E o curioso é que a ideia do exílio tenha tanto significado dentro da biografia deste autor. Sua mãe, professora pública, e o pai, corretor de valores, não gostavam da ditadura, que matou e expulsou do País um certo número de contestadores. Os pais do escritor não pegaram em armas, longe disso, mas fizeram com que o filho entendesse na democracia, inexistente em sua infância, o único caminho político para o Brasil. Isto tudo talvez tenha impulsionado Santiago a integrar, como aluno, o Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, o IFCS, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Nos anos 80, início da abertura política, o estudante viu professores serem afastados por pronunciarem o mesmo sonho a ele ensinado pelos pais.

Enquanto estudava os tantos números que a sociologia exige e os aspectos da vida humana que a antropologia desenha, ele foi parar no teatro, como ator. Aos 14 anos, era o Menino, ao lado de Dina Sfat, na peça Seis Personagens à Procura de Autor, de Luigi Pirandello, novamente em torno de identidades em busca de quem as crie. Muitas experiências no teatro depois, uma bolsa de estudos no Atlantic College, do Reino Unido, e a estreia como autor na peça A Fonte da Eterna Juventude, em 1985, com direção de Domingos Oliveira, ele entendeu que desejava ser ficcionista, mais do que um analista do caos social.

Foi em 1995, então na TV Globo, que apresentou pela primeira vez o projeto para Amor e Revolução, talvez recusado apenas em razão de sua inexperiência como autor. A novela, em curso no SBT desde o último dia 5, depois que o empresário Silvio Santos pessoalmente aprovou, por e-mail, a proposta deste “Romeu e Julieta brasileiro”, como Santiago o resumiu, chega para firmar o departamento de teledramaturgia da emissora. Mas tem atingido, no horário das 22h15, uma média de audiência no ibope ainda modesta, de 5 pontos, o que equivaleria a aproximadamente 300 mil lares brasileiros nela envolvidos todo fim de noite. Quando apresentou a proposta nos anos 90, o escritor ambicionava abordar do golpe de 1964 à chamada redemocratização. Hoje, em 200 capítulos, Amor e Revolução espera chegar até o final da guerrilha do Araguaia, em meados dos anos 70. O final da história, portanto, não será feliz.

Essa ficção usa os ingredientes novelescos a que os brasileiros se acostumaram recentemente. Bem e mal lutam de forma imutável, ironicamente a contestar os seres mutantes da novela anterior de Santiago. Maria Paixão é a protagonista que, revolucionária a ponto de batizar seu cachorro de Karl, em homenagem ao ídolo Marx, sai pela noite com o bicho de estimação na bolsa, ao encontro do militar legalista José Guerra. Protagonistas de uma trama entre o sangue e o pulsar da atração, Maria e José lamentam a democracia perdida em 1964 e se beijam ao luar. O diretor Reynaldo Boury, experimentado em grandes ocorrências da telenovela, de Redenção a Ciranda de Pedra, entre inúmeros títulos, filma bem o romance, com um misto de sutileza e intensidade.

O amor, contudo, não é a tônica exclusiva desse trabalho. A novela opera em muitos núcleos ficcionais. Um deles é o do jornalista, que vacila entre a linda e tolerante chefe e a enciumada esposa, decidido a assumir a responsabilidade de dizer coisas em sua escrita. Um guerrilheiro das antigas e sua ainda bela companheira se veem perseguidos pela ditadura, enquanto o filho do ativista é torturado, em companhia da namorada, por Aranha, personagem a evocar o delegado da ditadura Sérgio Fernando Paranhos Fleury. Vivido por um calmo Jayme Periard, Aranha tem a companhia de um convincente auxiliar, com mais pathos para a representação do torturador. Sobre o personagem, interpretado por Ernando Tiago, é possível que ainda recaia (já que novela é dramaturgia aberta, submetida a interesses de audiência) a paixão por um diretor teatral. E muito curioso é o núcleo representado pelo general e por um de seus filhos, irmão do mocinho, mas obsedado pela tortura. Aqueles homens terríveis jamais tiram seu uniforme militar, nem à hora do jantar, nem no quarto de dormir.

