Em novembro de 2008, vencia a esperança. De novo. Não só nos Estados Unidos, mas no mundo todo, a eleição do primeiro negro para a presidência do país foi celebrada com entusiasmo. Entre os setores mais progressistas, a ascensão de Barack Obama era um sinal de que a maior potência mundial dava um passinho (por menor que fosse) para a esquerda e que sua futura gestão apresentaria políticas mais humanas, tanto interna quanto externamente.

Passados dois anos, Obama governa um país possivelmente mais à direita do que era antes de sua eleição. E, segundo alguns analistas do campo da esquerda, em parte por sua própria culpa.

Seu segundo ano no cargo não poderia ter sido pior. Além dos recuos de Obama em vários temas e da derrota histórica do Partido Democrata nas eleições legislativas de novembro, o presidente e a sociedade estadunidenses viram a consolidação de um movimento novo, surgido em 2009. Difuso, contraditório, um tanto desorganizado. Mas um movimento que tem uma certa base. E, mais do que tudo, que vai além do republicanismo e possui características notadamente fascistas: o Tea Party.

Muitos desdenham de sua força: o nível “folclórico” de seu extremismo afastaria os corações e mentes da maioria dos estadunidenses. No entanto, as eleições de meio mandato vieram para desmentir pelo menos em parte essa tese.

Embora o desempenho do movimento tenha ficado abaixo das expectativas, o fato é que ele conquistou cadeiras no Congresso que provavelmente estariam destinadas a republicanos moderados, ou menos à direita (e não poderia se esperar que em apenas dois anos tal participação fosse arrebatadora).

Somado a isso, o Tea Party já tem uma “líder” de alcance nacional que, inclusive, endossou diversas candidaturas vitoriosas: a ex-governadora do Alasca Sarah Palin que, desde que foi escolhida como candidata a vice-presidenta pelo Partido Republicano em 2008, tem sido um verdadeiro fenômeno de mídia nos EUA.

Revés no Congresso

O pleito de novembro se configurou como o maior avanço de um partido opositor na Câmara dos Representantes (equivalente à nossa Câmara dos Deputados) em eleições de meio de mandato desde 1938, com o Partido Republicano recuperando 63 assentos. Agora, a conta está em 242 deputados republicanos contra 193 democratas.

De acordo com David Swanson, jornalista e membro do conselho da organização Democratas Progressistas dos Estados Unidos (Progressive Democrats of America), os candidatos democratas que mais se opõem à guerra e são mais favoráveis à políticas sociais não perderam, enquanto “os mais malucos dos novos candidatos republicanos”, ou seja, do Tea Party, perderam.

No entanto, “em quase todas as cadeiras que mudaram de dono, houve a troca dos mais direitistas democratas pelos mais esquerdistas republicanos. De acordo com o padrão internacional, eles são todos de direita, claro. Mas alguns da extrema-direita entraram, e a agenda inteira de ambos partidos deu mais alguns grandes passos para a direita”, analisa Swanson.

Segundo ele, a maioria dos cidadãos estadunidenses que deram a vitória aos republicanos é formada por patriotas favoráveis à guerra, “e muitos deles estão sendo manipulados por racismo, fanatismo e dogmas direitistas para defender coisas que vão contra seus próprios interesses e contra os interesses de todos os trabalhadores”.

Há, entretanto, analistas do campo progressista que minimizam a vitória republicana e não veem um crescimento e/ou fortalecimento da direita nos EUA. Um deles é o analista político Mark Engler. Para ele, os que votaram nos republicanos nas eleições de novembro representam os mesmos segmentos que já haviam votado em John McCain para presidente em 2008. “Embora a direita tenha tido ganhos eleitorais, não acredito que ela atraiu um número substancial de novos eleitores para suas fileiras”, pondera. Uma das razões à qual ele credita a derrota democrata é a alta abstenção, especialmente entre jovens, negros e latinos, que votaram em massa em Obama há dois anos.

Mark Weisbrot, economista, colunista e codiretor do Centro para Investigação Econômica e Política (CEPR, na sigla em inglês), concorda. Ele não acredita que os resultados do pleito de meio de mandato tenham refletido uma mudança política. “É normal que o partido do presidente perca cadeiras nas eleições de meio de mandato. Muito do que vimos nas eleições passadas pode ser explicado por essa tendência, combinado com a situação da economia”, analisa.

Recuos e derrotas

Mas os acenos do presidente à oposição não demoraram a chegar. Apenas dois dias depois das eleições, ele sinalizou que poderia fazer um acordo com os republicanos sobre a prorrogação dos benefícios tributários para os mais ricos, ao contrário do que antes defendia.

