O destaque no cenário global e a estabilidade financeira ampliaram a influência política do Brasil, reforçada com o direito de sediar a Copa do Mundo de futebol e as Olimpíadas.

Porém, segundo dois dos mais importantes especialistas militares brasileiros ouvidos por CartaCapital, o Brasil ainda precisa lidar com o sucateamento das Forças Armadas, incompatíveis com o papel do País no âmbito mundial, e uma segurança nacional precária.

Os estudiosos alertam que os investimentos anunciados pelo governo, como a compra de 36 caças, navios nucleares e sistemas de monitoramento de fronteiras, serão eficientes apenas se houver desenvolvimento da indústria militar nacional e a criação de tecnologia própria. Muitos dos sistemas, inclusive, serão controlados à distância – isso em um País onde hackers evidenciam a fragilidade da defesa cibernética nacional invadindo sites oficiais e mesmo o email da então candidata à presidência da República.

É envolto em um novo cenário geopolítico, no qual desponta como a sétima maior economia do planeta – e em vias de se tornar a quinta -, que o governo brasileiro decidiu reajustar as sua políticas de segurança nacional e se reestruturar militarmente. “Apesar de as nossas Forças Armadas serem aparentemente suficientes no cenário regional, elas não são proporcionais ao que o Brasil representa em termos mundiais”, afirma o doutor em engenharia aeronáutica e astronáutica, o brigadeiro e professor do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), Mauricio Pazini Brandão. “O Brasil é a potência líder ao Sul do Equador, mas temos um poder militar compatível com isso?”, questiona.

O Brasil já oficializou acordo de 20 bilhões de reais com a França para a compra de helicópteros e navios convencionas e com propulsão nuclear. Foto: Exército do Brasil

Para ele, os investimentos em defesa nacional, como a polêmica compra de 36 caças (adiada para 2012), são relativamente modestos se comparados ao de outras potências emergentes. As aeronaves serão comprados com transferência de tecnologia de EUA, França ou Suécia, pelo valor aproximado de 10 bilhões de reais.

“A Força Aérea da Turquia tem mais aviões de combate que o Brasil, apesar de uma extensão menor. Além disso, nem todos os equipamentos vão estar em condição de operar, afinal temos que separar unidades para treinamento e fazer a manutenção”, explica.

Tentando diminuir a disparidade econômica do poder militar, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva lançou a Estratégia Nacional de Defesa no final de 2008. O documento, elaborado pelo então ministro do Planejamento Estratégico, Roberto Mangabeira Unger, e pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, define a reorganização das Forças Armadas e investimentos.

Os primeiros aportes ocorreram com o acordo de cerca de 20 bilhões de reais com a França em 2009, para a compra de submarinos convencionais, helicópteros e transferência de tecnologia de um submarino de propulsão nuclear.

No Exército, a novidade é o Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras, estimado em cerca de 10 bilhões de reais. Com previsão de ser concluído até 2019, traz radares de imagem e de comunicação e veículos aéreos não tripulados e blindados para a proteção de fronteiras. A estratégia ainda prevê o aumento do número de Pelotões Especiais de Fronteira de 21 para 49, com prioridade para a região amazônica.

Indústria nacional

Submarino Tamoio, em operação desde 1993, ainda faz a guarda da costa brasileira e ganha destaque no site da Marinha. Foto: Marinha do Brasil

A estratégia visa ainda à reestruturação da indústria brasileira de material de defesa e política, para assegurar o atendimento das necessidades de equipamentos das Forças Armadas com soluções nacionais. “Precisamos desenvolver nossas próprias tecnologias e deixar de comprá-las do exterior, afinal, o cérebro é a grande defesa de um país”, afirma o doutor notório saber em Ciência Política e professor titular de Relações Internacionais e Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (UFF), Eurico de Lima Figueiredo.

