No crepúsculo de 2010 a reunião do G-20 (Seul, 11/2010) ecoou a gritaria opositora aos EUA em manter a supremacia de sua moeda contra o mundo – ataque cataléptico de sua desidratada economia em crise. “Nova guerra financeira mundial”, definiu o influente economista Michael Hudson, o outro pacotaço dos EUA (U$ 600 bilhões) para aprofundar a desvalorização do dólar, facilitar suas exportações, assim como o pagamento de suas contas externas e a especulação contra as moedas (já ultravalorizadas) de vários dos “emergentes”; o que se soma à desvalorização do euro – a do yuan chinês, noutro nível – frente a várias outras moedas.

Desta feita, até as Filipinas (antiga colônia americana) denunciou o porrete imperialista, junto a Brasil, China, Índia, África do Sul, Japão, Alemanha. Testemunhou-se “indignação” e ameaças da parte de Timothy Geithner, o secretário do tesouro norte-americano. [2] Enfim, “guerra de capitais”, como bem conceituou o economista Lecio Morais [3]; intensificação da guerra comercial pelo império, o que já vem se desdobrando em inevitável protecionismo global. Não à toa, Daniel Eckert, colunista do jornal alemão “Die Welt” e autor do livro “Weltkrieg der Währungen” (“Guerra mundial de divisas”) compara os EUA com um “viciado em heroína, que tem a sua droga fornecida pela China”; os EUA consomem – diz ele – e a China produz o que os americanos consomem; os EUA se endividam, a China fornece o capital para o endividamento americano; a China é, maior credor americano. [4]

EUA e UE: decadência e obscurantismo no capitalismo central

Como nos EUA, na União Européia (onde se destaca combativa e persistente resistência popular) a maioria dos 27 segue em estagnação econômica a se prolongar e em decadência social; submersos estes dois grandes pólos em dívidas impagáveis, desemprego elevadíssimo, cortes brutais do financiamento público, aumento de xenofobia, racismo e da violência.

Em números gerais, segundo a liberal “The Economist”, os EUA crescerão 1,5% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2011; o mundo 3,7% (80% vindo dos “emergentes”), em lugar dos 4% antes imaginados; a zona do euro 1,5%, prevê a Comissão Européia. Enfocando outro aspecto grave do atual estágio da crise sistêmica, ainda em setembro passado o próprio diretor-gerente do FMI, Strauss-Kahn esclareceu: “A recuperação não é suficiente, é preciso ter uma recuperação com emprego” (Valor Econômico, 14 de setembro 2010).

Avançam manifestações eleitorais de crescimento da extrema-direita nos EUA (“Tea Party”) e em vários países europeus. O fenômeno é crescente e preocupante.

Sobre essa questão, importa assinalar que: a) é notável o crescimento da influência da extrema direita francesa, onde se institutos projetam a “Frente Nacional” de J.M. Le Pen (e sua midiática filha, Marine) superando em votos a UMP (“União por um Movimento Popular”, de N. Sarkozy; b) nas eleições regionais italianas (março, 2010) a neofascista “Liga do Norte”, foi o terceiro partido mais votado (12,7%) dos votos dos italianos, quase o triplo do conquistado nas eleições regionais de 2005; c) na Suíça aprovou-se o referendo (novembro, 2010), de autoria do texto é do partido de extrema direita SVP (“Partido do Povo Suíço”); a Lei determina a expulsão automática de imigrantes condenados por crimes no país, incluindo cidadãos europeus.

Na verdade há proliferação de alianças politicos-eleitorais na Europa entre a denominada direita “tradicional” e a extrema-direita (nos Países Baixos, na Dinamarca, na Itália ou na Áustria). O que “reflete una tendência europeia fundamental” acelerada pela crise. Marine Le Pen, a exemplo, pertence plenamente a esta geração europeia dos “netos” (e “netas” de Pétain, Mussolini, Hitler, Franco) como os Wilders (Países Baixos), os Fini (Itália), os De Wever (Bélgica), os Strache (Áustria), os Vona (Hungria), os Tudor (Romênia), os Kjaersgaard (Dinamarca). [5]

Ademais, em meados de 2011: a) cerca de 2/3 dos estados americanos estará às portas da falência; b) a bancarrota fiscal européia somente agravará a questão social e a situação dos trabalhadores. E, pelas estimativas de seus próprios governos (municipais, estaduais e federais) será necessário um refinanciamento superior a US$ 3 trilhões nos EUA, e de US$ 2 trilhões na Europa para que consigam fechar as contas ao longo deste ano.

