Por onde a gente olha enxerga vasta mata com araucárias que se perpetuam diante de nós. O horizonte se apresenta incerto, o medo de seguir adiante é constante, e para matar o inimigo é preciso atirar indisciplinadamente, na vegetação que pode ser o esconderijo do oponente. Roçar a selva com milhares de tiros de fuzis e metralhadoras, fazer tombar o inimigo a qualquer custo e acabar com a incidência revolucionária de Luis Carlos Prestes.

Essa poderia ser a imagem visual e mental dos Capitães Claudino Nunes e Paim Filho, dos seus soldados e dos 200 combatentes que morreram no confronto entre as forças legalistas que se encontraram onde atualmente é a comunidade da Separação, na época parte da região Maria Preta, atravessando a sangrenta noite de terça-feira de 24 de março de 1925. Com certeza aquela foi uma "noite sem fim" para muitos soldados, e o "inferno" para centenas de outros que se depararam, ao sentirem o vento fresco do alvorecer, de estarem saboreando a própria derrota em uma luta fatídica entre companheiros.

Centenas de homens em uma caçada sangrenta em mata fechada

A memória de barraconenses e cerqueirenses não chega mais a eternizar as lendas da batalha daquela terça-feira, 86 anos atrás. Entretanto, a história ainda fragmenta a guerrilha Tenentista no Oeste de Santa Catarina e do Sudoeste do Paraná. Na época a região da tri-fronteira era composta de intensa mata virgem, que era explorada por argentinos e paraguaios na extração de araucárias e erva-mate. A Separação está na divisa entre os dois Estados, e a batalha se deu ali, menos de 500 metros adentro do lado catarinense.


Cemiterio de Separação

A Coluna Revolucionária de Prestes se defrontou com as forças legalistas do governo de Arthur Bernardes, em um grande combate nas proximidades do Rio Maria Preta, na atual comunidade da Linha Maria Preta, interior de Dionísio Cerqueira, na época um vilarejo conhecido como Barracão. Em trincheiras, que até pouco tempo podiam ser vistas, morreram muitos soldados e revolucionários, restos e fragmentos encontrados em 1950.

De um lado, cerca de 800 homens de Prestes e, de outro, mais de 1500 homens sob o comando de Claudino Nunes, da Brigada do Rio Grande. Por meio de seguras fontes, Prestes sabia da vinda da Força Militar Ferroviária do General Paim Filho, com a intenção de surpreendê-los em todos os lados em uma emboscada mortal. Então, como já não tinha mais munição para combater de igual para igual, bateu em retirada rumo ao vilarejo de Barracão, onde reforços o aguardavam, pois juntar-se-iam à Coluna Revolucionária, as tropas de Fidêncio de Mello.

Para um obcecado desejo, uma inesperada surpresa

Mas o voluntarioso Capitão Claudino estava obcecado na busca da cabeça de Prestes, e partiu com sua tropa em uma perseguição em meio à mata, subindo pelas picadas a íngreme serra da Maria Preta. Naquele tempo, sem estradas e com mata fechada, era uma missão dificílima enfrentar uma serra como aquela, mas todos os envolvidos nesta história eram extremamente habilidosos nisto. Já estava escuro quando chegaram ao topo e os soldados se depararam com um vale, e se posicionaram sobre uma grande colina, já aberta pelos madeireiros argentinos.

Hoje, este local pode ser visitado facilmente, pois fica ao lado da hípica, onde são as terras de Luiz Colombo, cujo pai era filho/criado de Mário Cláudio Turra, um dos primeiros moradores da tri-fronteira e também madeireiro e fundador da vila que é hoje o distrito de Idamar, nome a este dado em homenagem Mário e sua esposa Ida. A Coluna Prestes, fugindo das tropas do Capitão Claudino, no inicio da noite se deparou com a do Capitão Paim Filho, se aproximando com mais de 70 homens chefiados por Cordeiro de Farias. Prestes se viu encurralado, como estava previsto acontecer.


