Essa expedição acontece pela 5ª vez. Ela resulta na demora em o Governo Brasileiro atender às reivindicações dos familiares dos guerrilheiros mortos e desaparecidos, que buscam encontrar vestígios que identifiquem possíveis lugares onde seus corpos foram enterrados.

O relato que se segue visa emitir minha opinião sobre a importância da decisão judicial, dessas expedições, e de como isso contribui para reforçar nossa compreensão sobre um fato histórico importante em nossa história e de repercussão internacional. Tanto que esse é um tema já inscrito na Organização dos Estados Americanos (OEA) onde se discute, inclusive, possíveis punições ao Brasil como decorrência da incapacidade, até então, de o Estado Brasileiro dar resposta à demandas que inscreve-se como sendo de importância no âmbito das discussões sobre direitos humanos.

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Meu trabalho de pesquisa para o mestrado em História da Universidade Federal de Goiás, mais a continuidade pela busca de informações que durou um ano após a defesa e a conseqüente publicação do primeiro livro sobre a Guerrilha do Araguaia, fez com que o meu nome fosse incluído dentre as principais fontes sobre o assunto. Creio, principalmente pelo ineditismo, em se tratando de trabalho acadêmico, e por ele ter como uma importante característica a informação baseada em depoimentos colhidos com personagens que viveram intensamente aqueles momentos de angústias por que passaram os moradores do Sul do Pará e Norte do Tocantins (então Goiás).

Para mim representava um novo desafio. Voltar à região mais de 15 anos depois bem às vésperas de iniciar os trabalhos para reedição do meu livro, já acertado com uma editora desde o final de 2009.

Embora tendo tomado conhecimento pelos jornais e por alguns dos membros das expedições anteriores, sobre o procedimento adotado, a minha expectativa era grande sobre como me comportar em meio a uma equipe bastante diversificada e com profissionais de áreas diferentes, embora essenciais para as buscas que estavam sendo feitas. Mas, a meu ver, faltava a presença de um historiador, pois embora a decisão judicial tenha um caráter específico e seja bastante objetiva, o que não questiono, muito ao contrário, algumas informações sobre dados, lugares e personagens, precisa necessariamente ter o olhar historiográfico. E, qualquer que seja o resultado, mesmo que focado no arrazoado da sentença judicial, representará um passo a mais para se compreender a história da guerrilha do Araguaia.

Ao chegar me surpreendi com a logística adotada para garantir que o trabalho fosse desenvolvido plenamente. Contamos com todo o apoio do Batalhão Logístico de Selva do Exército e seguimos para a cidade de São Geraldo, em um destacado comboio militar. Registre-se aqui, faço questão de dizer isso, que não somente em termos de garantia de infraestrutura, mas também no estabelecimento de relações respeitosas e amigáveis. Pude perceber, pelo menos com os oficiais com os quais pude conversar, não haver nenhum tipo de resistência em cumprir as decisões tomadas a fim de encontrar vestígios de restos mortais de guerrilheiros.

Claro que, do ponto de vista político, e geopolítico, o tema Guerrilha do Araguaia continua sendo emblemático, mas creio, como inclusive escrevi ao final do meu livro, podermos separar cada momento, assim como as diferenças de comportamentos nas instituições militares da época do regime militar para os dias de hoje. Isso não significa dizer que não existam concepções diversas dentro delas, mas mantêm-se nos limites que a democracia permite. Instabilidades políticas e possibilidades de retrocessos existem em qualquer país ou regime político, mas os riscos serão menores se as instituições funcionarem solidamente e em sintonia com a sociedade.

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A convicção que firmo, a partir do que presenciei nesses dias em que participei da V Expedição GTT-Araguaia, é que são enormes as dificuldades a serem enfrentadas na busca por identificação de corpos de guerrilheiros no cemitério de Xambioá. Contudo, isso não significa que tenho uma compreensão contrária à existência desses restos mortais ali naquele local.

Acredito que até o final da segunda campanha, por volta do mês de setembro/outubro de 2002, os guerrilheiros que foram mortos e levados para identificação tiveram seus corpos enterrados naquele cemitério. Provavelmente, pelas indicações feitas por alguns guias, também é possível que alguns guerrilheiros presos com vida, mortos por alguma razão, seja por tortura ou execução, podem também ter sido sepultados ali.

A partir da terceira campanha, com uma nova estratégia e táticas adotadas pelas forças que combatiam os guerrilheiros, houve uma mudança de logística, passando a ter maior importância as bases da Bacaba, na Transamazônica e do antigo DNER em Marabá. Nelas se acumularam as principais ações repressivas, comandadas pela equipe do Major Curió, além de concentrarem a maior parte dos prisioneiros, seja de guerrilheiros ou de moradores da região.

A partir de então passou a haver uma constante conexão entre essas duas bases, com os prisioneiros sendo deslocados da Bacaba para Marabá onde se concentravam, ao que tudo indica, as equipes mais preparadas para extrair as informações dos prisioneiros. Em alguns casos esses não resistiam e eram enterrados por ali mesmo. Segundo depoimentos de guias eram sepultados no terreno do próprio DNER, mas há possibilidades de alguns corpos terem sido lançados no rio ou enterrados em valas clandestinas no próprio cemitério de Marabá.

Outra possibilidade é que em certos casos alguns prisioneiros foram levados para dentro da mata com o intuito de apontarem locais estratégicos da guerrilha e em seguida executados, com seus corpos sendo deixados onde se deu a execução.

