A prestigiosa revista "Science" publicou extensa reportagem sobre as origens e a criação do Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE, parte integrante do Centro Nacional de Pesquisas em Energia e Materiais), em que já foram investidos R$ 69 milhões e outros tantos serão ainda necessários para sua implantação.

Essa iniciativa foi chamada na mesma reportagem de megalomaníaca.

Recentemente, os Estados Unidos dedicaram a projeto análogo, aplicado em três centros universitários, US$ 1 bilhão, ou seja, 12 vezes mais do que o investimento do CTBE.

Se comparados aos respectivos PIBs, fica clara a pertinência do programa brasileiro. Também o governo do Estado de São Paulo está investindo R$ 150 milhões em biocombustíveis nas três universidades paulistas.
E ninguém reclama. Talvez porque espere cada um receber sua quirera, embora, como sempre que há pulverização de recursos, os resultados esperados venham a ser pífios.

Esperemos apenas que, sabedores que são dessa inexorável condição, optem os responsáveis por uma distribuição que concentre recursos em poucos projetos. Esquecem ainda os críticos extemporâneos que o CTBE é um laboratório nacional, a cujos equipamentos e "expertises", portanto, terão pleno acesso pesquisadores brasileiros e indústrias nacionais.

É bom lembrar que os cinco programas de pesquisa e desenvolvimento do CTBE foram elaborados em estrita colaboração com órgãos governamentais, universidades e empresas privadas e estatais, mais de 40 instituições ao todo, em um processo que durou cerca de dois anos.

O professor José Goldemberg lembra com razão que ainda há muito a fazer pela melhoria da tecnologia de primeira geração, implicando, todavia, que seriam prematuras iniciativas relativas à tecnologia de segunda geração. Eu esperaria essa argumentação de um usineiro tradicional, nunca de um físico.
Que esse meu comentário não seja tomado como uma crítica à posição do professor Goldemberg, mas apenas como uma sincera expressão de minha perplexidade.

Explico-me: a cana-de-açúcar, grosso modo, é composta de água (50%), e o restante divide-se em um terço de suco (açúcar), um terço de bagaço e um terço de palha. Ou seja, da biomassa total, apenas um terço é aproveitado como açúcar ou como álcool; dois terços, o material lignocelulósico, não são convertidos em açúcar ou em álcool dentro dos limites das tecnologias de primeira geração.

Uma parte dessa biomassa é aproveitada, não obstante, frequentemente com eficiência muito baixa, para produzir a energia de que precisa a usina e, eventualmente, excedentes comercializáveis.

As tecnologias de segunda geração permitirão não somente total aproveitamento da biomassa contida na cana como também dos atuais rejeitos e sobras hoje inaproveitados de todas as demais culturas agrícolas.

Os benefícios da tecnologia de segunda geração se tornarão óbvios quando, em futuro próximo, a disponibilidade de terras cultiváveis vier a limitar severamente a produção. A produtividade por hectare pode em princípio dobrar com a aplicação dessa tecnologia, mesmo que continuem as atuais formas de aproveitamento do bagaço e da palha.

É claro que pesquisas relativas às tecnologias tradicionais devem continuar a ser realizadas, e o CTBE também a elas se dedica, mas o que alguns não percebem é que estes dois possíveis ganhos, os pequenos incrementos progressivos em tecnologia de primeira geração e o salto de produtividade devido à introdução de tecnologias de segunda geração, não são mutuamente exclusivos, mas complementares, aditivos.

Quanto ao diagnóstico de megalomania atribuído aos idealizadores do CTBE, esse é um fenômeno recorrente. Aconteceu quando foi criado o Instituto de Física Gleb Wataghin, da Unicamp, ocorreu logo depois com o projeto do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, ocorreu ainda com a Coppe, no Rio, em seu início etc.

E o mais interessante é que esses céticos, esses críticos, não se incomodam com o eventual fracasso e consequente desperdício de recursos, mas, muito pelo contrário, o que anima a sua fúria verborrágica é a ameaça de sucesso do empreendimento.

O surrado comentário que foi atribuído a Beethoven, "Os cães ladram e a caravana passa", encontra uma versão mais apropriada no dizer de Sarmiento, o ex-presidente e intelectual argentino: "Os cães ladram, é sinal que cavalgamos".

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Físico, é professor emérito da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), presidente do Conselho de Administração da ABTLuS (Associação Brasileira de Tecnologia de Luz Síncrotron) e membro do Conselho Editorial da Folha.

Fonte: jornal Folha de S. Paulo