O aumento de 28% com relação a 2009, que somou 756 projetos, está relacionado ao ritmo de crescimento do país nos últimos anos e, principalmente, ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O fenômeno – que se estende para demais áreas ligadas à preservação ambiental e cultural – tem sido, no entanto, mais evidente para a arqueologia brasileira, que ainda apresenta obstáculos na definição de uma regulamentação própria e na formação profissional.

Desde 1986 – quando uma resolução do CONAMA (Conselho Nacional de Meio Ambiente) determinou que a arqueologia devesse fazer parte dos estudos de impacto ambiental -, a atividade tem deixado de ser restrita ao âmbito acadêmico. Em 2002, o IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), encarregado de autorizar o trabalho arqueológico e fiscalizá-lo, publicou a Portaria nº 230, que disciplinou a questão do patrimônio arqueológico, em áreas de empreendimentos causadores de impacto ambiental. A medida incentivou ainda mais a criação de empresas especializadas neste tipo de serviço, e que hoje já ultrapassam 50, em todo o país.

“No curto prazo, pelo menos, há sim mercado de trabalho, porque existe uma série de obras que precisam de mão de obra qualificada”, afirma o professor da Unicamp Pedro Paulo Funari, ao explicar que não se abrem mais cursos de graduação no país, pois muitas universidades ainda tem dúvidas com relação à demanda e ao mercado de trabalho.

De acordo com o Censo da Educação Superior, em 2009, o país possuía apenas oito cursos de graduação na área. Dados mais recentes do Cadastro da Educação Superior indicam que, de lá pra cá, somente um novo curso foi criado. Em 2006, quando existiam dois cursos de graduação, foram matriculados 94 alunos, sendo que apenas 17 o número de concluintes. Naquele mesmo ano, ninguém se formou em arqueologia.

A situação se estende aos cursos de pós-graduação. Segundo levantamento da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), em 2003, o número de titulados (mestres e doutores) em arqueologia, avaliando-se a formação na área de antropologia, foi zero. Seis anos depois, foram somente 14 pessoas com o título em arqueologia no Brasil – nove pela Universidade Federal de Pernambuco e cinco pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Continuidade na pesquisa

Após o aquecimento da arqueologia, impulsionado pelas obras do PAC, teme-se que a demanda pela formação de novos técnicos afete a qualidade dos cursos e a produção acadêmica. Em alguns casos, uma só pesquisa científica pode durar décadas, enquanto que um projeto preventivo pode durar apenas alguns meses.

Para Funari, o fato de a profissão não ser regulamentada no Brasil implica em falhas no desenvolvimento de políticas específicas para as empresas arqueológicas. “Em outros países, como na Inglaterra, a empresa é obrigada a publicar artigos e obras científicas dentro de um prazo. Se não fizer isso, ela não pode participar de licitação para outro trabalho em campo”, explica. De acordo com o professor, cabe ao IPHAN exigir das empresas a continuidade da pesquisa depois que coletados os materiais.

O coordenador de Pesquisa e Licenciamento Arqueológico do Centro Nacional de Arqueologia do IPHAN, Rogério Dias, acredita que afirmar que empresas arqueológicas não invistam no prosseguimento é exagero. “O IPHAN faz a exigência ao nível de nossa legislação. Não se pode fazer uma pesquisa científica dentro de uma hidrelétrica, como a de Santo Antônio do Jirau. É claro que muitos materiais que são descobertos lá, registrados e apresentados nos relatórios, vão ser elementos de estudo para as futuras gerações”, argumenta.

Um ponto levantado pela arqueóloga Solange Caldarelli é o fato de que hoje existem mais projetos de licenciamento ambiental do que projetos que geram informações sobre sítios arqueológicos. Diretora da Scientia Consultoria, empresa responsável pelo levantamento arqueológico em Belo Monte, Caldarelli explica que muitos projetos são realizados em áreas muito pequenas, como uma estação de tratamento de esgoto, o que pode não gerar sítio algum. “Se você não encontra sítio, não há o que divulgar”, declara.

Caldarelli conta que, há alguns anos, a consultoria esteve à frente de uma linha de transmissão em São Paulo, onde encontraram um sítio excepcional. Desde então, a empresa tem feito publicações e participado de discussões em congressos.Quando não pode continuar no estudo científico, a empresa incentiva o uso dos materiais coletados em mestrados e doutorados.

“Nós temos um limite nisso; a empresa não se sobrepõe ao Estado e não faz mais do que ela tem fôlego para fazer. Os próprios diretores e coordenadores são todos estimulados a apresentar seus trabalhos. Depois de um determinado momento, quando se entrega o relatório ao IPHAN, não estamos mais pagando o funcionário. Mas pagamos a ida dele a congressos, e os gastos para ele divulgar”, afirma a diretora.

Segundo Walter Morales, sócio-diretor da Arqueologia Brasil, a demanda por novos profissionais é muito grande, e tem revertido o sistema, no sentido de que hoje a academia não é mais o centro do trabalho arqueológico. Envolvida em grandes obras no Nordeste, como a construção de um parque eólico no Rio Grande do Norte, a empresa de Morales conta com 16 funcionários, e pretende contratar mais para este ano. Geralmente, os projetos duram de quatro e cinco meses.

Questionada sobre a instrumentalização do trabalho científico, Caldarelli acredita que, ao menos na arqueologia, a pesquisa científica é inerente ao trabalho do profissional, esteja ele ligado ao mercado ou não. “O arqueólogo tem naturalmente a ligação com o mundo científico, e tem a necessidade de ser reconhecido pelos seus pares e de mostrar o que descobriu”, afirma, destacando ainda que, como a publicação de artigos científicos é algo lento, caso isso fosse condição para que a empresa pudesse firmar outro contrato, não se teria empresas no Brasil capazes de dar conta da demanda atual.

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Fonte: Agência Dinheiro Vivo, no Brasilianas.org