Pegou mal. Afinal, o Mercosul é o eixo estruturante das relações Brasil-Argentina. Cavallo expressava a opinião dos conservadores de seu país. Para eles, que apostavam nas “relações carnais” com os EUA, o único importante era a integração com os países mais desenvolvidos. Sonhavam com a Alca. O Mercosul era visto por eles como estorvo.

Cavallo não conseguiu seu intento de reduzir o Mercosul a uma mera área de livre comércio, mas deixou insuspeitados discípulos no Brasil.

Há poucos dias, o pré-candidato José Serra, “mercocético” histórico, afirmou que o Mercosul é uma “farsa”, um peso que atrapalha o Brasil. Pegou malíssimo. O “Clarín”, importante jornal argentino, publicou matérias contestando as novas versões das teses “cavallianas”.

Não falta razão a esse jornal. Se há um país que não pode reclamar do Mercosul é o Brasil. Entre 2003 e 2008, nossas exportações para esse bloco foram multiplicadas por 6,6, tendo passado de US$ 3,3 bilhões para US$ 21,7 bilhões. No mesmo período, as nossas exportações totais foram multiplicadas por 3,3. Ou seja: as exportações para o Mercosul cresceram o dobro da média global brasileira.

Ademais, nesse período acumulamos um superávit intrabloco de US$ 23,8 bilhões. Mas a importância dessa corrente regional de comércio se torna mais evidente quando analisamos sua composição. Em 2008, exportamos US$ 21,7 bilhões para o Mercosul. Desse total, US$ 20 bilhões foram de manufaturados. Assim, 92% das nossas exportações intrabloco são de bens de alto valor agregado, o que beneficia muito São Paulo, estado industrial do pré-candidato. Em 2009, ano de crise, São Paulo teve déficit de US$ 8 bilhões, mas obteve quase US$ 4 bilhões de superávit com a “farsa”.

A tese de que o Mercosul “atrapalha” a conquista de novos mercados não tem sustentação nos dados empíricos.

Como assinalamos, no período considerado nossas exportações foram multiplicadas por 3,3. Já exportações mundiais foram multiplicadas por um fator de “apenas” 2,4. As exportações brasileiras cresceram, assim, bem acima da média mundial. Isso aconteceu graças a uma competente política de comércio exterior que apostou na integração regional e na diversificação das parcerias, particularmente no eixo Sul-Sul. É provável, no entanto, que o pré-candidato ainda esteja raciocinando com os dados do governo ao qual serviu. Naquela época, o Brasil realmente tinha grandes dificuldades para conquistar mercados e acumulava pesados déficits.

Só com o Mercosul, acumulamos ao redor de US$ 5,5 bilhões de déficit, entre 1995 e 2002.

É claro que a união aduaneira torna mais complexas as negociações com outros países. Porém, ela também gera grande vantagem: dá mais peso a países que, individualmente, teriam condições menos vantajosas nas negociações.

O exemplo da União Europeia, que inspira o Mercosul, é muito eloquente. Além disso, no governo Lula o bloco se expandiu. Firmamos um acordo para incluir os países andinos como membros-associados do bloco e iniciamos o processo de inclusão da Venezuela como membro pleno. Acabamos de promulgar o acordo de livre comércio entre o Mercosul e Israel.

Outros estão em fase adiantada de negociação.

Só não conseguimos fechar ainda o acordo com a UE porque nesse bloco há países que resistem a abrir seu mercado agrícola. A culpa não é do Mercosul.

Além da importância econômicocomercial, o Mercosul e a integração regional têm grande relevância política e estratégica para o Brasil. É graças, em boa parte, a essa integração que o nosso país possui hoje protagonismo internacional inédito em sua história. Assim sendo, atirar contra o Mercosul, bloco que implica compromisso de longo prazo de Estados, é dar um tiro no pé. É tontería sem nenhum substrato racional e empírico. Mesmo em ano eleitoral, pega mal. Para o bem do país, que precisa de um entorno próspero e estável, esperamos que as tensões geradas pela declaração atrapalhada possam logo ser desanuviadas.

Tiro no pé dói.

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Fonte: jornal O Globo