Nessa novela, estouram-se aparelhos, homens e mulheres se veem constantemente forçados a falar no pau de arara ou mergulhados em tanques, e crianças roubadas dos ativistas são entregues ao pesadelo de viver com quem persegue seus pais. Não há uma preocupação em fazer esse suspense crescer, já que torturar e matar constituem exercício incessante dentro da novela, exibida em horário propício para maiores de 14 anos. Ao final de cada capítulo, esse bombardeio de imagens fortes vem reforçado por intensos depoimentos, como os de torturados reais, a exemplo de Rose Nogueira, que conta como, então jornalista da Folha da Tarde, viu-se sob a sanha sádica dos militares apenas um mês após ter dado à luz, e de Maria Amélia Teles, que, torturada com o marido, presenciou os próprios filhos levados à cela, intrigados por seu pai estar “verde” e sua mãe, “azul”.

A força dos depoimentos dá sentido, ou pelo menos verossimilhança, a esta trama na qual os diálogos são difíceis, como se diretamente tirados de um livro facilitado. Em entrevista a CartaCapital, o diretor Boury admite “um pouco” de dificuldade de encenar as palavras reveladoras de “muita informação histórica”. Mas ressalta que os atores interpretaram “muito bem” o “diálogo coloquial”. Os personagens, nessa novela, parecem-se antes com leitores de um texto sempre repetido, sob risco eventual de esse processo mecânico, como diz o filósofo Henri Bergson, resultar em riso.

Ainda assim, é a primeira vez que uma novela integralmente dedicada a tal período histórico vinga na televisão, algo que se deveria comemorar, pelo bem do resgate memorial brasileiro. “O assunto ditadura infelizmente não sai de pauta”, diz Santiago a CartaCapital. “Não, pelo menos, enquanto houver mortos insepultos e criminosos impunes resultantes dela.” Estranho, portanto, que o autor lhes tenha dado voz tão livre dentro de uma novela imbuída de denunciar atrocidades. O ex-coronel e ministro Jarbas Passarinho e o torturador Sebastião Curió fazem a apologia ditatorial em dois depoimentos ao final de um capítulo. “A Revolução de 64 foi um atendimento das Forças Armada (sic), do Exército, a um chamamento do povo”, diz Curió, com voz trêmula, enquanto Passarinho abre os olhos excessivamente e, exaltado, lamenta que a história tenha reputado acerto apenas em seus inimigos: “Primeiro que eu lastimo é isso, não tenhamos conseguido em 40 anos sair como quem sai de uma trincheira de combate naquele momento”. Ele lastima quem, “entregue a maniqueísmos”, diz que “essa parte da vida brasileira foi feita pelos maus”. E assevera, sôfrego em seus 91 anos: “O outro lado nunca foi criticado, nunca foi mostrado quantos crimes foram praticados, coletivos, como o atentado de Guararapes”.

Santiago diz que contatou o general Newton Cruz e o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, notórios representantes da truculência ditatorial, mas eles se recusaram, como outros, a falar. E por que o escritor faria tanta questão de ouvi-los? “Penso que devo, dentro da novela, dar voz a todos”, resume Santiago, que dessa novela espera, principalmente, o pleno sucesso junto ao público. “E acontece de o depoimento do representante da ditadura aparecer enfraquecido, como o foi o de Jarbas Passarinho”, ele crê. Forçoso reconhecer que houve uma sutil tentativa, por parte da direção da novela, de interferir na gaiola de Curió e Passarinho, já que, ao fundo de seus depoimentos, um piano interpreta suavemente Caminhando e Cantando, do notório opositor Geraldo Vandré. Aliás, a opção instrumental representou um raro momento dentro da trilha sonora da novela, em que as canções soletram mensagens todo o tempo. “A música cantada era o grande mote da época. Foi um tempo de muita música de protesto”, argumenta Boury.