A própria OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) crê num “hiato de produção” mundial que não deva se fechar até 2015, enquanto economistas de Harvard e Cingapura encontram um crescimento econômico do G-7 de 2,1% entre 1998-2008, e consideram que nos próximos 10 anos este será de 1,45% [6].

O “arco-íris” asiático

Na Ásia, em disjuntiva à decadência, consolida-se em escala espectral a China (“economia socialista de mercado”) que: a) supera em 2011 o líder EUA na manufatura, disse Daniel Franklin, editor da “The Economist; b) inaugurou o trem bala mais rápido do mundo (Xangai-Hangzhou), a quase 420 km por hora; c) criou o supercomputador mais rápido do mundo, o Tianhe-1A, “transformando o país em superpotência da tecnologia”, escreveu Ashley Vance, do “The New York Times”; d) liderou investimentos mundiais em petróleo, com gastos de 45% do total de fusões e aquisições, em 2009, cifra que chegou a US$ 18 bilhões ainda em setembro de 2010; e) acumulava reservas internacionais correspondentes a US 2,85 trilhões em dezembro de 2010 [7]; f) as primeiras imagens do “caça invisível” chinês J-20 – só existente nos EUA e na Rússia – foram vistas na internet no 5 de janeiro deste ano, coincidentemente dias antes da visita de R. Gates, ex- chefe da CIA e atual secretário da Defesa.

Em 2011 a China deverá crescer 8,5% seu PIB, a Índia, que segue crescendo e se fortalecendo, deverá atingir 8,2%, ainda de acordo com estimativas da “The Economist”. Intensificam-se as manobras táticas de cooperação e conflito entre Índia+China – Índia+EUA. O governo indiano de Manmohan Singh faz claro “jogo duplo”, perigosamente pondo o país no centro das grandes alianças cruciais do início desta década. Note-se que o presidente Obama declarou no apagar das luzes de 2010 ser a Índia “uma potência mundial estabelecida”. [8] Mas, atenção, não é só. Em 28-9 de julho de 2010 o primeiro-ministro britânico D. Cameron visita a Índia para acordos aeroespaciais; entre 6-9 de novembro foi a vez de Obama; de 4 a 7 de dezembro o presidente francês N. Sarkozy e M. Sing anunciam acordos de US$ 9,4 bilhões na esfera nuclear; e o premiê chinês, entre 15-17 negocia US$ 16 bilhões com o governo indiano (Valor Econômico, idem).

Ultrapassado ano passado pela China em sua condição de segunda economia mundial, o Japão voltará à estagnação; as escaramuças militares na península coreana miram estrategicamente a China. A renda familiar japonesa média caiu 9% desde 1993; os trabalhadores temporários crescem e atingiram um terço da força de trabalho (16% dos anos 80). Além disso, até 2055 a população deverá baixar de 127 para 90 milhões de habitantes (40% serão idosos). A situação econômica das pessoas é a razão principal de mais de 30 mil japoneses terem cometido suicídio a cada ano nos últimos 12 anos. Cerca de 77% dos desempregados no Japão não recebem auxílio-desemprego, segundo a Organização Internacional do Trabalho. E, enquanto Jeff Kingston (diretor de Estudos Asiáticos na Universidade Temple, em Tóquio) afirma que na “melhor das hipóteses… Conseguirá evitar uma catástrofe, mas é difícil ver outra coisa que não sejam perspectivas sombrias”, o primeiro-ministro Naoto Kan apresenta a sua (e velhíssima) receita: "Abrir o país", ou seja, reduzir as barreiras comerciais, afrouxar a regulamentação e tornar o país mais atraente para investir. De outra parte, a dívida pública do Japão deve somar o dobro do PIB (2011) e atingir 210% do PIB em 2012, situando o país como o de maior relação dívida pública/PIB entre os países pesquisados (OCDE). Tais razões levaram o premiê Kan, numa entrevista à TV Asahi (5/1/2011) – confirmou o secretário-chefe do Gabinete, Yoshito Sengoku – a dizer que “as condições fiscais atuais não permitem adiamentos nessas decisões, pois estamos nos aproximando da beira do abismo”. [9]

A Rússia?

