Difícil acreditar que o tempo e o espaço dedicados a espinafrar o técnico da seleção tivesse tanto interesse para o público quanto para os jornalistas, empenhados em transformar um assunto corporativo em problema nacional. A negativa de Dunga em permitir entrevistas exclusivas de jogadores da seleção à Globo, em vez de saudada pelos profissionais dos outros meios de comunicação como igualdade de tratamento, foi recebida, de início, com estranha unidade corporativa em solidariedade ao monopólio de comunicação que prejudica a todos os veículos, exceto o monopolista.

Pouco ou nada se escreveu sobre a necessidade de restringir o contato da seleção com uma mídia que, por operar dia e noite, entende que atletas em momento de exigência máxima podem ser abordados às três da madrugada para entrevistas, como se viu em copas passadas. Não fosse a resistência de Dunga à emissora líder de audiência, o abuso teria acontecido novamente na presente Copa. Com muita vigilância, disciplina e sorte, talvez não voltem a acontecer.

O respeito entre os jornalistas e o treinador, que pediu desculpas aos brasileiros, não à mídia nem aos seus profissionais, aumentou um pouco. O nível da cobertura, não. Nas entrevistas coletivas, perguntas bisonhas endereçadas aos jogadores e ao técnico só deixaram espaço, até agora, para respostas entre o óbvio e o trivial, em um padrão circular imutável. Informação para valer, isto é, que esclarece, é rara e provem de escassos colunistas ou blogueiros.

Entre o complexo de vira-lata e o ufanismo, os tropeços da corporação especializada na cobertura de futebol na cobertura de futebol são muitos. Exemplo: pouco depois de Dunga dizer à um profissional da imprensa italiana que jornalistas brasileiros costumam atribuir as goleadas da seleção à fraqueza do adversário, um conhecido comentarista disse que o Chile, batido ontem por três a zero, era um time fraquíssimo, uma galinha morta.

Ressalvadas sempre as exceções, a corporação deve explicações para o bom desempenho de Elano e Robinho, por ela desqualificados antes dos primeiros resultados em campo. Precisa, se não explicar, ao menos se esforçar para descobrir a causa da melhora do desempenho de Felipe Melo, demonizado pela cobertura. O mesmo poderia ser dito quanto a Michel Bastos e Gilberto Silva. Condenações e elogios vêm e vão com a mesma ligeireza. Realizar uma autocrítica exigiria, no entanto, que o jornalista submetesse o seu impulso de torcedor à racionalidade de profissional da informação, em benefício do interesse público.

De acordo com alguns torcedores que acompanham várias mídias de modo não interativo, ou seja, sem pesquisar na internet ou em arquivos, a cobertura jornalística da atual copa, além de cometer os excessos apontados, não informou os placares dos primeiros jogos do Brasil nas últimas copas; quantos gols foram feitos por todas as seleções nas diversas copas, em cada fase; por que a bola muda a cada copa do mundo; o esquema, as táticas e os principais jogadores das seleções dos outros 31 países.

A maior parte dos comentários dos jogos, observa um torcedor, segue um padrão que restringe as análises aos desempenhos individuais e prescinde da abordagem do futebol como esporte coletivo, necessariamente de confronto dinâmico de táticas e de estratégias, de cotejamento de escolas e de concepções. Revela, portanto, um profundo desconhecimento do futebol.

Também há falhas prosaicas. Quando Julio Cesar se contundiu, ninguém informou o histórico de contusões do goleiro, para se saber se era ou não um problema recorrente; o prognóstico daquele tipo de problema; se tal contusão é comum entre goleiros. São informações fáceis de obter com médicos especialistas, integrantes ou não de seleções ou clubes futebolísticos. Salvo engano, ninguém foi atrás dessas informações, de importância evidenciada de modo chocante quando uma câmera flagrou, depois de uma defesa difícil, o aparato parecido com espartilhos utilizado pelo goleiro em torno do tórax e escondido pela parte superior do uniforme.

Uma das lacunas informativas é a inexistência de bons perfis dos 20 jogadores da seleção que não atuam em times do Brasil, com mensurações retrospectivas de desempenho baseadas em dados objetivos, muitos deles encontráveis na mídia esportiva internacional especializada. Certamente a comissão técnica dispõe desses dados e de muitas outras informações para fundamentar suas escolhas, algumas delas contestadas sem fundamento suficiente por profissionais da mídia, como os fatos tem mostrado.

A partir da atual etapa, espera-se uma recuperação do escrete midiático, que deve ter como meta um desempenho não inferior ao da nossa seleção.

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Carlos Drummond é jornalista.

Fonte: Terra Magazine