Considero pertinente a hipótese de ter havido uma “operação limpeza”, objetivando retirar os corpos de determinados lugares, que possivelmente foram utilizados em função das mortes de alguns guerrilheiros sob tortura. Embora haja certa resistência de alguns guias, em reconhecer essa operação, parto do pressuposto que essa foi também uma atividade de inteligência, cuja ação ficou restrita a um pequeno grupo de suboficiais do qual fazia parte o Major Curió. Não havia nenhuma razão para que alguns desses guias fossem observadores de uma operação tão comprometedora.

Acredito que também é crível que a Serra das Andorinhas também tenha sido o local de “desova” desses corpos. Pela dificuldade de acesso e porque jamais passaria pela cabeça dos seus executores que ali viesse a ser uma Área de Proteção Ambiental, com a possibilidade de se tornar, inclusive, atrativo turístico, como planeja setores ambientalistas ligados ao governo estadual.

Há uma versão, a ser comprovada, que antes desse conflito aquele local chamava-se “Serra dos Martírios”, por ter sido um lugar para onde eram levados negros e índios escravizados que tentassem fugir dessa situação. O nome atual teria surgido por indicação dos próprios militares depois da guerrilha, a fim de evitar levantar suspeitas sobre a possibilidade da existência de cemitério clandestino naquela região.

É provável que outros corpos, além dos que foram enterrados nas bases da Bacaba e de Marabá, tenham sido retirados de onde estavam originalmente e também levados para a Serra das Andorinhas. Acredito, no entanto, que a maior parte dos corpos daqueles que foram abatidos dentro da mata tenham lá ficado, primeiro pela dificuldade de serem transportados, segundo pela absoluta impossibilidade de esses corpos serem depois localizados para o traslado. Para que isso acontecesse eles teriam que ter contado com a ajuda de guias, mateiros experientes que sempre estiveram à frente das equipes, o que naturalmente colocaria a operação sob risco.

Por fim, acredito que a maneira de se chegar ao fim de tamanha agonia, seja tentar extrair informações precisas dos militares que participaram efetivamente da repressão ao movimento. Principalmente os oficiais, pelos quais passavam todas as decisões. Esses, não há dúvidas, detém em suas memórias – e provavelmente documentado – a verdade sobre quais foram as destinações dadas aos corpos dos guerrilheiros. Desde aquele que estava no comando maior, aos demais oficiais que comandaram as equipes e depois participaram da provável limpeza da área após o término do conflito. Principalmente aqueles que ali permaneceram por mais tempo, e que compunham a equipe do major Curió, decisiva na repressão final ao movimento guerrilheiro.
Mas, entendo também, que apesar de todas as dificuldades encontradas, e mesmo com algumas frustrações desanimadoras para os participantes do GTT, em consequência de buscas fracassadas em locais apontados com segurança como sendo covas clandestinas, é preciso persistir nessas investigações. Há uma enorme complexidade no caso do cemitério de Xambioá. Uma completa desorganização, incompatível, inclusive, com a própria origem e significado dos cemitérios cristãos, torna mais difícil o trabalho.

Não considero falsas as informações passadas por pessoas da região, alguns ex-guias do Exército. Mas penso que existe uma necessidade de haver uma equipe de historiadores, que fique responsável por fazer um cruzamento delas, de forma a definir com mais lucidez à luz das transformações ocorridas no tempo e no espaço. Se nesses 14 anos que separam minha penúltima visita, em 1996, à presença nessa expedição agora em 2010, muita coisa mudou na região, somando-se aos anos anteriores até à data do início da guerrilha contam-se 38 anos passados e, consequentemente um acumulo maior de alterações.

Para finalizar, registro minha satisfação de poder mais uma vez contribuir com o resgate de uma história que pode ser pequena na dimensão do espaço em que ela se desenrolou, mas de uma enorme dimensão pelos seus significados e aprendizados. Para que tal não se repita, é mister que as mortes de guerrilheiros e soldados não tenham sido em vão, e nos sirvam de exemplos na construção de uma Nação justa e democrática, de maneira a podermos viver em harmonia, sociedade e instituições que são fundamentais na defesa dos reais interesses do povo brasileiro. E, que acima de tudo, esses esforços sejam compensados garantindo-se às suas famílias o desejo de dar a seus filhos o descanso merecido dentro do significado que suas religiões estabelecem.

Espero para breve poder fazer uma discussão sobre esse tema na Universidade Federal de Goiás, no Instituto de Estudos Sócioambientais, onde trabalho, juntamente com a Fundação Maurício Grabois. Além de detalhar melhor essas questões que listei aqui faremos uma exibição do documentário Camponeses do Araguaia: a guerrilha vista por dentro. Não esquecerei de divulgar a data neste blog.

Infeizmente não pude anexar fotos desta última expedição. Aguardo ainda as fotos que foram tiradas pela fotógrafa do MD. Fico devendo. Abaixo a lista dos locais de onde as fotos deste post foram retiradas.

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1. Foto da primeira expedição do GTT – Diárioliberdade

2. Livro Guerrilha do Arguaia: a esquerda em armas – editoraufg

3. torturanuncamais.

4. navegadormt..

5. redebrasilatual

6. Documentário-DVD: anitagaribaldi.

Fonte: Blog Carpe Diem – Gramática do Mundo