Resumindo bem: 1) Bateu recorde da sua produção de petróleo em 2010, tendo saído da recessão de 2009; 2) suas reservas internacionais voltaram a crescer e somam cerca de US$ 500 bilhões, recebeu US$ 25 bilhões em investimentos diretos estrangeiros e sua economia deve crescer 4% em 2011; 3) Rússia e Índia assinaram uma série de acordos que inclui a construção de dois reatores nucleares russos, inclusive um “pacto” que anuncia criar e desenvolver jatos de combate de última geração; 4) com os EUA, assinaram um novo tratado Start, que [teoricamente] reduzirá em 30% o número de ogivas nucleares (até 1.550 cada), e limita a 800 o número de vetores estratégicos (mísseis intercontinentais e submarinos), o que foi aprovado pela Duma na primeira de suas três votações. [10]

América Latina desacelera

De acordo com recente boletim da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e Caribe – ONU), a economia latino-americana, que cresceu 6% em 2010, cairá para 4,2% em 2011. O Brasil também vai reduzir quase à metade seu ritmo do crescimento de 2010, segundo a CEPAL a 4,6%, frente aos 7,7% ou mais previstos para 2010. Para a organização, Chile, Peru e Argentina deverão ter os melhores desempenhos deste ano, juntamente com os menores do MERCOSUL (Paraguai e Uruguai). No ano passado a inflação já se manifestou em alta, especialmente na Venezuela e Argentina. No entanto, em 2011 a recuperação do emprego iniciada em meados de 2009, nas estimativas a taxa de desemprego na América Latina e no Caribe deve cair de 7,6% em 2010 para 7,3% no próximo ano. Mas – diz a CEPAL -, o déficit em transações correntes da região deverá alcançar cerca de -1,5% do PIB (1,3% em 2010). Conforme ainda L. Moreno, presidente do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), o grande volume de dólares descarregado na América Latina é um desafio crucial para este ano: “Há um tsunami de dólares em busca de oportunidades. E a busca de oportunidades se dá em países onde há crescimento e não há dúvida que os fluxos de capital continuarão chegando, destacou ele. [11]

A grande convulsão acelera o declínio dos EUA

A devastadora crise financeira, iniciada em 2007-8 forçou até o aparato multilateral de controle imperialista das políticas econômicas. Além de admitir, em abril passado, o controle da conta de capitais o Fundo Monetário Internacional faz um giro para posições mais “realistas”. “Quando a próxima crise financeira explodir – e digo bem quando ela explodir e não se explodir -, devemos estar prontos", alertou em dezembro último o chefe do FMI Strauss-Khan. Prosseguindo, afirmou: "E não podemos contar de novo com os contribuintes para pagar a nova fatura", advertindo que hoje que as consequências da crie global estão longe de ter se esgotado. "A situação na Europa resta preocupante, o futuro é mais incerto do que nunca, e sem esperar que a calma volte, é preciso começar a reconstruir tudo", anunciou ele. [12]

É nesse quadro em que se aclara o estágio do declínio imperialista estadunidense, ao menos em três tendências claras: 1) a crise levou ao “aprofundamento do declínio relativo da economia dos Estados Unidos face às mudanças em curso na divisão internacional do trabalho, sobretudo a partir dos chamados países emergentes, especialmente a China”, conforme prognosticara a Resolução do 12º Congresso do PCdoB, (A extensa, profunda e grave crise do capitalismo, novembro de 2009). 2) Cresce a resistência ao financiamento mundial dos déficits e do endividamento externo dos EUA, pelo resto do planeta, embora e sabidamente: a) este fosse o modelo econômico imposto (e consentido) e “naturalmente” plasmado desde o arranque da “globalização financeira” (década de 1980); b) como antecipara Suzzane de Brunhoff (A instabilidade monetária internacional, 2005), o endividamento dos EUA é distinto dado a condição de emissor da moeda em que denomina suas dívidas; c) a desindustrialização, os processos de outsourcing (terceirização externa) e a queda de produtividade vêem a muito desmontando a base da produção norte-americana e movendo sua economia para os chamados serviços financeiros. 3) A contestação põe em relevo que a transição geopolítica à multipolaridade global exige um sistema internacional plurimonetário, não mais o atual.

