No mar, dezenas de navios aguardam por até três semanas a autorização para atracar. Na terra, os caminhões se contam às centenas. Alinhados em filas quilométricas, esperam até 30 horas para descarregar a produção. A cena se repete todos os anos nos principais portos marítimos do Brasil, especialmente durante o período de escoamento da safra. Não há setor que ilustre tão bem os gargalos da infraestrutura brasileira quanto o portuário.

Nos últimos anos, o expressivo aumento do comércio do Brasil com o exterior fez com que o sistema flertasse, cada vez mais de perto, com a ameaça de um colapso. As dificuldades de se escoar a produção e a elevação dos custos com transporte chegariam a ponto de impedir que a produção crescesse, repetindo o efeito do racionamento de energia elétrica observado no começo da década. Um verdadeiro apagão logístico.

As previsões mais catastrofistas não se confirmaram, embora o Brasil, tampouco, possa ser considerado um exemplo de eficiência. Investimentos públicos e privados foram anunciados, o setor cresceu, ganhou eficiência e absorveu o crescimento da demanda. Por fim, a crise de 2009, que derrubou o comércio mundial a um terço do volume registrado nos anos anteriores, permitiu que o setor respirasse.

Contudo, o País não se livrou da ameaça de um esgotamento logístico. A expectativa de recuperação da economia mundial nos próximos anos impõe ao governo e ao setor privado o desafio de acelerar os investimentos nos portos. Desde o início da década, o volume de cargas movimentadas nos portos brasileiros cresceu 75%. Saltou de 435 milhões de toneladas, em 1999, para quase 770 milhões em 2008, o último recorde. A expectativa é de que o movimento volte a crescer de modo acelerado a partir de 2011.

“Em quatro anos, vamos chegar à marca de 1 bilhão de toneladas”, prevê Wilen Manteli, da Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP). Segundo projeções da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), a produção brasileira voltada para o mercado externo deve crescer, em peso, até 76% nos próxi mos 13 anos. No mesmo período, as importações devem avançar 48%. “Em oito anos, os portos terão de dobrar sua capacidade”, projeta Marcos Pinto, coordenador do Centro de Estudos em Gestão Naval da Universidade de São Paulo.

Ainda falta clareza sobre a real capacidade dos portos brasileiros. A Secretaria Especial dos Portos, órgão ligado à Presidência da República, trabalha na elaboração de um Plano Nacional de Logística Portuária (PNLP), que visa traçar uma estratégia para os 35 portos do País no horizonte de 20 anos. Até o fim deste ano, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) deverá entregar à secretaria um censo portuário capaz de subsidiar a elaboração do PNLP e um plano de ações emergenciais para os próximos três anos.

De todo modo, o diagnóstico atual não é dos melhores. Segundo pesquisa realizada em 2008 pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), quase metade das empresas exportadoras brasileiras (49,1%) aponta a infraestrutura portuária como a mais deficiente entre as etapas pós-produtivas. O último relatório de competitividade do Fórum Econômico Mundial mostra que o Brasil ocupa apenas a 123ª posição, entre 134 países, no ranking de qualidade dos portos. O número precisa ser relativizado, já que reflete a condição média dos portos brasileiros. “É preciso estudar essa posição com muito cuidado, pois o Brasil possui portos bons e ruins”, afirma Paulo Resende, coordenador do Núcleo de Infraestrutura e Logística da Fundação Dom Cabral (FDC).

Feitas as ponderações, é consenso entre os especialistas que a capacidade e a eficiência dos portos brasileiros precisam crescer. Um estudo divulgado neste ano pelo Ipea identificou a necessidade de 265 pontos de melhora. Ao todo, são 133 obras de construção, ampliação e recuperação de áreas portuárias, 45 de acessos terrestres, 46 de dragagem e derrocamento e 41 de infraestrutura portuária. Ao todo, os serviços demandam um investimento estimado em 42,8 bilhões de reais. Apenas as obras de ampliação e recuperação de áreas portuárias necessitam de 20,4 bilhões de reais. A melhora dos acessos terrestres aos portos, outros 17,3 bilhões.

Embora os dispêndios tenham crescido de modo significativo, o Brasil investe menos do que o necessário. “Temos a sensação de que a situação portuária piorou nos últimos anos, o que não é verdadeiro. A condição melhorou muito desde o fim dos anos 1990, mas a percepção fica prejudicada pelo fato de que os investimentos ainda não acompanham o ritmo de crescimento da demanda”, observa Resende.

Segundo o Ipea, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) prevê apenas 23% dos recursos necessários para se equacionar os problemas hoje existentes. Carlos Campos, coordenador de infraestrutura econômica da instituição, observa que o ritmo dos investimentos, embora tenha se intensificado, ainda é incapaz de evitar um estrangulamento nos próximos três ou quatro anos. Entre 2002 e 2009, observa Campos, o investimento público médio anual saltou de, aproximadamente, 150 milhões para 1,8 bilhão de reais, enquanto o privado se tem mantido constante, perto de 1 bilhão, desde 2005. “No ritmo atual, levaríamos 15 anos apenas para corrigir os problemas existentes”, afirma o pesquisador.