A Embraer já supre grande parte das necessidades militares da aeronáutica, mas ainda não possui a capacidade de montar caças. “A intenção é utilizar a aquisição de tecnologia desses aviões para capacitar o Brasil no seu desenvolvimento”, diz Brandão. No entanto, Figueiredo discorda que a tecnologia será transferida totalmente. “Às vezes o cerceamento tecnológico é sutil. As empresas mostram como se faz, mas se não há o domínio das ferramentas de nada adianta a tecnologia”, explica.

Segundo o professor da UFF, o mesmo vale para os navios franceses, que poderiam correr o risco de não poderem operar corretamente. “O Brasil está comprando da França basicamente a tecnologia da construção do casco, mas o problema é o sistema de armas, é preciso dominá-lo uma vez que o abastecimento pode parar”.

O investimento no setor possibilita o desenvolvimento de tecnologia de alto grau, formação de mentes e vendas lucrativas de patentes. “Aqueles que apostaram na educação, base da ciência e tecnologia, formaram profissionais de alto nível e criaram tecnologias que influenciaram todo o sistema produtivo, como o microondas e internet”, destaca Figueiredo.

Abaixo da média

Grande parte das aeronaves brasileiras é construída com tecnologia da Embraer. Foto: Exército do Brasil

Apesar dos esforços federais, o Brasil é o integrante do BRIC com o menor investimento em segurança nacional, de acordo com dados do instituto independente de pesquisa sueco Stockholm International Peace Research Institute (SIPRI).

As informações da instituição, baseadas em fontes abertas e também em dados oficiais, apontam que o País gastou 28 bilhões de dólares em 2011 em despesas militares, contra 114,3 bilhões de China, 52,5 bilhões de Rússia e 34,8 de Índia. Em comparação com potências no setor, como EUA (687 bilhões) e França (61,2 bilhões), o Brasil fica ainda mais distante.

Além disso, outro fator que pode comprometer os planos de reaparelhamento das Forças Armadas brasileiras é o corte no orçamento do Ministério da Defesa. Em 2011, o orçamento é de 11 bilhões de reais.

Mesmo com a queda da arrecadação, o País negocia a aquisição de tecnologia israelense para aviões não tripulados (Vants). As aeronaves, utilizadas em missões longas, perigosas e com risco de contaminação, trabalham com sistemas de controle externos que, teoricamente, poderiam ser invadidos e atacados por hackers.

Nas últimas semanas, sites oficiais do governo federal foram vítimas dessas invasões. “Os Vants podem voar autonomamente segundo programado em software e, desde que não sofram uma violação eletrônica, vão executar a programação”, explica Brandão.

Para evitar esse tipo de situação, o Exército ficou responsável na Estratégia Nacional de Defesa pela área cibernética – a Aeronáutica responde pela espacial e a Marinha, pela nuclear. “É preciso criar sistemas de defesa contra o terrorismo cibernético. Hoje o Brasil tem o necessário, mas não o suficiente”, diz Figueiredo.

Ambições internacionais

Fragata Bosísio, que auxiliou no resgate de corpos do acidente aéreo do avião da Air France (voo 447), que caiu em 2007 no Norte do Brasil. Foto: Marinha do Brasil

De acordo com o doutor em Relações Internacionais, o reposicionamento da defesa nacional vislumbra, além de capacitar o Brasil para se defender de forças externas, o ingresso como membro permanente no Conselho de Segurança da ONU.

Todos os cinco integrantes fixos (China, EUA, França, Reino Unido e Rússia) possuem armamentos nucleares e de destruição em massa. “Vai haver uma reformulação no Conselho e o escolhido a entrar no grupo vai precisar ter condições tecnológicas e não depender de favores”.

Caso o plano do governo seja adotado como previsto, Figueiredo acredita que o Brasil tem chances de conquistar um assento permanente no Conselho, mas no momento o País ainda não possui tais condições.

“Nos últimos dez anos sofremos transformações no campo econômico, mas não temos defesas eficazes. Já existem elementos de biotecnologia capazes de causar mortes em massa e precismos nos defender disso também”.

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Fonte: CartaCapital