Cruz de 1925

Mas sua frieza, inteligência de guerrilha e habilidade em estratégia militar, fizeram-no articular rapidamente uma saída. Retirou seus homens silenciosamente, possivelmente atravessando uma área de banhado, bem no centro do vale, deixando os dois contingentes militares frente-a-frente, há uns 800 metros de distância, um em cada colina. Com o mínimo de estimulo, os obcecados Capitães autorizaram as suas artilharias iniciarem a sangrenta batalha que atravessaria a noite escura e resultaria em mais de 200 mortos e outros tantos feridos. Foi este episódio que criou a lenda de Prestes, de ter um talento militar inigualável e fazer-se vitorioso em batalhas sem sequer disparar um tiro.

Fragmentos de uma batalha monumental dão luz a possíveis verdades

Hoje, 86 anos depois, é possível encontrar no local, centenas de cápsulas de fuzis e fragmentos de armas. Estudos de registros da época, dão conta que foram gastos mais de 50 mil tiros, mas pelo volume no local, tudo indica terem sido muito mais de 100 mil disparos. Luiz Colombo, que cresceu naquelas terras juntando latões de cápsulas deflagradas e intactas, guarda em sua casa parte de uma encilha de prata, achado em meio às lavouras de soja. "Os mais antigos e meu pai chegaram a ver muitas cruzes nesta região, em lotes de cinco ou seis há relevantes distâncias", comentou Colombo.
De fato, há alguns estudos sobre este confronto que trazer luz sobre algumas "possíveis verdades". Primeiro, são vários livros que dizem que morreram mais de 200 soldados, e não 30 ou 40 como algumas matérias publicadas na imprensa regional, ao longo dos anos, divulgaram.


Fuzil encontrado no local da batalha

O premiado livro "A noite das grandes fogueiras", do jornalista da Globo, Domingos Meirelles, destina quase um capítulo a esta batalha, enfatizando os 200 mortos. Pesquisas de universitários gaúchos, cujos detalhes não dispomos, mas que temos algumas informações, apresentaram uma versão de que os 200 mortos foram sepultados em vários cemitérios clandestinos, sinalizados com cruzes de madeira, muitos deles em regiões altas, onde estavam postados os batalhões militares durante a batalha.

A perpetuação de um dos maiores erros militares da nossa história

O tempo consumiu as cruzes, as lembranças não existem mais, pois os que viveram aquele confronto já não estão mais vivos, nem mesmo Luiz Carlos Prestes, que na época tinha 25 anos e morreu com mais de 90 anos, contava maiores detalhes. Resta apenas um cruzeiro de toscos palanques de madeiras, atualmente pintados à cal pelo morador Arliti Santin, que cercam uma área de 3×5 metros. Apenas aquilo para perpetuar o equivocado combate de Separação, que foi certamente um dos maiores erros da ação militar na história brasileira. Por isso que o Exército não dá maiores detalhes sobre o acontecido, colocando que apenas 20 ou 30 combatentes morreram neste confronto (claro que querem esconder a verdade).

Só resta aquele cercadinho para que os cavaleiros na Semana Farroupilha possam parar e fazer orações silenciosas em meio ao descampado. Para encerrar outro fato de importância histórica deve ser ressaltado aqui; no ano de 1990 seu João Oviedo Farias na época proprietário do local recebeu em sua casa o Sr. Luiz Carlos Prestes, que lhe disse que tinha vindo visitar os companheiros de batalha que estavam enterrados no pequeno cemitério, próximo a sua casa. Lhe disse que mandaria dinheiro para que construísse um museu no local. Prestes faleceu no mesmo ano em que visitou os lugares onde havia passado comandando a coluna. O tempo está passando e logo não restará mais nada para propagar o que aconteceu.

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Presidente da Associaçao Recreativa e Cultural Nacional, entidade cultural que luta para preservar locais historicos do municipio de Dionisio Cerqueira