anos representou 7,38% do PIB, quando a média internacional é de 1,8% do PIB. Isso ocorreu devido à Selic ser a taxa de juros mais alta do mundo durante mais de uma dezena de anos. Nos últimos doze meses terminados em julho atingiu R$ 224,8 bilhões, ou 5,73% do PIB. Como o governo pretende alcançar um superávit primário de 3,3% do PIB, irá ocorrer um déficit fiscal de 2,43% do PIB (5,73 menos 3,3).

Nesses primeiros sete meses do ano em comparação com o mesmo período do ano passado as despesas não financeiras do governo federal (funcionalismo, previdência social, área social, investimentos e demais despesas com a máquina pública) cresceram em termos nominais (sem corrigir a inflação), 11,0%, o mesmo para o funcionalismo e 10,8% para a previdência social e, pasmem 48,3% (!) para os juros, passando de R$ 71,3 bilhões para R$ 105,8 bilhões ou crescimento de R$ 34,5 bilhões (ver quadro acima).

Esse quadro apresenta para os primeiros sete meses de 2010 e 2011, a evolução da Receita Líquida (receita menos as transferências a estados e municípios), das despesas, juros, resultado primário e resultado fiscal (resultado primário menos os juros). A coluna “diferença” é o valor de 2011 menos o de 2010 e o percentual (%) é o quanto evoluiu no período. Assim, a Receita Líquida passou de R$ 389,9 bilhões em 2010 para R$ 471,3 bilhões em 2011 com crescimento de R$ 81,3 bilhões ou 20,9%. O Resultado Primário cresceu 161,3% e o déficit fiscal foi reduzida em 14,1% (última linha e coluna).

Se o BC não abaixar a Selic será mantida essa tendência e o acréscimo de juros poderá atingir neste ano R$ 60 bilhões! Todo o esforço de cortar R$ 50 bilhões do orçamento feito no início do ano, mais essa elevação de R$ 10 bilhões no superávit primário é anulada pelo BC e as despesas com juros do setor público poderão alcançar 6,3% do PIB.

Redução da Selic e reação

Como o BC, face à crise internacional, reduziu a Selic nessa última reunião do Copom em 0,5 ponto percentual, o mercado financeiro ficou frustrado e começou a por em xeque essa decisão, taxando-a de política e de obediência ao Planalto. Na verdade o que ele quer é que o governo continue obediente aos interesses financistas.

Apesar de o governo ter se comprometido com mais austeridade nas suas despesas, o mercado financeiro, com amplo espaço na mídia, puxou a faca contra o governo atingindo a presidente. Resta ver se ela vai enfrentar essa turma da bufunfa, que mama nas tetas do governo há décadas.

A melhor resposta é, ao invés de se defender, partir ao ataque, em medidas de alto impacto favorável ao País, elevando os depósitos compulsórios dos bancos no BC e a tributação sobre o lucro deles como um dos componentes para permitir recursos para regulamentar a Emenda Constitucional nº 29, que garante mais recursos para a área da saúde.

O outro “presente” é estabelecer limites às escorchantes taxas de juros cobradas nos seus empréstimos. Se der marcha a ré, o governo desiste do comando da economia, que é de sua exclusive responsabilidade. Portanto, vale mais ação do que palavras.

Essa decisão do BC de baixar a Selic pode estar relacionada a uma política econômica integrada sob a responsabilidade da presidente da República. Assim, o esforço fiscal do governo pode ser o compromisso assumido para o BC iniciar um processo de redução gradual da Selic até levá-la a um patamar mais baixo.

Caso siga o que fazem os bancos centrais dos países emergentes a Selic seria próxima do nível da inflação, ou seja, de 6%, neste ano.

A Selic, excluída a inflação prevista para os próximos doze meses, está em 6,3% ao ano, mais do dobro do segundo colocado (Hungria, com 2,8%). A taxa média de juros internacional envolvendo uma amostra representativa de 40 países está negativa em 0,8% ao ano.

Ainda é cedo para prever o que acontecerá no governo face à forte reação do mercado financeiro e, consequentemente, dos próximos passos na redução da Selic.

A crise trouxe a oportunidade de tomar medidas para a reativação da economia, que vem caindo pelo fato de ter preponderado o combate da inflação pela forma ineficaz e prejudicial da elevação da Selic. Ao que tudo indica o governo parece convencido que já passou da hora de estimular o mercado interno e, para isso, irá fazer o caminho inverso reduzindo a Selic e controlando o câmbio.

Uma coisa é certa e não existe meio termo: ou o governo derruba as taxas de juros ou elas irão continuar envenenando progressivamente o tecido econômico e social, mantendo o País atrelado ao atraso. É hora de enfrentamento.

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Fonte: Carta Maior