Não deu outra. No dia 6 de dezembro, anunciou a prolongação do corte de impostos por mais dois anos, significando um “presente” de estimados 4 trilhões de dólares às classes mais abastadas. Para piorar, o acordo entre Obama e oposição incluiu, também, a redução em dois pontos percentuais (de 6,2% para 4,2%) da retenção sobre folha de pagamento que corresponde ao principal tributo financiador da Seguridade Social, causando um desfalque previsto de 120 bilhões de dólares.

E a questão tributária deverá continuar sendo motivo de grande preocupação para os setores progressistas, já que Dave Camp, deputado republicano que defende o aprofundamento dos benefícios aos mais ricos, passou a presidir neste mês o comitê da Câmara dos Representantes encarregado de elaborar a legislação de impostos do país.

Mas os efeitos práticos da derrota vieram antes mesmo do novo Parlamento ter tomado posse, em 3 de janeiro. No dia 18 de dezembro, o projeto de reforma migratória patrocinado pela Casa Branca não foi aprovado no Senado estadunidense. A proposta abriria as portas para legalizar 11 milhões de indocumentados que vivem no país.

Dinheiro e preconceito

O jornalista David Swanson relaciona o crescimento da direita nos EUA a uma série de fatores: o enorme aumento do nível de financiamento corporativo às campanhas eleitorais tornado possível por uma decisão recente da Suprema Corte, o papel de parte da mídia, o preconceito contra um presidente negro e a depressão econômica em que vive o país.

“O apoio a uma agenda reacionária veio junto com a completa desmoralização da esquerda: houve o abandono da ilusão de que Obama ou o Partido Democrata irão fazer muitos esforços por empregos, pela paz, pelo meio ambiente ou pelos direitos civis”, explica.

A ativista estadunidense Medea Benjamin, cofundadora do grupo antiguerra Code Pink e da organização pró-comércio justo Global Exchange, põe no grupo dos culpados os sindicatos estadunidenses e seus laços mais do que estreitos com o Partido Democrata. Segundo ela, como tais organizações não querem ser vistas como críticas ao presidente, elas acabaram por não mobilizar suas bases para lutar por seus direitos e contra os banqueiros de Wall Street. “Assim, o terreno foi deixado amplamente aberto para a direita mobilizar os descontentes contra as políticas do partido no poder”, destaca Medea.

A crise econômica que atinge o país desde o final de 2008 não ajuda em nada nessa equação. Para além dos números macroeconômicos, os índices da “vida real” vêm atingindo profundamente a população estadunidense. Além da perda massiva das casas com o estouro da bolha imobiliária, estima-se que 8,5 milhões de trabalhadores tenham perdido o emprego em 2008 e 2009, enquanto 8 milhões não têm cobertura de seguro-desemprego. Até mesmo o governo projeta que em 2012 a taxa de desemprego será superior a 8%. Para Medea, o desespero da população faz com que ela procure uma válvula de escape. No caso, quem está aproveitando dessa situação é a direita.

"Uma direita revigorada possivelmente combinaria iniciativas tecnocráticas keynesianas com um programa social e cultural populista, mas reacionário. Existe um termo para tal regime: fascismo”, escreveu o filipino Walden Bello, coordenador do centro de pesquisas Focus on the Global South, em um artigo publicado pelo sítio Outras Palavras.

No entanto, se os efeitos da crise econômica para a vida da maioria dos estadunidenses vêm engrossando o caldo de cultura reacionária no país, não foram suficientes para impedir um dos fatores fundamentais para o fortalecimento da direita e, para muitos, um dos maiores ataques à democracia da história dos EUA: a decisão da Suprema Corte, proferida em janeiro de 2010, de derrubar as limitações para que as grandes corporações financiem as campanhas eleitorais.

Segundo escreveu o jornalista Andy Kroll em um artigo recente, tal sentença “abriu as comportas para que uma torrente de doações anônimas da oligarquia pudesse inundar as terras políticas”. Citando o Center for Responsive Politics, Kroll informa que entidades criadas apenas para arrecadar fundos doaram 190 milhões de dólares a candidatos republicanos nas últimas eleições, o dobro do recebido por candidatos democratas. Além disso, empresas de seguro de saúde, das mais ferrenhas opositoras da “opção pública” proposta pela reforma sanitária de Obama – e que, no final, não foi contemplada –, doaram 86,2 milhões de dólares aos concorrentes à Câmara dos Representantes.

