Há semanas o mundo assiste perplexo o fracasso da maior potência tecnológica do planeta em conter o vazamento de petróleo a 1.500 metros de profundidade no Golfo do México. Esse vazamento será estancado. Em Engenharia, geralmente, a grande questão não é se uma obra ou intervenção é possível, mas quanto ela custa.

O custo será muito alto. Além de estancar o derramamento, há os custos de recuperação ambiental e econômica das regiões atingidas. A British Petroleum foi obrigada a criar um fundo de 20 bilhões de dólares para cobrir as indenizações. Estima-se, entretanto, que essas possam atingir a cifra de US$ 60 bilhões.

A maior tragédia ambiental da história causada por derramamento ainda deverá trazer grandes impactos. Os impactos climáticos e de saúde causados pelo consumo de petróleo são muito conhecidos. A partir desse acidente, a indústria carregará para sempre uma percepção de alto risco ambiental na produção em águas profundas.

O petróleo em águas profundas é a grande esperança da indústria para suprir o crescimento da demanda nos próximos anos, e adiar o declínio da produção conforme os prognósticos da teoria do Pico do petróleo de Hubbert.

Essa nova percepção de risco ambiental elevará significativamente o custo de produção por exigência de medidas de segurança mais rigorosas, equipamentos mais sofisticados, regulação mais severa e prêmios de seguro mais abrangentes e caros. Implicará, assim, em preços futuros do insumo ainda maiores que o atual. Isso será duplamente positivo para o Brasil, porque exportará petróleo cada vez mais caro e porque agregará cada vez mais equipamentos, tecnologia e serviços nacionais em sistemas de exploração e prevenção de acidentes cada vez mais complexos.

Em nível global, o impacto será negativo. Preços de derivados de petróleo ainda maiores do que os atuais impactarão severamente nos custos dos transportes. Os dois principais destinos da energia primária no mundo são os transportes e a geração de eletricidade. O petróleo é a fonte de energia predominante para os transportes, mas secundária para a produção de energia elétrica.

Hoje, no mundo, a pesquisa e aplicação de tecnologias limpas para redução das emissões de carbono têm se concentrado mais na produção de energia elétrica: eólica, nuclear, solar, biomassa, melhorias nas termelétricas, captura de carbono etc. Nos transportes, umas das poucas experiências práticas são o etanol e o biodiesel. Porém, em relação a esses combustíveis, a capacidade mundial de produção não permite uma substituição significativa dos derivados de petróleo destinados aos transportes, a nível global. Mesmo no Brasil, não se vislumbra uma substituição muito superior a 50%. Mas, com exceção do Brasil, essas e outras alternativas à utilização do petróleo nos transportes recebem relativamente menos investimentos do que as tecnologias de redução de emissões na produção de energia elétrica. Isso é um aparente paradoxo, porque, tendo em vista que, por unidade de energia contida, o petróleo é significativamente mais caro do que o carvão e o gás natural, principais combustíveis fósseis usados na produção de energia elétrica.

Além do custo mais alto, os derivados de petróleo são utilizados de forma menos eficiente do que a energia elétrica nos meios de transporte. A eficiência dos motores elétricos é quase 4 vezes superior a dos motores a combustão e nos veículos elétricos é possível aproveitar as frenagens e descidas para poupar energia, gerando ganhos adicionais entre 20 e 40%.

Os veículos elétricos tornaram-se economicamente viáveis graças à elevação extraordinária do preço do petróleo a partir de 2003, à preocupação ambiental e ao desenvolvimento tecnológico. O acidente do Golfo tornou mais claro que o preço do petróleo não só não vai cair, como continuará aumentando. A era de socialização dos custos ambientais e do petróleo “barato” realmente acabaram.

Entretanto, ainda havia resistências à substituição do petróleo na matriz de transportes vindas da indústria do petróleo e parcialmente das grandes montadoras. Algumas delas enxergavam, no carro elétrico, um risco em razão da possibilidade da entrada de novos concorrentes e, principalmente, em razão de uma esperada depreciação de boa parte de seu capital tecnologico e social de produção. As velhas indústrias de petróleo e automobilística viveram em perfeita simbiose por quase cem anos. Não se pode também esquecer a resistência dos países cuja prosperidade, e mesmo a sobrevivência, depende do petróleo. Por anos, essas forças dificultaram o aparecimento de tecnologias alternativas.

Hoje essa resistência não é interessante para ninguém. A maioria das empresas do setor automotivo entraram na corrida para produzir veículos elétricos. As maiores empresas petrolíferas estão se tornando empresas energéticas, diversificando sua área de atuação. O contínuo crescimento da demanda por petróleo, especialmente na Ásia, combinado aos problemas de oferta, tende a aumentar seu preço e poderá até trazer o risco de desabastecimento e de conflitos. Assim, as resistências contra os carros verdes continuarão diminuindo.

Na próxima década, a preferência pelos veículos elétricos a bateria poderá ser limitada por restrições técnicas ao abastecimento rápido de baterias, e pelo seu alto custo e menor autonomia. Porém, a penetração dos carros a bateria deve aumentar na próxima década. A escassez de petróleo, os problemas ambientais e o desenvolvimento tecnológico tornarão as alternativas elétricas mais competitivas. Porém, o processo será suficientemente lento para todos se adaptarem. A indústria do petróleo, do etanol e os países exportadores de combustíveis, como o Brasil, não precisam resistir à expansão dos veículos elétricos. Pelo contrário, deveriam investir nas novas tecnologias, que respondem a condicionantes naturais e técnicos e motivações globais que acabarão por prevalecer. Poderão, assim, tirar proveito do novo mundo que emergirá. Se perderem o trem dessa grande revolução tecnológica, será impossível competir com as indústrias e nações que estarão na vanguarda, especialmente a China, que vem investindo pesadamente e tem a vantagem de poder queimar etapas, visto que sua indústria automotiva é das mais novas.

É importante e urgente buscar o consenso em torno de políticas para viabilizar o carro elétrico no Brasil, pois nossa energia elétrica é gerada, predominantemente, por fontes renováveis, podendo no futuro distante praticamente zerar a emissão de gases do efeito estufa no automóveis. Mas é preciso entender que isso pode ser feito sem prejudicar as apostas brasileiras no etanol e no pré-sal. Hoje o diesel é o principal combustível consumido no país. Novas tecnologias permitem que os veículos pesados possam substitui-lo por etanol. Os ônibus a etanol com os eficientes motores híbridos seriam uma benção contra o ar tóxico das grandes cidades. Em um segundo momento, a meta é os caminhões. Assim, o ar das grandes cidades será cada vez mais saudável e se economizará na importação de diesel, que alcançou US$ 4 bilhões em 2008. A utilização do etanol em veículos de ciclo diesel manterá suas exportações crescentes.

De qualquer forma, convém lembrar que a expansão dessas tecnologias será irremediavelmente lenta para superar o declínio da oferta de petróleo frente ao crescimento da demanda por energia. O mundo ficará mais limpo, mas continuará sedento pelo petróleo do pré-sal.

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Fonte: revista CartaCapital