Quando, há dez anos, a moeda comum européia fazia, oficialmente, sua entrada no cotidiano dos então 15 países que compunham a Zona do Euro, o otimismo transbordava quanto ao futuro da União Econômica e Monetária. Hoje, após uma crise econômica mundial e, principalmente, após um ano dramático para a Europa – como, aliás, reconhece, entre outros, Olli Rehn, comissário europeu para Assuntos Econômicos. A propósito, são poucos, muitos poucos, aqueles que dividem pensamentos positivos sobre a sobrevivência da estrutura européia.

A crise surgiu inicialmente como se fosse apenas problema de credibilidade das "estatísticas gregas". A Grécia foi posta na "alça de mira" dos "inimigos", isto é, dos investidores (leia-se especuladores, agiotas e outros congêneres), assim como das agências de rating, as quais atravessaram inatingíveis a crise mundial, sem finalmente ser acionada qualquer espécie de controle ou restrição sobre suas atividades.

Mas, para as mesmas, exatamente, razões, por seu desvio do "caminho virtuoso" da disciplina fiscal, a Grécia encontrou-se, de repente, sentada no banco dos réus diante do tribunal de "juízes amigos", isto é, seus parceiros na Família Européia (Família dos Borgias).

Entretanto, os empoados líderes europeus constataram rapidamente que não era a "ovelha negra" da família européia a culpada pela crise da dívida pública, ou, pelo menos, não só a "ovelha negra". Os "sanguinolentos" mercados internacionais de capitais não tardaram para apontar suas próximas vítimas.

As relativamente, fracas economias da periferia, assim como as por um momento economicamente robustas Itália e França entraram no mesmo saco e, sob a ameaça de derrubada de suas respectivas capacidades de endividamento, adotaram severas medidas de frugalidade.

Falta solidariedade

O refrão permanente dos governos europeus – todos com seríssimos problemas fiscais e dívidas – é que "os gregos deverão deixar, finalmente, de viver com mais do que lhes permitem as suas possibilidades". Só que a lógica terraplena do drástico corte de gastos não tardou revelar-se um beco sem saída.

A preocupação já não é mais se a saúde fiscal das economias européias será reconstituída, considerando que "onde a palavra dos governos não funciona, funcionará o porrete do Fundo Monetário Internacional (FMI)". Assim, cedo ou tarde, os países que encontram-se "no desvio", retornarão ao "caminho virtuoso". O problema é de desenvolvimento, mas trata-se, essencialmente, de falta de visão política e coesão, ou melhor, solidariedade entre parceiros.

À primeira vista, é óbvio que a grave situação interna, anteontem na Grécia, ontem na Irlanda e amanhã em Portugal, Espanha e outros países, leva todos a um túnel escuro com saída incerta, tanto com relação a exigida duração de adequação fiscal, quanto sobre seu resultado à denominada "economia real".

Ninguém dissimula mais que o vírus da frugalidade manterá acamadas por longos anos, seriamente doentes as populações dos países onde está sendo aplicada a terapia de choque do FMI. E não somente nos dois (por enquanto) países nos quais registra-se a presença física dos "médicos sem fronteiras" do FMI, mas, também, em todos os demais que aceitam a mesma terapia e a mesma receita voluntariamente, a fim de não receberem as visita do tríplice "conselho médico" do FMI, do Banco Central Europeu (BCE) e da Comissão Européia (CE), órgão executivo da União Européia (UE).

Até a Alemanha

Porque, quase minimamente, até em nada difere a terapia adotada pela Grécia e pela Irlanda, das medidas que adotaram, ostensivamente, os governos de Portugal, Espanha, Itália, da não integrante da Zona do Euro Grã-Bretanha, da "noviça" Estônia, da França e, "sigilosamente", da ex-poderosa Alemanha.

A crise do endividamento público escancarou o problema mais profundo dos países europeus, que é a falta de coordenação das políticas fiscais, o qual situa-se na falta de líderes capazes, eficazes e eficientes, decididos a defender o futuro comum do Velho Continente.

Com a sinceridade própria de um político aposentado, vários ex-líderes políticos europeus já destacaram estes dois problemas. Desde o ex-chanceler da Alemanha Helmut Schmidt até o ex-primeiro-ministro da Grã-Bretanha Gordon Brown e o francês ex-presidente da CE Jacques Delors, até o ex-primeiro-ministro da Grécia Costas Simitis.

É óbvio que, a Europa não pode evoluir e, muito mais, aprofundar sua complementação com instituição econômica e política sem que exista, pelo menos, coordenação – se não planejamento – da política econômica que deverão seguir os 27 países-membros da UE.

Por outro lado, a tomada de decisões em uma "família numerosa" de 27 membros não é uma tarefa fácil. Ainda até no caso dos 17 países integrantes da Zona do Euro as propostas para a – mesmo atípica – composição de dois subgrupos que funcionarão com velocidades diferentes, parecem como invencível necessidade para muitos.

Contudo, neste caso, o espírito comunitário terá recuado contra a objetividade econômica. Consequentemente, os mais disciplinados (sob o ponto de vista fiscal) países decidirão sobre as economias mais fracas, às quais "proporão" políticas do alto de suas posições poderosas. Quer dizer, será uma Europa de fato despedaçada e muito distante do sonho de seus fundadores.

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Fonte: Monitor Mercantil