Em seu artigo, Kroll ainda relata que “o magnata dos meios de esquerda David Brock planeja criar um grupo de fora para brigar nas trincheiras do gasto de campanha de 2012”. Ou seja, seja entre republicanos, seja entre democratas, o poder das corporações entrou de vez no jogo da “democracia”.

Que direita é essa?

Mas o que é e o que quer essa “nova” direita estadunidense? Uma coisa é certa. Tea Party e Partido Republicano podem até ser irmãos, mas o primeiro vai além do segundo. Muito além.

“Seria um erro grave acreditar que os resultados das eleições são, de alguma forma, uma aceitação entusiasta do Partido Republicano”, afirmou, no dia seguinte ao pleito, o senador eleito pela Flórida Marco Rubio, um dos “cotados” para concorrer à presidência em 2012.

“O Tea Party foi fundado e é organizado por grupos que querem mover o Partido Republicano ainda mais para a direita. Nós, da esquerda, invejamos isso, porque não temos uma grande instituição empurrando o Partido Democrata para a esquerda”, diz David Swanson.

Em artigo de 3 de novembro para o jornal estadunidense The Nation, o editor da publicação, Richard Kim, lista algumas palavras-chave do movimento: constituição, liberdade individual, empreendedorismo, capitalismo, orçamento equilibrado e o fim da escravidão da dívida.

“Cerca de 30% do Tea Party seria mais libertário que republicano, mas há muita sobreposição”, lembra Medea Benjamin. Libertários são aqueles que defendem, antes de tudo, as liberdades individuais, especialmente as de pensamento e ação. Para eles, o poder deveria ser exercitado por associações de indivíduos livres, e não por um Estado coercitivo.

Assim, destaca Swanson, “entre os que compareceram às urnas [em novembro], está incluída uma minoria que se opõe à guerra e ao Exército do mesmo modo em que se opõem a qualquer coisa que o governo faça, porque – em um modo estadunidense único de ser – se opõem à própria ideia de governo”.

Tais posicionamentos já fizeram surgir certas “tensões” entre republicanos e membros do movimento. Segundo Mark Weisbrot, um dos temas no qual eles não estão de acordo é a Guerra do Afeganistão. O Tea Party defende seu fim. “Uma boa parte de sua base não acredita em império. Isso é verdadeiramente geral: a crença de que os EUA devem controlar o mundo é quase universal entre a elite, mas não é tão popular entre a maioria dos estadunidenses, especialmente entre os menos educados, que estão mais propensos a morrerem em guerras imperialistas”, explica.

Ao mesmo tempo, muitos integrantes do movimento defendem as bandeiras mais caras à direita, como o repúdio ao casamento gay e à imigração e o incentivo à abstinência como melhor forma de prevenção à Aids.

De acordo com Medea, os republicanos mais moderados estão preocupados com o fortalecimento do enraizamento do Tea Party, que, segundo ela, atacará aqueles republicanos que se recusarem a apoiar suas iniciativas. “Isso moverá o sistema político para a direita, a não ser que a esquerda se mobilize para contra-atacar”, alerta.

Consequências

Para a ativista, a nova configuração do sistema político estadunidense e do legislativo tornará mais complicada a realização de mudanças positivas. “Será mais difícil terminar as guerras, ter cobertura de saúde para todos os estadunidenses, aprovar legislação para combater o aquecimento global, aprovar uma reforma do projeto de lei de imigração etc”.

Um dia após as eleições de meio de mandato, o deputado republicano John Boehner afirmou que o principal tema a ser debatido no Congresso dos EUA neste ano será a redução dos gastos federais. a ele, o resultado do pleito foi “um mandato para que Washington reduza o tamanho do governo”.

"A direita está obcecada com a ideia de que o governo precisa cortar gastos – apesar de os serviços sociais serem mais urgentemente necessários que nunca devido à crise econômica e de o estímulo governamental ser uma das poucas coisas que está criando a demanda necessária. Uma grande batalha [entre governo e oposição para o próximo período] será se o governo cairá na austeridade ou não”, opina o analista político Mark Engler.

Na mesma declaração, Boehner prometeu lutar para rever a reforma da saúde aprovada em 2010, nas suas palavras, uma “monstruosidade”. No entanto, apesar das ameaças, os democratas ainda controlam (embora por pequena margem) o Senado e o presidente Obama tem poder de veto.

"Portanto, não consigo ver os republicanos indo muito longe. Mas, nunca se sabe: Obama pode decidir fazer acordos com eles”, diz o economista Mark Weisbrot.

O entendimento sobre a prorrogação dos benefícios tributários aos mais ricos não foi um bom primeiro sinal.

_________

Fonte: Brasil de Fato