Crise, decadência e ilusões monetárias

O que nada tem a ver [13] com o fracassado vaticínio de mais de 20 anos (esperando Godot?) prognosticando o “colapso iminente do padrão dólar”. Escoltado por esta completa inocuidade, a cômica ilusão sobre a substituição do dólar pelo euro se revelou uma completa humilhação: inúmeros analistas e membros de governos europeus passaram ver a saída da atual crise no esfacelamento da moeda européia – algo difícil de se materializar até por falta de alternativas geoeconômicas ao continente. É que para esses, a tendência à multipolaridade era uma “ficção”: em última instância se omitia então a proeminência a da China Socialista – sequer assim a denominavam! – e ao invés da (insidiosa) emergência do yuan, deixaram “se encantar” com a moeda européia nascida em 1999.

Ainda a respeito deste último tema, vale a pena transcrever uma ajustada opinião do professor J. L. Fiori, um grande estudioso brasileiro da complexa dinâmica do sistema de relações internacionais:
“Ao contrário da crise americana de 2008, a crise europeia de 2010 não é apenas financeira, nem se restringe à insolvência de alguns estados de menor importância econômica, dentro da comunidade. Agora sim se trata de uma crise monetária, de insolvência do próprio euro, uma moeda que é emitida por um Banco Central “metafísico”, que não pertence a nenhum Estado, nem administra a dívida de nenhum Tesouro Central”. [14]

De outra parte, consideramos simplificada (e metafísica) a conclusão de I. Wallerstein, para quem “Não há qualquer outra moeda hoje preparada para substituir o dólar como moeda de reserva. Nesse caso, quando o dólar cair, deixará de haver moeda de reserva. Estaremos num mundo de moeda multipolar”. Bem como não estamos de acordo com uma formulação conclusiva do professor Fiori acerca doutra questão correlata: “Mas é absolutamente certo que a simples ultrapassagem econômica dos EUA não transformará automaticamente a China numa potência global, nem muito menos no líder do sistema mundial”. [15] Por que nenhuma coisa nem outra?

1) Porque o vetor principal é a consolidação de um sistema plurimonetário – que na prática já começa a existir – com o dólar sendo parte integrante neste sistema: o problema não é esperar a sua “queda” – isto é absolutamente irrelevante. 2) A República popular da China já é efetivamente a segunda potência econômica global. Ora, acaso, a China reivindica (para hoje) ser “líder no sistema mundial”? Não, e não é essa a questão estratégica crucial, como muito bem acentuou o liberal Fareed Zakaria, ainda em 2008. Pois, explorando e desenvolvendo maneiras de complicar e desgastar a supremacia militar americana, notadamente nas áreas de tecnologia espacial e informática, os chineses, “o que é mais importante, usarão sua força econômica e suas habilidades políticas para alcançar seus objetivos sem ter de apelar para a força militar”. [16]

Sob outro ângulo e especificamente do ponto de vista do significado de sua política militar e de defesa, assim concluiu a muito respeitada professora Brahma Chellaney (Strategic Studies at the New Delhi-based Centre for Policy Research), no seu artigo A arrogância da potência chinesa: “É de importância fundamental o fato de a China ter se tornado uma potência militar mundial antes de ser uma potência econômica. (…) A ascensão da China, portanto, é tanto obra de Mao como de Deng. Porque se não fosse o poder militar chinês, os EUA tratariam a China como outro Japão”.

Ademais, notemos novamente, o que apresentou o relatório do respeitado SIPR (Stockholm International Peace Research Institute, 2008) [17], relativamente à enorme diferença entre orçamento militar dos EUA e o da China:

“(…) mas em período de economia em declínio, esta desproporção irá cada vez ser mais acentuada até ser demasiado flagrante que os EUA já não conseguem suportar financeiramente a carga de serem a única superpotencia mundial. (…) “E a China irá aparecer cada vez mais como uma potencia militar global, tendo ainda que vencer a batalha da modernização tecnológica e ultrapassar todas as barreiras de conhecimento que lhe faltam ainda através de parcerias com empresas ocidentais e russas ávidas de exportar tecnologia a todo o custo…” .

