A integração económica no quadro do capitalismo tem constituído e continua a constituir um meio de aprofundar as desigualdades entre países e regiões, fortalecendo os que à partida eram mais fortes e empobrecendo relativamente os mais débeis.

Esta lógica objectiva corresponde, em última instância, ao aumento da acumulação e concentração de capital dos grandes conglomerados de empresas e dos monopólios dos países mais ricos e desenvolvidos, que não só engordam à custa do saque do Terceiro Mundo, como também, dos países menos desenvolvidos da UE.

É por isso que a União Europeia é cada vez mais, como repetidamente o PCP vem afirmando, a Europa do grande capital e dos monopólios e não a Europa dos trabalhadores e dos povos.
Com a evolução dos instrumentos jurídicos que suportam a arquitectura das Comunidades Europeias, particularmente a partir do Acto Único, tem-se acelerado esta tendência de domínio dos pequenos países pelos grandes, em que, de tratado em tratado, de revisão em revisão – Maastricht, Nice, Lisboa, Pacto do euro, revisão do Tratado de Lisboa, etc. – a margem de manobra dos pequenos países na gestão autónoma e soberana da sua vida vai diminuindo, restando cada vez menos variáveis, sejam elas políticas, financeiras, económicas e sociais, que estes estejam “autorizados” a exercer em plenitude, ou, simplesmente a exercer.

É o exercício da soberania, isto é, da capacidade de cada estado poder tratar da sua vida colectiva de acordo com os seus interesses e desejos, no quadro da sua independência.
Relativamente a esta questão não posso não deixar de recordar que Portugal é o mais antigo estado de toda a Europa, comunitária e não comunitária, estado com quase nove séculos de existência.

No exercício da sua soberania designadamente no plano económico, os estados, naturalmente que numa perspectiva não autárcica e de alguma integração, devem ter o direito de instalar, possuir, desenvolver e gerir, um conjunto alargado e diversificado de actividades estratégicas, tantas quanto as suas condições, em termos de recursos naturais, humanos, económicos e financeiros o possibilitem, em cada momento histórico do seu devir.

Tais actividades estratégicas, constituem, como é sabido, uma condição necessária para o desenvolvimento de toda a economia, ao desenvolvimento integrado e para o exercício da soberania.

De facto, entendemos que os estados em geral, e os estados-membros da UE mesmo no quadro da integração, devem ter o direito de exercer a sua soberania em plenitude, neste caso no plano económico, nomeadamente através da sua capacidade de gerir e possuir sectores e actividades estratégicas, designadamente no domínio da soberania alimentar, da exploração e valorização das suas riquezas naturais estratégicas, mas não só, das indústrias estratégicas, da exploração, aprovisionamento, produção e distribuição de energia, das comunicações e transportes, das telecomunicações e das infra-estruturas logísticas.

Acresce, como uma espécie de pano de fundo, a gestão do dinheiro, entendido enquanto um bem público, isto é, a gestão soberana do sistema financeiro.
A adesão e a permanência de Portugal na CEE/UE, tem impedido o necessário desenvolvimento de muitas actividades claramente estratégicas, como aquelas que sinteticamente elencámos.

Desde logo, no domínio de tão importante vertente estratégica com é o da soberania alimentar.

Portugal possui excelentes condições edafoclimáticas, que possibilitam a produção de diversificados produtos agrícolas, bem como a maior ZEE de toda a Europa, base segura para o desenvolvimento das pescas, onde o grau de auto-aprovisionamento atingiu o dramático valor de cerca de 40%.

A PAC e a PPC têm-nos trazido problemas sérios, particularmente a nível da produção de cereais, da produção de beterraba sacarina, do leite e das pescas, para só citarmos os casos mais relevantes.

Este último exemplo, agravado pelas políticas anti-produtivas dos sucessivos governos portugueses, assume características criminosas, dado o nosso potencial pesqueiro e a nossa tradição e cultura alimentares, de utilização intensiva dos produtos do mar.

Noutro domínio, Portugal possui imensos e diversificados recursos mineiros, tendo com referência a sua área e população, designadamente minérios de metais estratégicos como o ferro, o cobre, o zinco, o estanho, o chumbo, o tungsténio e o urânio, e, mesmo diversos metais mais raros, como o lítio, actualmente com grande procura.

Todavia estes ou não são explorados – caso do ferro – ou quando o são, têm uma reduzida valorização em território nacional, pois que a sua posse efectiva está nas mãos de grandes multinacionais do sector, cujos interesses não se compaginam com o interesse nacional.

Países da UE da dimensão de Portugal, como a Bélgica, a Áustria, etc., sem quaisquer reservas destes metais, possuem importantes metalurgias ferrosas e não ferrosas.
Embora esta situação, não podendo ser directamente associada à presença na UE, pode sê-lo indirectamente, face às condicionantes de carácter ideológico.

No plano da indústria transformadora a integração na CEE/UE, quase sempre negativamente potenciada pelos governos portugueses, seja no quadro da negociação dos tratados, designadamente o da adesão, seja no de orientações de políticas económicas claras ou subentendidas provenientes de Bruxelas, tem impedido o desenvolvimento de áreas básicas e estratégicas como a siderurgia, as metalurgias não ferrosas, a petroquímica, a produção de material circulante ferroviário e a indústria naval, para só referirmos as áreas mais paradigmáticas.

Numa área cuja sensibilidade estratégica aumenta todos os dias como é a da energia, em que o nosso país, de forma aparentemente contraditória, apresenta uma elevada dependência externa, mas, em simultâneo, possui vastos e diversificados potenciais de energias renováveis, base objectiva para a produção de electricidade, e, em que o potencial de muitas delas está ainda insuficientemente aproveitado, julgamos ser de destacar o facto, do país nunca ter tido adequados apoios em projectos para a produção hidroeléctrica por parte da UE, pois que a grande maioria dos países, particularmente os mais fortes, ou não têm ou já têm completamente aproveitado este recurso.

Nas comunicações e transportes, outra área estratégica, a reprodução em Portugal das políticas e orientações de Bruxelas, que ajudaram a desmantelar o sector público, privilegiam o modo rodoviário, particularmente o individual, em vez do transporte colectivo, preferencialmente os diferentes modos sobre carris electricamente accionados, destruíram o sistema de transporte ferroviário em Portugal e inflacionaram a níveis incomportáveis o peso dos transportes nos consumos energéticos.
Relativamente às telecomunicações as pressões comunitárias, mesmo que subreptícias, com vista à privatização da grande empresa do sector, retiraram ao Estado português a capacidade de poder intervir em tão estratégica área.

Finalmente o sistema financeiro. O processo de privatizações em Portugal, também induzido pela paranóia neoliberal originária da UE, e prosseguido de forma ultra diligente pelos governos portugueses, passou a banca para a iniciativa privada e, numa segunda fase, de forma crescente, para as mãos do capital estrangeiro.
Actualmente mais de 50 % dos activos do sistema bancário estão nas mãos do capital estrangeiro, o que conduz a que tão estratégico sector não possa ser utilizado no soberano interesse nacional.

Eis de forma muito sintética o quadro da situação do exercício da nossa soberania relativamente aos principais sectores estratégicos, decorrentes da presença de Portugal nesta UE do grande capital e das grandes potências.

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Membro da Comissão junto do CC do PCP para as Actividades Económicas. Intervenção no debate “Alternativas à crise na União Europeia: Direitos, Produção, Solidariedade e Soberania” promovido pelo PCP e GUE/NGL.

Fonte: ODiario.info