Não há «critério jornalístico» que explique como, depois de 5 anos a propalar a tese de que o assassinato de ex-primeiro-ministro libanês, Rafiq Hariri, era obra dos serviços secretos sírios, não se noticie hoje com igual entusiasmo que essa monumental cabala (que deu direito à criação de um «Tribunal Internacional» específico, ainda em funções) está a ruir como um castelo de cartas. É preciso um esforço grande para descobrir a notícia de que o próprio filho e actual primeiro-ministro libanês, Saad Hariri, e forças políticas que o apoiam, reconhecem hoje que a «pista síria» era falsa e a investigação foi politicamente inquinada (Asia Times, 10.9.10). É preciso um esforço grande para descobrir as notícias de que ao longo destes últimos meses, numerosas redes de espionagem israelitas, envolvendo gente altamente posicionada nas estruturas de poder no Líbano, foram desmanteladas (France24, 3.9.10), o que indicia explicações alternativas e bem mais convincentes para o crime de 14 de Fevereiro de 2005, um ano antes da invasão israelita do Líbano.

Não há «critério jornalístico» que explique como a sempre entusiástica promoção da tese de que a guerrilha colombiana tem responsabilidades em massacres ou no narcotráfico, conviva com um ensurdecedor silêncio quando se trata de noticiar a descoberta duma vala comum com mais de 2000 cadáveres (quase tantos quantos os mortos do 11 de Setembro) às portas da base militar colombiana de La Marcarena. Nem mesmo o reconhecimento pelas próprias forças armadas colombianas da sua responsabilidade pela vala comum (Counterpunch, 1.4.10) ou a visita de numerosos euro-parlamentares que reconhecem tratar-se de vítimas civis de massacres oficialistas (La Jornada, 24.7.10), merece destaque noticioso. Nem o facto do recém-eleito presidente colombiano, Juan Manuel Santos, ser na altura ministro da Defesa, com responsabilidade directa pelas acções das forças armadas, manchou as campanhas de louvor à «exemplar democracia» genocida e narcotraficante da oligarquia colombiana.

Nada disto surpreende. A comunicação social de massas não informa. Esconde ou cria a «realidade», consoante os desejos dos seus patrões e dos interesses de classe que representa. Mas é por isso que devemos registar a cada vez menos subtil campanha mediática de promoção do racismo. Dirão alguns que são loucos marginais. Mas são loucos marginais com promoção mediática por parte de sectores das classes dominantes. Na concentração racista de 11 de Setembro em Nova Iorque discursou Geert Wilders, o chefe do terceiro maior partido na «tolerante» Holanda (15,4% dos votos em Junho passado). Também discursou o ex-embaixador dos EUA na ONU, e émulo do Dr. Estranhamor, John Bolton (BBC, 11.9.10). O (então) dirigente do Banco Central alemão e membro do SPD, Thilo Sarrazin, publicou há dias um livro a dar mais um passo na «legitimação» do racismo. No respeitável Der Spiegel (10.9.10) é possível ler colunistas a dar-lhe a mão. Na Europa, da Itália de Berlusconi à França de Sarkozy, da Holanda à Bélgica, da Alemanha ao Reino Unido, e no mediático Portugal do «arrastão», é cada vez mais frequente ouvir insinuar que a culpa de tudo é dos imigrantes, dos muçulmanos, ou dalgum outro bode expiatório. Há 80 anos, no auge da outra grande crise mundial do capitalismo, a conversa era igual, embora os alvos fossem os judeus e a «conspiração judaico-bolchevique». O racismo serviu de caldo de cultura para lançar a mais violenta e brutal resposta do capitalismo à sua crise – o nazi-fascismo e a guerra.

Ontem como hoje, o racismo serve para desviar a atenção dos verdadeiros responsáveis da crise. Serve para que o descontentamento de largas camadas sociais, que estão a ser arruinadas pela crise, não se dirija contra os responsáveis por essa crise (que são também os donos da comunicação social que vai alimentando o monstro) mas contra bodes expiatórios de ocasião. Serve para abrir caminho à repressão e à criminalização da resistência. Serve para promover uma exploração ainda mais intensa e a guerra.

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Fonte: jornal Avante!