Trata-se portanto de má vontade ou grave equívoco fugir á constatação da verdade indiscutível: na transição geopolítica mundial o fato decisivo é a proeminente clivagem no sistema de relações internacionais que vai fazendo “quebrar” a hegemonia imperialista dos EUA – o elo chave da cadeia de evoluções e contradições sistêmicas. Sendo indiscutível o acelerado debilitamento estrutural dos Estados Unidos, tanto em matéria monetária, econômico-financeira e diplomática, fenômenos que reduzem sua capacidade para persistir atraindo ampla fatia dos capitais internacionais, inclusive para sustentar sua gigantesca máquina de guerra. Noutra ponta, pensamos que as revelações recentes do (ainda obscuro) Wikileaks, para além, são manifestações de divisões profundas e originárias no aparelho de espionagem e segurança estatal da potência imperialista, ou noutras palavras mais um fenômeno a insinuar um fracionamento de suas classes dominantes – incluindo fortes divergências na cúpula militar – quanto à estratégia frente à decadência.

Conclusões: duas tendências centrais

Advertindo logo para as corriqueiras concepções antagônicas à dialética materialista, de que tendências não possuem contratendências – problema epistêmico fundamental ao qual o cientista Karl Marx dedicou todo o capítulo XIV do livro III de O Capital – [18], em matéria de exercícios de previsibilidade científica considero que devemos igualmente seguir um “conselho” recente do professor Eduardo Chitas:

“o passado em geral, o passado remoto incluido, trazem muito ao presente, mas não trazem lições de orientação. É em cada tempo presente que estão e têm de ser encontrados critérios da nossa relação com o passado, indissociáveis da nossa orientação conjuntamente prática e teórica, na época que nos é dado viver”. [19]

Assim,

• A aceleração da decadência dos Estados Unidos da América tende a se explicitar mais ainda nos próximos três anos. Do ponto de vista econômico-social, grave sintoma disto é a extensão de 2 para 5 anos a medida de tempo para consideração do desemprego de longa duração, conforme determinou recentemente o Ministério do Trabalho americano; assim com a notícia (CNN, novembro de 2010) de que já somam 43 milhões os estadunidenses que necessitam do vale-refeição Federal para sobreviver. Além disso, pendurada na paralisia do endividamento de famílias e empresas, a nova Câmara de deputados, hostil a Obama e de maioria republicana, terá que autorizar o novo teto para a dívida pública que em abril atinge inimagináveis US$ 14, 3 trilhões, ou seja, praticamente o PIB do país! Sob o ângulo político, o crescente clima de ódio que se manifesta às claras nos EUA somente aumentará a radicalização e a instabilidade política, enfraquecendo tanto a unidade nacional como a capacidade da liderança imperialista – fenômeno este último inconteste e motivador de uma “agenda multilateral” mascarada e impotente – [20], reforçando a deterioração da força de sua moeda.

• A afirmação de Wen Jiabao (epígrafe de abertura) é inédita, poderosamente lógica e francamente hostil à ideia fracassada do “novo século americano”. Mas, como argumentamos acima, o problema do sistema de alianças global dependerá, em grande medida, das posições da Índia – e, na Ásia, do “caminho” do Japão. Independentemente, a China em 2001 já se constitui uma potência global “assimétrica”. E se constituiu um erro crasso analistas burgueses ineptos subestimarem os enormes saltos qualitativos, em todas as áreas estratégicas ao desenvolvimento, que o prolongado crescimento econômico virtuoso produziu. Noutros termos – afirmou no citado artigo a professora Brahma Chellaney –, o crescimento de 13 vezes da economia nos últimos 30 anos produziu recursos ainda maiores para a China “afiar suas garras militares”. Por sua vez, Zakaria argumentara ainda através de O consenso de Pequim, vasto estudo de J.C. Ramo, quando este afirma: “A meta da China não é o conflito, mas evitá-lo”. Sim, Sun Tzu e Clausewitz – e não Napoleão!

