O grande temor dos mercados globais está em saber se o enorme endividamento dos Estados pode ser resolvido sem calotes ou moratórias. É a dívida pública elevada que assusta os mercados quanto à Grécia, que foi resgatada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pela União Europeia. Da mesma forma, países ricos como Itália, Portugal, Japão, Estados Unidos e Reino Unido passam por problemas quanto ao financiamento de sua dívida, que chega a ultrapassar 100% do Produto Interno Bruto (PIB) – no caso japonês, a dívida bruta supera 200% do PIB.

Para Suzanne Rosselet, coordenadora do IMD na Suíça, o Brasil se tornou “um player global”. A grande conquista brasileira dos últimos anos foi “diminuir sua exposição à dívida externa”, afirmou, por telefone, ao Valor. Em dezembro de 2005, o país saldou tudo o que ainda devia ao FMI – cerca de US$ 15,5 bilhões que ainda restavam do empréstimo-ponte de 2002. Pouco depois, no começo de 2006, o país pagou sua dívida com o Clube de Paris. Desde então, com o nível crescente de reservas internacionais – que estão em US$ 249 bilhões, segundo dados do BC – e a queda do endividamento com o exterior, o Estado brasileiro é credor externo.

Se comparado ao desempenho dos países ricos, o nível de endividamento público em relação ao PIB brasileiro é pequeno. No entanto, avalia José Roberto Afonso, mestre em economia pela UFRJ e especialista em contas públicas, “não estamos bem quando comparados aos outros países emergentes”. Afonso trabalha com o dado mais amplo de dívida bruta, que leva em consideração a carteira de títulos do BC – desta forma, a dívida bruta como proporção do PIB passa de 63% para 68%. A média dos países emergentes é de 40%. “Mas é a trajetória que realmente preocupa”, diz o economista, “porque os emergentes reduziram sua dívida na última década, enquanto o Estado brasileiro aumentou”.

O aumento das reservas internacionais explica boa parte do aumento do endividamento bruto. No começo da década, as reservas eram de US$ 33 bilhões, enquanto hoje se aproximam de US$ 250 bilhões – um salto de 757% em dez anos. As reservas são formadas pela emissão de títulos públicos, remunerados pela Selic, uma das maiores taxas de juros do mundo – atualmente em 9,5% ao ano. Os dólares, no entanto, são aplicados, predominantemente, em títulos americanos, cuja taxa de juros atualmente oscila em torno de zero. “É um custo altíssimo, que aumentou enormemente nosso endividamento”, avalia Afonso.

Para Carlos Arruda, coordenador do núcleo de inovação da Fundação Dom Cabral, que ajudou o IMD nos dados brasileiros, o governo ampliou sua capacidade de arrecadação, melhorando o financiamento do Estado e a relação dívida/PIB. “Há pouca habilidade no manejo dos gastos públicos, com muita ineficiência. O Estado ainda ocupa muito espaço na economia”, diz ele. Para Suzanne, do IMD, há uma tendência de o Estado ocupar grande espaço na economia, convivendo ao lado do setor privado, “principalmente depois da crise”, afirma.

O impacto diferenciado da crise mundial ajuda a explicar a maior lentidão dos países ricos em “deglutir” o aumento do endividamento em comparação aos emergentes. Enquanto Estados Unidos, Japão e os países da União Europeia foram atingidos pelos canais financeiros e comerciais, os emergentes, como o Brasil, estimularam seu mercado doméstico.

Para Carlos Eduardo Gonçalves, doutor pela USP e consultor econômico, é preciso ter em mente que os países têm diferentes pesos, isto é, países ricos podem sustentar endividamento maior que países emergentes. “Países industrializados conseguiram manter altas dívidas por décadas sem entrar em colapso, o que deixa o mercado menos estressado que com um país emergente, que precisa ter mais rigor.” De acordo com Gonçalves, são os gastos elevados com despesas correntes, como benefícios previdenciários, que constituem “nosso calcanhar de Aquiles”, diz. “Se mudarmos a gestão de gastos, temos à frente um quadro muito melhor que outros países.”

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Fonte: jornal Valor Econômico