Pela primeira vez em duas décadas – e justamente em um ano recheado de eventos que parecem ter o poder de reescrever a relação do planeta com a energia que o move – uma reunião da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) terminou sem consenso em Viena na semana passada.

“Foi uma das piores reuniões que tivemos. Não conseguimos chegar a um acordo”, descreveu Ali al-Naimi, representante da Arábia Saudita, país que defendia a adição de 1,5 milhão de barris diários à cota de produção coletiva de petróleo do grupo, para aliviar o peso do preço dos combustíveis sobre a trôpega economia global.

“O desentendimento público também mostra que os 12 países membros da Opep estão cada vez mais tomando suas próprias decisões sobre os níveis de produção ao invés de aceitar os julgamentos coletivos”, descreveu o The New York Times. A correspondente de energia do The Telegraph chegou até mesmo a sugerir que o desencontro pode levar ao rompimento da organização cinquentenária.

Em Teerã, a derrota da tese saudita foi recebida com uma manchete provocativa. “Arábia Saudita perde seu domínio sobre a Opep”, cutucava o Tehran Times, apontando o Irã como o vencedor de uma queda de braço com os países do Golfo Pérsico.

Os sauditas, porém, deram de ombros para o resultado da reunião e anunciaram a intenção de elevar em 13% a produção interna – para cerca de 10 milhões de barris diários, nível somente alcançado em 1981 – , arcando sozinhos com a produção extra defendida na reunião de Viena. O anúncio fez recuar o barril de petróleo, que hoje próximo aos 100 dólares.

Mas quando comparadas aos efeitos de alguns eventos geopolíticos que 2011 tem nos apresentado, as turbulências dentro da Opep se assemelham a um suave balançar de berço. Na última semana de maio, Fatih Birol, economista chefe da Agência Internacional de Energia concedeu uma entrevista a uma rádio da Nova Zelândia durante a qual dispensou eufemismos ao retratar o mercado de energia. “Por lei eu não posso fazer previsões de preços, mas eu posso dizer que eu acredito que a era do petróleo barato acabou. Os preços que tínhamos antes de 2008, 40 dólares, 50 dólares, 60 dólares [por barril], são passado”, disse Birol.

“Nos próximos vinte anos, 90% do aumento da produção de petróleo do mundo terá de vir de 5 ou 6 países. Notadamente, Arábia Saudita, Irã, Iraque, Kuwait, Emirados Árabes. Será que esses países, especialmente devido à condição geopolítica em que se encontram, estarão capacitados a fazer esses investimentos?”. Birol afirmou ainda que para que se mantenha o equilíbrio entre oferta e procura é preciso que “se descubram quatro novas Arábias Sauditas nos próximos 20 anos”.

“A questão é: Como mudar uma economia baseada em petróleo para uma baseada em alternativas? Já estamos atrasados nesse processo, mas é melhor começar agora do que mais tarde”, diz, dando a entender que é melhor não ficar esperando pelas “quatro Arábias”.

Michael Klare, professor de Paz e Segurança Global do Hampshire College, identifica, em um artigo da semana passada, três eventos que têm aumentado a urgência de se encontrar essas alternativas. “Aqui estão as boas notícias sobre a energia: graças ao aumento dos preços do petróleo e à deterioração das condições econômicas mundo afora, a Agência Internacional de Energia (AIE) reporta que a demanda global por petróleo não irá crescer neste ano tanto quanto se acreditava, o que pode resultar em uma redução dos preços nas postos de combustíveis”, escreveu Klare para o progressista Tom Dispatch, dos EUA.

“Em maio”, segue Klare, “a AIE reduziu sua estimativa para consumo global de petróleo em 2011 em 190 mil barris diários, estabelecendo-a em 89,2 milhões de barris por dia. Como resultado, os preços de venda poderão não atingir os níveis estratosféricos previstos no começo do ano, embora, sem dúvida, eles se manterão mais elevados do que em qualquer período desde os meses de pico em 2008, um pouco antes da crise global. Perceba que essas são as boas notícias”.

Em março, uma semana antes de um tsunami transformar o litoral norte japonês em uma bomba-relógio radioativa e recolocar temas como segurança a energia nuclear na pauta do planeta, Klare já descrevia um cenário energético pouco otimista em um artigo reproduzido por Carta Maior.

“Considere o recente aumento nos preços do petróleo apenas um tímido anúncio do petro-terremoto que está por vir”, escreveu Klare à época. “O petróleo não desaparecerá dos mercados internacionais, mas nas próximas décadas não irá mais alcançar os volumes necessários para satisfazer a estimada demanda global, o que significa que escassez será a condição dominante do mercado”.

Entre suas razões, ele arrolava o fato de as rebeliões em curso no Oriente Médio e Norte da África forçarem os governos locais a destinar uma parcela cada vez maior de recursos oriundos do petróleo para o mercado interno, aumentando assim o consumo energético, a fim de evitar descontentamentos ainda maiores que os que varrem a região desde o final do ano passado. Como fez preventivamente a Arábia Saudita, aumentando salários, ampliando benefícios como seguro-desemprego e expandindo linhas de crédito imobiliário.

Neste novo artigo Klare identifica outros dois desenvolvimentos diretamente ligados ao mercado de energia global. O primeiro — e também o mais óbvio e dramático — são as consequências do tsunami japonês de março, que alijou o sistema japonês – forçando os asiáticos a compensar através de uma maior importação de petróleo. Klare informa que esse aumento pode chegar a 230 mil barris de petróleo diários – ou o equivalente ao consumo de países como Israel ou às necessidades de importação da Austrália.

Os valores podem parecer pequenos quando diluídos na imensidão dos 90 milhões de barris diários que singram pelos mercados mundiais diariamente. Mas quando, no rastro da destruição japonesa, países começaram a fazer fila para abandonar seus projetos nucleares, parece óbvio que a demanda irá acabar por pressionar ainda mais mercado internacional de petróleo.

Como se nada disso fosse o bastante, secas “durante o último ano na Austrália, China, Rússia, em partes do Oriente Médio, América do Sul, Estados Unidos, e mais recentemente no norte da Europa têm contribuído para as altas recordes nos preços dos alimentos – e isso, por sua vez, tem sido um fator chave para as revoltas políticas que varrem Norte e Leste da África e o Oriente Médio”, escreve Klare.

Com os níveis dos rios mais baixos, cai também a geração de energia em usinas hidrelétricas. Na China, já há racionamento em função do volume de água em alguns rios estar até 40% abaixo da média histórica. Alguns reatores nucleares podem ter de ser fechados temporariamente na Europa. Principalmente na França, onde as usinas se utilizam de água dos rios para o processo de resfriamento do combustível radioativo.

A situação é tão complicada que mesmo a navegação em alguns rios europeus está comprometida, com navios sendo obrigados a abandonar os portos com menos da metade da capacidade de carga.

No começo desse mês – em uma notícia improvável há uma década, quando o preço do barril do petróleo estava em 20 dólares por barril – oficiais sauditas anunciaram planos de colocar em funcionamento 16 reatores nucleares até 2030 – a um custo de 100 bilhões de dólares (14). Logo em seguida, Al-Naimi, o ministro do Petróleo do reino árabe, foi citado por uma agência de notícias árabe revelando planos de captação de energia solar no país, que segundo ele tem potencial de produzir quatro vezes a demanda de energia elétrica global em energia solar até 2020.

As “quatro Arábias” – e mesmo os sauditas, sentados em cima das maiores reservas de petróleo do planeta, parecem entender isso – não poderão vir só de combustíveis fósseis, que hoje são mais de 80% das fontes disponíveis.

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Fonte: Carta Maior