Noutra questão fundamental, tem completa razão o presidente Hu Jintao quando afirma que “O atual sistema monetário mundial é um produto do passado”. [21] Óbvio que é. [22] A novidade é ele ter dito isto “na cara dos gringos”. E já não é mais segredo que o supermercado financeiro global Goldman Sachs estima que em 2040 a economia chinesa ultrapassará a dos EUA. A novidade é que será antes disso!

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NOTAS

[1] Em: Wall Street Journal/Valor Econômico, 16/12/2010.

[2] “Nós não vamos nos esquecer dessas críticas”, vociferou o secretário Geithner, num jantar durante o G-20, após as declarações do ministro Guido Mantega e do seu homólogo sul-africano atacando o tsunami de liquidez fabricado pelos EUA. Geithner pareceu “perder os nervos”, relata o jornalista brasileiro Assis Moreira (“Reunião termina com críticas aos americanos”, Valor Econômico, 16/11/2010).

[3] Ver: O g-20 e o Brasil: a guerra de capitais e a geopolítica por trás da guerra cambial, Revista Princípios, nº 110, nov/dez/jan 2011.

[4] Entrevista ao O Globo, 7/11/2010.

[5] Ver: Carta confidencial ‘GlobalEurope Anticipation Bulletin’ N°50 – 16 de diciembre de 2010 (© Copyright Europe 2020 / LEAP – 2009).

[6] Dados e informações em: “The Economist/Carta Capital”, 24/11/2010.

[7] Em: Bloomberg/Valor Econômico, 17/1/2010.

[8] Fato ocorrido quando Barack Obama visitou a Índia para acordos e negócios de US$ 14 bilhões, e após 5 anos de presença ali da liderança americana, anunciou apoio ao ingresso do país no Conselho de Segurança da ONU. Por sua feita, o primeiro-ministro da China, Wen Jiabao concluiu em 17 de dezembro sua visita de dois dias à Índia. Como transcreveu (da Radio Internacional da China) o jornalista Osvaldo Bertolino, “Wen destacou que as duas nações devem promover a cooperação pragmática e estratégica a partir da realidade”. Wen ainda deixou “claro o apoio chinês à Índia no empenho no Conselho de Segurança e anunciou a postura chinesa sobre a solução pacífica das disputas de fronteira, e que envolvem rios trans-fronteiriços” (“O outro lado da notícia”, 24/12/2010).

[9] Fontes: “Japão encerra ano rebaixado a potência de segunda classe”, Malcolm Foster, Associated Press, de Tóquio, 30/12/2010; e “Situação fiscal deixa o Japão perto da ‘beira do abismo’, diz governo” (Valor Econômico, 7,8 e 9/1/2001). Houve recente subida das taxas de juros na Coréia do Sul e na Tailândia – e também na China -, prenunciando crescimento econômico regional menor (Bloomberg/Valor Econômico, 17/1/2011).

[10] Fontes: “The Economist/Carta Capital – O mundo em 2011”, jan/fev. 2011; e “Exame.com”, 21/12/2010.

[11] Em: “AL terá de administrar expansão menor em 2011”, Valor Econômico, 07/01/2011.

[12] Em: “FMI quer supervisão global para bancos”, Assis Moreira, Valor Econômico, 09/12/2010.

[13] Aliás, nunca teve. Não se faz política sem as mediações exigidas pela realidade e ninguém sobrevive nesse terreno na base de devaneios futurísticos. Apesar da convulsão financeira (2007-2008) que derreteu peças-chaves do sistema financeiro norte-americano, o país, possuidor de reservas imensas de recursos naturais e sofisticada técnica, em 2011: a) terá um PIB que se projeta em US$ 14, 996 trilhões; b) abrigará cerca de 314 milhões de pessoas, com uma renda per capita (PPP) de US$ 48.010 mil; c) fará gastos militares superiores a US$ US$ 554 bilhões (Robert Gates, secretário da Defesa dos EUA, em 6/1/2011); d) segundo o Pentágono, citado pelo ex-historiador da CIA e professor (emérito, Universidade da Califórnia) Chalmers Johnson, o imperialismo norte-americano (2008) sustentava-se em 865 instalações militares (mais de 40 países) – antes da tentativa colombiana de ampliar bases americanas -, deslocando mais de 190 mil soldados em mais de 46 países e territórios (“La Jornada”, 18/7/2009).

