No subsolo de Silwan está a fonte que leva o nome do bairro, cuja água – segundo Maomé, vinda do paraíso – alimentou, desde tempos idos, através de um complexo sistema de túneis, a cidade velha e as suas mesquitas. Entre estas, destaca-se a famosa Mesquita de Al-Aqsa, cuja enorme cúpula dourada se ergue no perfil de Jerusalém velha. Este é, a par de Meca e Medina, um dos três lugares sagrados para o Islão.

Nos dias que correm, os habitantes do quarteirão Al-Bustan, com a angústia e o temor no olhar, vão circulando pelas ruas estreitas, entre as casas pobres do bairro de Silwan e as pequenas hortas e quintais que cobrem a encosta. As autoridades israelitas ocupantes decidiram avançar novamente com os planos de demolição do bairro. Estes planos não são novos: datam, pelo menos, de 2002. Em 2004, os habitantes começaram a receber ordens de despejo e multas por construção ilegal. Em 2005, algumas das casas de Al-Bustan foram deitadas abaixo, mas as demolições pararam em face da pressão internacional e da luta movida pelos habitantes do bairro. Hoje, após novas notificações de evacuação das casas, muitas crianças de Al-Bustan, quando saem de manhã para a escola, levam consigo, para além dos livros, os seus haveres mais queridos, com medo de não poderem regressar a casa.

As infra-estruturas básicas do bairro de Silwan estão, em boa medida, destruídas ou são inexistentes. Desde o início da segunda intifada, nos seis anos que se lhe seguiram, foram demolidas cerca de 400 casas em todo o bairro. Durante a ocupação, poucas ou nenhumas creches e escolas foram construídas. Não obstante, as autoridades municipais ocupantes cobram impostos aos cidadãos palestinianos que ali vivem.

Ocupação avança

Contra todas as resoluções internacionais, contra todos os acordos assinados, a ocupação israelita de Jerusalém consolida-se e avança. O seu objectivo último é apagar a presença palestiniana da cidade, a sua população, as marcas da sua cultura e da sua história. Os despejos ilegais e as demolições são uma das soluções brutais a que o ocupante recorre, a par de outras. Nos últimos anos, aumentou consideravelmente o número de palestinianos aos quais foram retirados os bilhetes de identidade, vendo-se privados do direito de residência em Jerusalém e demais direitos cívicos. O vergonhoso muro, com mais de 700 quilómetros de extensão, que separa a cidade do resto dos territórios ocupados da Cisjordânia, veio bloquear a vida de comunidades inteiras, desestruturando todo o tecido económico e social palestiniano e levando a migrações forçadas para fora da cidade.

No plano legislativo, o Knesset – o parlamento israelita, vem aprovando desde o início deste ano um conjunto de leis que vão neste mesmo sentido e mais longe ainda. Legislação que, além do mais, limita gravemente os direitos dos 20 por cento de população árabe de Israel e de todos aqueles – cidadãos e organizações – que lutam em Israel pela defesa dos seus direitos; legislação que configura uma aberta promoção do racismo ao nível do Estado.

Neste contexto, a União Europeia mantém com Israel um Acordo de Associação (adoptado durante a presidência portuguesa em 2007), que prevê a liberalização das trocas comerciais com os estados-membros, não excluindo os produtos originários dos colonatos israelitas nos territórios ocupados. O acordo estabelece também as bases para a participação de Israel nos programas da UE, como o Programa de Vizinhança e o 7.° Programa-Quadro de Investigação, que no total já canalizou para Israel mais de 220 milhões de euros, incluindo nos seus destinatários a Indústria Aeroespacial de Israel – o fabricante dos famosos drones, aviões não tripulados utilizados no ataque à Faixa de Gaza em 2008/2009. Estes programas ajudam também a abrir as portas do mercado europeu aos milionários negócios na área da segurança e defesa, em que se movem alguns colossos empresariais israelitas. Neste como noutros acordos de associação que a UE vem assinando, está bem à vista o valor que tem, na prática, a cláusula relativa ao respeito «pelos direitos humanos fundamentais» no país em questão.

A luta do povo palestiniano é indissociável do grito libertador que percorre diversos países do mundo árabe e, bem assim, da luta dos que, em Israel, sabem que não pode ser livre um povo que oprime outros povos. Não pode, evidentemente, deixar de ser também a luta dos que lutam por uma outra Europa.

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Fonte: jornal Avante!