Acusado de dissimular a presença de Osama Bin Laden ou, ainda pior, seu guardião e escudo nos últimos anos, o governo de Islamabad, obviamente, já perdeu qualquer resquício de credibilidade por parte dos EUA. Os agradecimentos de Washington pela cooperação das autoridades do Paquistão no assassinato de Bin Laden, que apressou-se em desmentir o presidente, Asif Alí Zardari, são ações que fornecem o relevo do quadro do beco sem saída em que se encontra o Governo do Paquistão.

A facilidade com a qual exclui-se qualquer participação no assassinato de Bin Laden prova o clima de guerra-fria que atravessam as relações entre Washington e Islamabad. Já há algum tempo, os EUA realizam operações de pequena e grande escala no território do Paquistão contra as bases de apoio do Talibã, sem a cooperação, muitos menos o conhecimento e a anuência, das autoridades do país.

Mas as autoridades políticas e militares do Paquistão jamais reclamaram destas ações, que violentam sua soberania, assim como é óbvio o temor que ambas sentem de que o fundamentalismo islâmico, por intermédio do qual tentam controlar o Afeganistão e pressionar a Índia no imbróglio de Kashmir, possa guinar contra elas.

Hoje um equilíbrio de temor sustenta o frágil status quo entre o governo de Islamabad, os fundamentalistas muçulmanos e os EUA: Para Washington, assim como para a liderança do Talibã, o Governo do Paquistão era, até hoje, dos males o menor.

Para os EUA é preferível um poder como do Talibã no Afeganistão e é preferível para os fundamentalistas muçulmanos de qualquer espécie, do que um governo filo-norte-americano ou, ainda pior do que uma intervenção dos EUA ou da Índia no país.

Arsenal nuclear

A História é vingativa e é persistente: A decisão do Governo Carter de aliar-se com os fundamentalistas extremistas contra a ocupação soviética no Afeganistão após 1979 multiplicou o custo do conflito para Moscou e foi um dos fatores que acelerou o desgaste do regime comunista. Mas a mesma decisão criou a fatal relação entre Islamabad e fundamentalistas, cujo eventual rompimento poderá ter amplas consequências periféricas desestabilizadoras.

O Paquistão dispõe de um respeitável arsenal nuclear e é mais do que compreensível que, com os primeiros sinais de não controlada desestabilização, tanto EUA, quanto Índia tentarão assumir o controle deste arsenal, temendo que seja apoderado pelo Talibã, correntes muçulmanas fundamentalistas ou até pela Al Qaeda e suas "sucursais".

A propósito: desestabilização controlada ou não do Paquistão significa amplas margens de manobra e imediata intervenção do Irã no Afeganistão. Por outro lado, o Paquistão é precioso parceiro da China e, no âmbito da queda de braço entre Beijing e Nova Delhi, o governo chinês postou-se ao lado de seu aliado Paquistão.

O assassinato de Bin Laden e seu custo político para o governo de Islamabad não representa, rigorosamente, nada diante os rangidos desestabilizadores que serão provocados quando chegar o momento de busca por uma solução negociada no Afeganistão, sem papel disponível para o Paquistão.

A opção fatal de Carter e Brezinski, aliando-se em 1979 as fundamentalistas extremistas, custou a Moscou uma década de dura experiência. Para os EUA, a experiência continua sem horizonte visível de término.

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Fonte: Monitor Mercantil