[14] Ver: O círculo quadrado da moeda européia, Fiori, J., Valor Econômico, 30/6/2010. Ver também: Entrevista de José Luís Fiori a Tatiana Merlino: A Europa está cada vez mais dividida, Caros Amigos, 23/08/20; também Euro perde a confiança dos Bcs, em: Wall Street Journal/Valor Econômico, 20/5/2010.

[15] Ver: de Wallerstein, Guerra de moedas? Evidentemente, Esquerda. net, 22/11/2010. O doutro Wallerstein é aquele mesmo que decretou a data para a morte do capitalismo em 2040 (ver: Capitalismo e crise contemporânea – a razão novamente oculta, Barroso, A. diss. Mestrado, IE/Unicamp. 2023). O artigo de Fiori é Caleidoscópio mundial, Valor Econômico, 29/12/2010.

[16] Ver: O mundo pós-americano, de Zakaria, F., Companhia das Letras, pp. 139-40, 2008.

[17] Em: yearbook2008.sipri.org/ 23 Nov, 2010.

[18] Ver: o volume 4, Civilização Brasileira, s/d. Podemos sintetizar as contratendencias à lei da Tendência de Queda da Taxa de Lucro, do seguinte modo: a) aumento do grau de exploração do proletariado, por maior tempo da jornada de trabalho, ou pela intensificação do trabalho; b) redução dos salários; c) queda nos preços de elementos do capital constante (procura de matérias primas mais baratas, maquinaria tecnicamente mais avançada, insumos e serviços essenciais subsidiados como aço, mineração, energia, armazenamento, transporte etc. d) formação de uma superpopulação relativa a rebaixar o valor da força de trabalho; e) ampliação e abertura de mercado externo para aplicar o excedente, ou encontrar fontes de matéria-prima e recursos abundantes para reduzir custos; d) o ampliação da aplicação do capital em ações, contra-restado a queda na taxa de lucro com juros das ações de empresas ou por títulos públicos.

[19] Em: O mundo às avessas, Eduardo Chitas, odiario.info, 30/11/2010. O artigo do filósofo português é excelente.

[20] É preciso, porém, persistir na opinião de que o imperialismo norte-americano continua ampliando o gasto e a pesquisa em áreas estratégicas e de reforço de sua conduta de dominação e hegemonia militar. Assim, no esclarecedor artigo Estados Unidos reforçam combate ao ciberterrorismo, Misha Glenny (Financial Times) relata que no “ano passado, o secretário da Defesa dos EUA, Robert Gates, declarou o ciberespaço o “quinto domínio” das operações militares, juntamente com a terra, os mares, o ar e o espaço. É o primeiro domínio militar criado pelo homem a exigir um comando inteiramente novo no Pentágono. Ele começou a operar plenamente na semana retrasada, marcando um novo capítulo na história das guerras e da rede mundial de computadores” – descreve Glenny (Valor Econômico, 15/10/2010).

[21] Jintao, habilidosamete, agregou ainda que a política monetária americana “tem um grande impacto na liquidez mundial e no fluxo de capital e, portanto, a liquidez do dólar deve ser mantida a um nível razoável e estável”. Que “a ausência de regulamentação das inovações do setor financeiro”. E ponderando, falou sobre medidas recentes para expandir o uso do yuan no comércio e no investimento internacional, admitindo entretanto que torná-lo uma moeda totalmente internacionalizada “será um processo relativamente demorado” (Para China, sistema baseado no dólar é 'coisa do passado', Valor Wall Street Journal/Valor Econômico, 17/01/2011).

[22] O marco da assunção do dólar no Sistema Monetário Internacional data de 1944, embora viesse se fortalecendo bem antes. Portanto, lá se vão 67 anos, embora poucos atentem para o fato histórico de que o padrão ouro-libra foi convertido em base para as operações monetárias internacionais apenas em 1870, falecendo em 1914 antes mesmo da ruína econômica da Grã-Bretanha no final da Iª Guerra; efetivamente durou 74 anos.

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Diretor de estudos e pesquisa da Fundação Maurício Grabois, membro do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil (PCdoB)