Primeiro, escreve que Marx se inspirou em Rousseau e Proudhon na sua crítica à propriedade privada. Rousseau nunca foi um revolucionário. Nunca pretendeu extinguir a propriedade privada. O que advogava era um contrato social nascido da soberania do corpo social, isto é do conjunto da sociedade. Claro, era uma tese avançada para a época, tanto que inspirou a Revolução Francesa.

Mas nem Rousseau, nem Robespierre jamais ambicionaram abolir a propriedade privada. Proudhon também não ambicionava extinguir a sociedade privada e, sim, democratizá-la. Ou seja construir uma sociedade de proprietários. Por isso, Marx com ele rompeu.

Segundo, Marx não “pregou a abolição da propriedade privada e sua coletivização sob controle do proletariado” como escreve o ex-ministro. Na realidade, aquele que ficou conhecido pela política econômica do feijão com arroz, trata a ciência marxiana da mesma forma prosaica, para ser elegante, com que tratou, no passado negócios da economia.

Ao debruçar-se sobre a história e constatar que a luta de classes era o elemento dominante, Marx concluiu pela necessidade de superação da propriedade privada como caminho para a emancipação humana da necessidade do trabalho. A classe operária seria responsável pela transição por uma razão concreta. A propriedade privada dos meios de produção não poderia viver sem a sua antítese, que é o operariado.

Ao contrário, o operariado só poderia emancipar-se e emancipar a humanidade se abolisse a sua antítese, a burguesia proprietária dos meios de produção e, consequentemente, da oferta de trabalho. Seria o começo da história humana, o fim da pré-história.

Essa é em síntese a visão marxiana sobre a candente questão da propriedade. Mas, vale lembrar que Marx inovou apenas na teoria revolucionária. Aliás, nunca fez segredo disso: buscava a verdade, não a novidade.

Na prática, e isso o ex-ministro se sabe faz questão de esquecer, a condenação da propriedade privada tem as suas raízes no cristianismo. Foram os cristãos que primeiro ergueram a voz para condená-la. No Renascimento, floresceram três grandes utopias. Uma revolucionária que levou o teólogo Thomas Müntzer a liderar os camponeses alemães contra os príncipes, senhores da terra.

A rebelião foi feita em nome de Cristo, ocorreu entre 1524 e 1525, custou a vida de 130 mil camponeses, a grande maioria brutalmente chacinada. Thomas More, celebre autor da utopia, também era cristão, mas condenou a propriedade privada. Ou a miséria gerada pelas contradições do capitalismo mercantil no século XVI. Por fim, Campanella, também cristão e, inclusive padre, na sua Cidade do Sol, é veemente na condenação da propriedade privada, acusando-a de corromper os valores essenciais do evangelho.

Tudo isso é história. O fio condutor das críticas à propriedade privada encontra-se na constatação de que a comunidade está acima dos interesses particulares. Em síntese, o poder emana da comunidade, não dos detentores dos meios de produção. O debate em torno deste tema perpassa todo o debate político que vai do renascimento ao século XIX.

E envolve dos liberais aos revolucionários. Um debate que continua atual e que no Brasil dos dias atuais significa uma democracia autêntica, não mais uma democracia de poucos para poucos.

Por que a realidade histórica é apresentada hoje com as roupas de gala do anacronismo? A razão é simples. Há uma tendência em curso no Brasil, muito evidente em parte da mídia, sobretudo em meio a colunistas, de tentar associar reformas sociais ao fantasma do autoritarismo.

O objetivo é claro: semear o incerteza quanto aos rumos do governo, nesse momento em que Lula se prepara para fazer a ministra Dilma sua sucessora. É um movimento em três frentes. Há o movimento protagonizado por colunistas como Nóbrega, tentando confundir um tema profundo, a questão da propriedade, com a profundidade de um pires, o arremedo de explicação da teoria Marxiana.

Soma-se um movimento para rotular a candidata de Lula como terrorista, quando na verdade ela e sua geração foram combatentes pela liberdade. Por fim, alinha-se a tendência de ver autoritarismo por toda parte.

Trata-se de um exercício de ficção para confundir a opinião pública. Pelo visto não tem tido resultado. A economia cresce, o empresariado se fortalece, parcerias públicas e privadas se tornam rotineiras e, o que é mais saudável, vive-se em um ambiente de absoluta tranqüilidade institucional.

O cidadão percebe onde está a verdade, no sentido da realidade dos fatos, e onde está a ficção, a manipulação dos fatos. Tanto que o governo conta com a aprovação de 8 em cada 10 brasileiros. Nada contra artigos como o do ex-ministro Nóbrega, mas seria de bom tom, inclusive por respeito aos leitores, a Veja abrir-se para visões divergentes. Esse seria o verdadeiro caminho para uma imprensa democrática. Mostrar os dois lados de uma mesma realidade. Mostrar um lado só é doutrinação.

Marx foi um grande jornalista. Os opositores do governo Lula teriam muito a aprender com ele. Se assim o fizerem, aprenderão pelo menos a lidar com a robustez dos fatos e a dialética. Não mais recorreriam às máscaras de vidro de fazer da história das idéias políticas mera ficção. Jornalismo é pluralidade, é diálogo. Não o anacronismo do monólogo.

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Francisco Viana é jornalista, consultor de empresas e autor do livro Hermes, a divina arte da comunicação. É diretor da Consultoria Hermes Comunicação estratégica

Fonte: Terra Magazine