Algumas intervenções são consideradas essenciais, afirmam os especialistas. É o caso das obras de dragagem e derrocamento. No Brasil, navios de grande porte são impedidos de atracar por causa falta de profundidade dos canais de movimentação. Como solução, os armadores são obrigados a embarcar com volumes inferiores à sua capacidade, o que compromete a escala, puxa o preço dos fretes e reduz a competitividade dos portos e dos produtos exportados. Segundo especialistas, cada pé (equivalente a 33 centímetros) de profundidade pode significar uma capacidade adicional de embarque de até 150 contêineres, ou 3 mil toneladas, a depender do navio.

Segundo o Ipea, os 11 maiores portos do País precisam de obras de dragagem. “O Brasil ficou 20 anos sem fazer dragagem. Houve um assoreamento muito grande, e isso tirou a competitividade dos portos brasileiros. Os calados passaram a não comportar os navios maiores”, explica Campos.

Ao menos nesse quesito, a solução parece bem encaminhada. O Programa Nacional de Dragagem, lançado em 2007, prevê investimentos de 1,5 bilhão de reais em obras em 16 portos. Segundo Resende, o volume de recursos disponibilizado é adequado, mas a execução das obras esbarra na burocracia. “Há um conflito entre a engenharia e o meio ambiente. As licenças ambientais demoram até três anos para sair, especialmente nos portos localizados próximos a manguezais.”

A expectativa é de que todo o trabalho seja concluído até 2012, o que deverá propiciar um grande salto de produtividade em todo o sistema. No Porto de Santos, o maior do País, o aprofundamento do calado vai permitir a atracação de embarcações com capacidade até duas vezes maior do que as que utilizam hoje aquelas instalações. Na média, estima a Secretaria dos Portos, as obras de dragagem vão ampliar em 30% o potencial de movimentação dos principais portos nacionais. Em contrapartida, a solução de gargalos como o acesso rodoviário e ferroviário ainda parece distante, já que a capacidade de investimento dos governos é limitada.

Desde a aprovação da chamada Lei de Modernização dos Portos, de 1993, impera no Brasil o modelo de exploração portuária conhecido como landlord port, o mais adotado em todo o mundo. De acordo com esse modelo, o Estado fica responsável pela administração e pelos investimentos na infraestrutura portuária. Já a operação dos terminais é cedida à iniciativa privada. “O arrendamento dos terminais possibilitou que o setor privado entrasse, comprasse equipamentos, contratasse mão de obra e impulsionasse a produtividade. Mesmo sem investimentos estruturais, o setor portuário conseguiu se expandir e fazer frente ao crescimento da demanda. Só que agora a infraestrutura esgotou-se”, explica Marcos Pinto.

Resende afirma que os conflitos políticos entre o governo federal e os estados, responsáveis pela administração da maioria dos portos, por meio das companhias Docas, são os principais responsáveis por atravancar os investimentos estruturais. “A gestão é hoje o maior gargalo do setor portuário, o principal empecilho à implantação de uma política nacional estratégica para a rede portuária”, afirma. Para o pesquisador, o País precisa de uma legislação capaz de impor um alinhamento entre União e estados no que diz respeito à administração dos portos.

A aposta é de que o setor privado possa preencher, ao menos em parte, a lacuna deixada pelo Estado. Dados do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) mostram que o setor privado deve investir 14 bilhões de reais no quadriênio entre 2010 e 2013, quase três vezes mais que o volume registrado entre 2005 e 2008. Mais que isso, a taxa de crescimento anual dos investimentos nos portos é a maior entre os diversos setores da infraestrutura, segundo o Ipea. De acordo com a ABTP, o Brasil possui mais de 130 terminais de uso privativo, responsáveis por movimentar quase 70% da carga portuária brasileira. Vale e Petrobras, sozinhas, respondem por quase a metade desse volume.

A publicação do Decreto 6.620/08, que regulamentou a Lei de Modernização dos Portos, estabeleceu um marco legal para que empresas possam construir e administrar portos públicos. A primeira experiência sob o novo arcabouço jurídico será o novo Porto de Manaus, que o governo federal promete licitar até o fim do ano. Atualmente, a carga portuária produzida no complexo industrial da capital amazonense é escoada por meio de dois terminais de uso privativo, já que o porto público existente opera sem equipamentos adequados para a movimentação dos contêineres e o cais flutuante está interditado.

No Rio de Janeiro, a LLX, subsidiária do Grupo EBX, holding do empresário Eike Batista, toca o mais ambicioso projeto do País: o superporto do Açu, localizado em São João da Barra, no norte do estado, próximo às bacias de exploração de petróleo. Concebido e viabilizado antes da regulamentação, o porto, que deverá consumir investimentos de 4,3 bilhões de reais até a sua conclusão, em 2012, terá capacidade para movimentar 60 milhões de toneladas de minério e 46 milhões de metros cúbicos de petróleo, além de 10,2 milhões de toneladas de produtos siderúrgicos e mais 5 milhões de toneladas de granéis sólidos.

Contudo, participantes do setor reclamam que as atuais regras ainda são pouco convidativas para os investidores. “O período de concessão, de 25 anos, é muito curto. Um porto não se paga nesse tempo”, afirma Marcos Pinto. Manteli, da ABTP, também reclama do prazo. “As empresas não podem prescindir de previsibilidade e segurança, quando fazem investimentos bilionários. Desde que cumpridas todas as exigências, a renovação por mais 25 anos deveria ser automática”, conclui. De um modo ou de outro, Pinto afirma ainda que a iniciativa privada não dará conta, sozinha, de fazer todos os investimentos necessários. “As escalas não justificam esses investimentos, que são enormes. O setor público precisa fazer a sua parte.”

Fonte: CartaCapital