O fato é que, neste momento, Tiago Santiago colhe adesões de uma opinião pública a seu projeto tanto quanto, contrariamente, pipocam em direção a ele curiosas contestações. Uma delas parte de um abaixo-assinado publicado no site Portal Militar, com cerca de três centenas de assinaturas, no qual é solicitada ao Ministério Público Federal a proibição da novela. O abaixo-assinado diz que a Comissão da Verdade, “recém-criada”, estaria participando de um acordo para a exibição de Amor e Revolução. Em realidade, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias aprovou audiência pública para discutir sua criação, prevista no projeto de lei 7.376/10. Para os signatários, há ainda sinais de “um acordo, firmado com o empresário Silvio Santos, visando ao saneamento do Banco PanAmericano do próprio empresário”, oculto na decisão do SBT de exibir a novela.

Tiago Santiago acha descabida essa argumentação “militar”, já que Silvio Santos (em que pese ter veiculado, à época da ditadura, um programa no qual a rotina do presidente João Baptista Figueiredo era simpaticamente retratada) não é autor da ideia e a aprovou antes do segundo turno da eleição presidencial de 2010. Santiago quer mesmo é entreter e informar sobre o passado, prestando, com isso, uma “utilidade pública” à audiência, segundo diz. Uma democracia, acredita ele, deve punir quem cometeu crimes tão sérios, e a novela, nesse sentido, funcionaria também como campanha para o restabelecimento da verdade.

Tampouco pareceu correto ao autor o argumento do colunista da Folha de S.Paulo Fernando Barros e Silva em sua crítica publicada na edição do dia 10 do jornal. Para o jornalista da Folha, a novela “não presta como obra de ficção nem tem valia como documento histórico”, já que, eivada de “diálogos postiços”, ainda afirma que houve violência antes de 1964 e que a tortura teria sido sistemática antes da adoção do AI-5, em 1968. “Eu sugeriria a Barros e Silva que lesse o capítulo Pelas Barbas de Fidel, contido em A Ditadura Derrotada, de Elio Gaspari”, indica Santiago. “Lá se diz que em 1962, com bênção cubana, o Movimento Revolucionário Tiradentes planejava a montagem de um dispositivo militar em sete estados.” E, lembra o autor, houve vítimas sistemáticas da tortura antes de 1968, conforme denunciara Marcio Moreira Alves no livro Tortura e Torturados, publicado ainda em 1966.

Não será de boas intenções que a novela sofrerá, como se pode deduzir dos argumentos em prol da informação histórica exibidos por seu autor. Mas há em Amor e Revolução uma ausência de inovação estética que pode deixar cabisbaixo quem anseia por qualidade. Porque, ao surgir, o gênero buscava o público, mas também o experimento, segundo lembra Lauro César Muniz, objeto do livro Lauro César Muniz Solta o Verbo, de Hersch W. Basbaum. Em entrevista a CartaCapital, o dramaturgo responsável por clássicos como O Santo Milagroso, Direita, Volver!, Carinhoso, O Casarão e Poder Paralelo comenta com bom humor a batalha que tomou para si. “Briguei pela qualidade, que caiu enormemente nesses últimos dez anos, e concluí que, agora, seria o momento de não me repetir, apresentando propostas concretas para melhorá-la”, ele se ri. “Quando proponho lutar pela redução do número de capítulos, de 200 para 100, por exemplo, digo que, sob esse formato, conta-se melhor uma história, com menos risco de ‘barriga’, que é como chamamos a interrupção repentina do interesse do público, especialmente quando o drama se estica sem necessidade.”

Para Lauro César Muniz, a narrativa geralmente enfraquece quando o texto é composto por muitos autores impedidos de expor a própria história. Um bom novelista, ele crê, saberá encontrar a verdade que há na existência e levá-la à televisão, se liberdade tiver. Hoje na Record, Muniz deseja trazer da tevê por assinatura os escritores talentosos. Em sua maioria jovens, eles saberiam compor narrativas de credibilidade, eivadas de diálogos instigantes como os dos bons seriados norte-americanos atuais. Talvez este seja um mal de que sofra Amor e Revolução, bem intencionada, mas impessoal, fiel ao propósito histórico mas desinteressada do sopro da irreverência, exceto, é claro, quando coloca a espantosa realidade dos torturados depoentes em cena.

___________

Fonte: CartaCapital